Onde nenhuma família jamais esteve...
por Ronald Lima
(Originalmente publicado em 14/08/2018)
Série começou "hard" e se tornou "camp", virando cult
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Irwin Allen, o pai da série, ou o culpado por ela... |
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16 de outubro de 1997 no Controle Alpha: Um grande passo a ser dado na História da humanidade. |
Perdidos no Espaço foi
uma série de ficção científica produzida nos anos 60 sobre uma família
que deixou a Terra para formar as bases de uma colônia em um planeta no
Sistema Alpha Centauri. Como toda obra do produtor Irwin Allen é baseada em um algum de seus clássicos favoritos da literatura, no caso o conto de Johann Rudolf Wiss "A Família do Robinson Suíço",
onde a união ajuda a vencer os sofrimentos de uma família que sobrevive
a um naufrágio. A obra também foi referência para diversos outras
releituras na cultura pop (Para mais informações sobre esses outros
derivados, veja aqui.)
Na
época do lançamento do seriado uma família unida para superar
desventuras não era nenhuma novidade, mas uma família perdida no espaço
sideral?! Sim, isso era diferente. E me conquistou logo de cara quando
conheci com meus seis anos de idade - até hoje gosto muito do visual da
nave dos Robinsons. Em minha infância em Copacabana, as aventuras da
série cativaram a mim e meu irmão menor - não perdíamos um episódio.
Lembro que a primeira vez que vi estava na casa de minha avó, em
Botafogo.
Costumávamos brincar inventando novos episódios da série usando nossos bonecos em miniatura - misturávamos cowboys
com índios e soldados para encarnar os personagens da série. Era comum
eu fazer o papel do monstro da semana, enquanto meu irmão manipulava os
bonecos em fuga. Os cenários do interior das naves e toda a parafernália
que os Robinsons usavam me atraíam a atenção - eu queria estar lá, ser
parte de uma equipe de exploração espacial. E todo mundo era fã do Dr.
Smith.
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Tudo começou em 1965, quando foi produzido pela CBS um episódio piloto para a série chamado No Place To Hide. Dirigido por Irwin Allen, foi um
dos mais caros pilotos na época, mas não foi ao ar na ocasião. Só foi
exibido em 1997 para comemorar a data fictícia de lançamento da Júpiter 2.
Desse piloto foram usadas na série apenas as cenas da chuva de meteoros
na chegada no planeta perdido e o confronto com um gigantesco ciclope
ameaçador. Atualmente está completo em todas as coletâneas de CD, DVD E
BLUE RAY.
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A
Corrida Espacial avançava rapidamente nos anos 60, movida pelos ventos
da Guerra Fria. Naquela ocasião deve ter parecido bem plausível para a
produção a escolha de 1997 como data para lançamento de uma nave com
tecnologia do porte da Júpiter 2 visando a colonização de outros planetas.
O primeiro episódio de Perdidos no Espaço que deu início a 1ª temporada foi ao ar no ano de 1965, onde vemos o desenrolar dos seguintes eventos:
16 de outubro de 1997. O Planeta passa por enorme crescimento
populacional. São 10 milhões de habitantes novos por ano no planeta.
Cientistas do projeto intitulado Controle Alpha, haviam realizado uma
busca por outros possíveis mundos habitáveis e localizaram um mundo
habitável no sistema Alpha Centauri, o mais próximo do nosso Sol. Um
objetivo possível de ser alcançado pela tecnologia que então dispõem.
Dentre dois milhões de voluntários, o Controle Alpha recruta
um grupo formado por um núcleo familiar para garantir uma boa coesão de
propósitos. Cada membro da família apresenta, além das qualidades
físicas desejadas, uma especialidade de conhecimento em diversas áreas -
o pai John Robinson, interpretado pelo ator Guy Williams (que foi o Zorro 1957, da Disney), é astrofísico, geólogo e professor. A mãe Maureen (June Lockhart) é bioquímica. Eles tem duas filhas: a mais velha, Judy (Martha Kristen) e Penny (Angela Cartwright - Angela Cartwright Lost In SpaceTribute page), que estudaram zoologia. O caçula da família é o William (Billy Mumy), estudioso de eletrônica. A família é auxiliada por um oficial piloto, o major Don West (Mark Goddard), e o robô B9 da
classe M3, desenvolvido para exploração e testes em meio-ambientes
diversos. Ele contava com os atores Bob May nos movimentos e Dick Tufeld
na voz. E também a bordo estava um inesperado e relutante clandestino, o
mais icônico personagem da série, o Dr. Zachary Smith interpretado por Jonathan Harris.
Apesar da missão da Júpiter 2 de
colonização espacial surgir como a grande solução para a Humanidade,
nem todos desejam que ela seja um sucesso. Para impedir esse passo a
frente, surge o Coronel Dr. Smith, agente infiltrado da Aeolus 14 Umbra. Smith
participa dos preparativos finais para a decolagem. Ele é o médico
responsável pelo exame final dos Robinsons antes de serem congelados em
animação suspensa para viagem, que duraria cinco anos. Smith altera a
programação do robô B9 para que, após algumas horas da decolagem, ele inicie um processo de destruição dos controles da nave.
Os
Robinsons e o Major Don West fazem uma última vistoria na nave antes da
decolagem e, por acaso, técnicos que os acompanhavam desativam a
programação alterada do robô. Smith percebe o ocorrido e espera os
técnicos saírem e os tripulantes irem para as câmaras de hibernação para
refazer a sabotagem. Mas, ao sair, ele é abordado por um soldado que
verificava se o local já estava evacuado, pois faltava pouco tempo para a
decolagem. Smith aproveita um momento de distração e derruba o soldado
com um golpe. Ele se livra do corpo inconsciente, sem o menor remorso,
jogando-o em um tubo para a queima de resíduos (sim, este não é o Dr.
Smith medroso e histriônico que entrou para a história da cultura pop.
Essa versão surgiu bem depois). O problema é que, com esse contratempo,
ele se atrasa, ficando preso na nave antes da decolagem. Seu peso extra,
somado as ações da programação alterada do robô, alteram de forma
irremediável a trajetória da Júpiter 2, que se perde nas profundezas do espaço.
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Esse clima vintage é
reforçado pelo fato de ter sido filmada em preto e branco. Por isso
estes episódios são mais difíceis de serem lembrados pelo público em
geral - as temporadas seguintes, produzidas em cores, foram mais
reprisadas. A trilha incidental também é bem típica de produção de Sci-Fi
daquela época, tornado-os ainda mais datados.
A
Júpiter 2 encontra um planeta desconhecido e seus tripulantes procuram
lidar com esse novo mundo e suas rápidas oscilações climáticas, com
fortes tempestades elétricas. Eles exploram a superfície diante da
necessidade de sobrevivência e também para encontrar material que sirva
de combustível. Eles se comportam como pioneiros do oeste, com direito a
um carroção, acampamentos, fogueiras, violão e até uma tradicional ceia
de ação de graças, com a presença ao longe de dois intrigados
alienígenas a observá-los. No episódio 15 os Robinsons nomeiam o
planeta de Priplanus.
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A
1ª temporada teve 29 episódios, com o clássico episódio em duas partes
no meio. Os extraterrestres são bem legais com sacadas interessantes em
suas formas e linguagem - uns se utilizam de descargas elétricas para
comunicação - e também nos seus propósitos e intenções. Contudo não há
nenhuma preocupação com continuidade: membros da família são clonados,
desaparecem e são capturados ou encontram algo importante. Até um
valoroso cão aparece vindo de uma cápsula espacial dos primeiros anos do
programa espacial da Terra. E nada disso é mencionado nos episódios
seguintes.
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Robbie de "O Planeta Proibido" aparece como o terrível "Robotóide" no episódio "A Guerra dos Robôs" da 2ª temporada, fazendo uma figuração na temporada seguinte... |
Mas há uma exceção: Debbie,
uma pequena primata passa a fazer parte do grupo, embora em alguns
episódios posteriores a sua chegada ele não apareça. A receita do
monstro da semana ganha corpo aos poucos e o trio Smith-Robô-Will começa
a se destacar, principalmente a partir do episódio duplo no meio da
temporada: O Estranho Colecionador, que conta com a participação de Michael Rennie do famoso clássico de ficção científica O Dia Em Que A Terra Parou (1951, de Robert Wise).
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Dentre os vários alienígenas, o jovem Quano (Kurt Russel), aqui ao lado do caçula Will Robinson (Billy Mumy)... |
“Sua lata de sardinha enferrujada!!”
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A
segunda temporada foi ao ar em outubro de 1966 no total de 30
episódios, com mudanças marcantes para a audiência. Para entender essas
mudanças é preciso ter em mente dois fatos importantes. Um deles foi a
estréia em janeiro daquele ano do seriado do Batman no canal rival ABC, com seu clima Camp até a raiz e sua produção à cores. Foi um sucesso de estréia arrebatador. A estréia de Batman foi durante o episódio do Estranho Colecionador, bem no meio da primeira temporada de Perdidos no Espaço.
A série passa a ser feita em cores - chapadas e berrantes - e os
roteiros passam a ser assumidas paródias de ficção científica.
O
outro fator foi a interpretação de Jonathan Harris ao compor seu
personagem, o Dr. Smith. Ele foi introduzido na série para criar um
clima de tensão na história, um vilão pronto para criar alguma
dificuldade, querendo sempre garantir o seu retorno a Terra - de
preferência sozinho (ok, com o robô no comando da nave). O ator comentou
em uma entrevista que Irwin Allen queria um vilão profundo e isso o
preocupou. Harris havia feito muitos vilões cômicos em sua carreira e
sabia o quanto eles podiam ser divertidos. “Você pode ser muito ruim, mas pode se redimir, para que as pessoas o amem em vez de odiá-lo” , dizia.
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...Se
revela um dos monstros "assustadores" da série. Neste episódio os
homens estão fora numa missão (exceto Smith), sendo Penny o grande
destaque |
O
relacionamento do Dr. Smith com o robô vem desde o primeiro episódio ,
sempre com o vilão procurando manipulá-lo para que obedecesse somente a
ele e pudesse livrar-se da família tão zelosa em retomar a sua missão.
Mas outro personagem também cresceu no decorrer dos episódios, fechando a
trinca chave da segunda temporada: Will Robinson. Ele e o robô B9 também
se tornam próximos a cada aventura. Essa proximidade atrai a atenção de
Smith que procura manipular o garoto também para realizar seus planos.
Só que desta vez ele perde seu tempo. Apesar de simpatizar como lado
ladino do Dr. Smith, Will é um filho dedicado que ama a família.
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Aqui, já aperfeiçoada com um namorado, IDAK (Don Matheson de "Terra de Gigantes"). |
Com
isso, podemos resumir a segunda temporada com o Dr. Smith sempre se
metendo em alguma encrenca, procurando obter alguma vantagem com o
inocente Will Robinson e o obediente B9, com a “sagrada família” correndo
para ajudar Smith e sua pequena tropa de Brancaleone. Convido você,
leitor, a deixar uma provável implicância de lado e assistir essa
temporada com um olhar descompromissado, de curtição, porque senão...
Contudo,
foi esta temporada que definiu o sucesso da série. O público queria
mesmo era ver monstros bizarros, sereias do espaço ou qualquer paródia
de SciFi. Para os que desejavam algo mais hardcore, Star Trek havia estreado pouco antes, em setembro de 1966. A receita do “Monstro da Semana” já
tinha sido implantada no meio da 1ª temporada e na segunda é a regra da
vez. Aqui lembro do meu irmão que morria de medo desses monstros a
ponto de ter pesadelos e de minha mãe nos proibir de continuar vendo a
série. Eu particularmente não me incomodava com os monstros. Talvez por
achar que minha influência pudesse fazer meu irmão superar seus medos,
minha mãe acabou mudando de ideia e voltamos a assistir. No ponto de
vista de um adulto, de fato, aqueles monstros não causavam pânico
nenhum.
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O pássaro-monstro gigante (Janos Prohaska) e o soldado Tiabo (Wally Cox), um dos tipos "qualquer coisa" da série... |
Uma novidade bem legal da temporada é que a Júpiter 2 recupera sua capacidade de voo e saem de Periplanus,
que parece próximo da destruição, com terremotos cada vez mais
violentos. A nave volta a singrar o espaço, mas Smith não se conforma
com a decisão de continuarem com missão original. Ele então realiza
nova sabotagem, deixando a nave desgovernada e viajando sem rumo mais
uma vez. Nesta ocasião surge uma figura que, para mim e meu irmão, é o
retrato de toda essa temporada, ou da série mesmo: Athena (Vitina
Marcus) uma sereia do espaço que seduz Smith visando se alimentar de Cosmonium, o
combustível da nave. Mais a frente eles são alvejados por um míssil ao
fugir de um mundo comandado por máquinas, precisam fazer novo pouso
forçado em outro planeta e novamente ficam encalhados. E haja estranhos
visitantes sempre dando as caras por lá. Surge até um primo do Dr. Smith
que aparece reclamando de uma herança ao descobrir que ele estava vivo
(não me perguntem como ele descobriu onde ele estava e nem como chegou
lá!).
“Nada Tema, com Smith não há problema”
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Na 3ª temporada surge o módulo de serviço (tal qual o subvoador em Viagem ao Fundo do Mar...), cuja semelhança com os futuros módulos lunares do Projeto Apolo é notória... |
Na
terceira temporada (24 episódios) os produtores procuram aumentar a
participação dos outros personagens em relação ao Dr. Smith e novamente
cobram episódios com mais ação de Irwin Allen (o eterno mantra...). Com
isso todos voltam a ganhar destaque e temos episódios inteiros sem foco
no trio Smith-Will-Robô. Guy Williams era um dos mais descontentes com a
liberdade de ação de Jonathan Harris e a total mudança no conceito
original da série. Mark Goddard, por exemplo, tem grande destaque
quando Don West e o resto da tripulação da Júpiter 2 enfrenta um Prof.
Robinson do universo de anti-matéria e o major é a figura adulta central
na aventura “A Princesa do Planeta Gelado”.
Judy participa de um concurso de beleza interplanetário e o Trio
Brancaleone se torna um quarteto com uma maior integração com Penny.
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Apesar
de continuarmos com episódios extravagantes, os roteiros são mais
elaborados e voltam as histórias mais sérias. A exigência de mais ação
faz a Júpiter 2 decolar mais uma vez (para a nossa alegria!) e os
Robinsons passam por vários planetas. John agora pode voltar a usar um
Rocket Belt ou Jetpack (o mesmo usado por James Bond em Thunderball)
descobrimos que a nave possui um módulo menor para exploração espacial -
passando mais tempo no espaço, o veículo terrestre da nave perde sua
função cênica.
Uma
nova trilha do mesmo autor John Williams é feita usando a anterior como
base, mas com acordes muito mais empolgantes, e uma abertura onde cada
ator surge em um pequeno quadro que mostra segundos de cena de seus
personagens, tudo para estimular o novo ritmo de aventuras planejado.
Essa abertura é ótima, vale conferir. Veja aqui.
Particularmente
um episódio que me marcou desta temporada é onde Penny aparece dançando
em um planeta de adolescentes. Um mundo que seria o destino original
deles em Alpha Centauri.
De Volta à Terra
O episódio de destaque fica por conta do segundo dessa temporada, quando eles retornam a Terra - só que no ano errado. A Júpiter 2 acelera
e atinge a velocidade da luz. Todos ficam desacordados e quando
despertam se depararam com a grata surpresa de estarem próximos da
Terra. Estranham a falta de resposta nas tentativa de contato por rádio,
mas seguem direto para o local de onde decolaram. Ao pousar, após
rápida exploração, chegam a conclusão que estão na Terra mas na época
errada: eles voltaram no tempo e estão no ano de 1947 (ano chave para a
Ufologia). Ao pousar, a nave causa uma onda eletromagnética que deixa
toda a região no escuro. A visão do robô e de todos os tripulantes
trajando seus prateados trajes espaciais faz os moradores da cidade
acreditarem que os Robinsons são aliens invasores.
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Uma
boa "matte painting" (pintura sore vidro)da parte de cmada Júpiter 2
enquadrada com a com a parte de baixo, em tamanho real renderam ótimas
cenas de efeitos visuais |
“Não Tem Registro”
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A Júpiter 2 sempre teve ótimas cenas de efeitos especiais, fruto do trabalho de lendas do ramo como L.. B. Abbot, Art Kruickshank, e os irmãos Howard e Theodore Lydecker... |
Em 1968 todos no estúdio de produção de Perdidos no Espaço
acreditavam que tudo estava ok para o início da quarta temporada. Todos
os sinais indicavam isso: além de novos scripts e roteiros já estarem
encomendados, a série possuía fãs suficientes para garantir o sucesso de
uma nova etapa. Mas a CBS não renovou o contrato. Ter mais uma temporada, com os Robinsons chegando a Alpha Centauri
no final, seria um desejo de todo fã. A maneira abrupta em que se deu
essa decisão abriu espaço para diversas especulações sobre as razões do
fim, já que a série foi interrompida no auge. O principal motivo alegado
seria os custos de produção e o cachê dos artistas, mas, com a série
sendo sucesso, não haveria condições de cobrir esse problema? Desgaste
entre os atores é um motivo mais provável.
A surpresa e a frustração pelo fim repentino de Perdidos no Espaço revela
o carinho dos fãs pelo seriado - eu era um deles, que não entendi
porque eles reprisavam tanto os episódios que eu já sabia de cor e não
continuavam a contar as aventuras daquela família que eu conhecia tão
bem. A série continua a fazer sucesso com suas reprises por todo o
mundo, agradando tanto aos saudosistas como a um público que passou a
ver nessa família muito unida, e também muito ouriçada, diversão e
entretenimento suficiente com seu monstros coloridos, piratas espaciais e
aventuras, tão exóticas quanto implausíveis. E ,claro, sempre contando
com o carisma de um personagem como o Dr. Smith e suas insistentes e
irritantes tentativas em se dar bem.
Após tanto tempo de reprises, uma nova série
está chegando para renovar o interesse do público nas aventuras da
família de náufragos espaciais que se tornou um pilar da cultura pop -
sim, família, incluindo aí o trapalhão Dr.Smith com suas altas
confusões. Pois Harris tinha razão em dizer que, apesar de todos os seus
defeitos, nós podemos amá-lo. Como aquele cunhado chato, ou aquele tio
inconveniente que, apesar de tanto aprontar, é parte de nossa família.
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