Gentleman do tempo e do espaço
por Alexandre César
Um peso-pesado dos atores coadjuvantes
“Algumas pessoas que fazem filmes em Hollywood não são mentes excepcionais. Eu não consigo entender como as suas mentes trabalham.”
Michael Rennie
Alto (1,92 m), esguio e elegante, com um semblante que passava uma ideia de segurança e equilíbrio, mas sem deixar de ser firme quando necessário. Alguém que poderia tanto dialogar com figuras de autoridade, e não se deixar intimidar por elas, mas também de falar com pessoas comuns, sem fazê-las se sentirem diminuídas, fazendo o bom sendo prevalecer, ou então, enganar a todos com uma máscara de integridade e levar a todos à ruína. As duas faces da moeda.
Atores e atrizes, normalmente passam bom tempo de suas vidas treinando para serem capazes de interpretar diferentes personagens e assim, serem capazes de transmitir as emoções que sentem ao longo da história (seja no palco ou nas telas) para os espectadores. Sem dúvida, não é uma tarefa fácil e por isso, os responsáveis pelo casting costumam ser muito rigorosos e específicos com o perfil que procuram, dando preferência para aqueles que tanto possam ser bons protagonistas, quanto coadjuvantes de peso. Fosse no time dos heróis, ou como um dos vilões, Michael Rennie ( ⭐ 25 de agosto de 1909 — ✝ 10 de junho de 1971) teve muito sucesso ao longo de sua vida, desempenhando papéis diversos em filmes e séries de TV.
Reiniciando a carreira em "The Wicked Lady" (1946) |
Nascido Eric Alexander Rennie, sendo filho de Edith Amelia (Dobby) e de James Alexander Rennie (não o ator James Rennie), que operava uma fábrica de lã centenária. Seu tataravô John Rennie, projetou e construiu a Nova Ponte de Londres. Ele é mais conhecido por seu papel do alienígena Klaatu, no filme O Dia Em Que A Terra Parou (The Day the Earth Stood Still - 1951) de Robert Wise, mas sua carreira inclui mais de 50 filmes, desde 1936, tendo uma interrupção durante a 2ª Guerra Mundial, retomando anos depois, com afinco e determinação. Tendo participado no total de cerca de 50 filmes no cinema e TV, além de participações em algumas tele séries, entre um filme e outro.
Natural de Bradford (Inglaterra), ele mudou-se para Harrogate nos primeiros anos de vida, onde frequentou e se formou na Leys School em Cambridge, quando se tornou ator, aparecendo em produções de repertório em Wakefield. Um encontro com o diretor de elenco da Gaumont-British Studios deu o primeiro papel a Rennie - como stand-in de Robert Young em Agente Secreto (1936) dirigido por Alfred Hitchcock. Após trabalhar em mais alguns filmes, irrompeu a Segunda Guerra Mundial em 1939. Rennie então, integrou-se à RAF (Royal Air Force - Real Força Aérea britânica) em 1941, treinando como piloto de caça nos Estados Unidos sob o Esquema de Arnold*1. Enquanto servia no Campo Napier em Dothan, Alabama, para seu treinamento de vôo avançado, numa ocasião, foi indagado por seu parceiro de treinamento, o escocês Jack Morton, sobre o que ele fazia na vida civil. Rennie disse a Morton e aos outros pilotos reunidos ao redor que ele era um ator de filmes. Eles o encararam com descrença, e então estouraram num coro de gargalhadas. Algumas noites depois, Rennie e seus colegas de classe foram a cidade ver um filme, Navio com Asas (1941). Não havia muito se iniciado o filme, e para a grande surpresa daqueles sentados com ele, Rennie apareceu na tela como o piloto da Marinha Real Tenente Maxwell. Nada como a vida para rebater a zombaria...
Com James Robertson Justice, em O Implacável (1952), como Jean Valjean , adaptação de Os Miseráveis de Victor Hugo |
Dando baixa ao final do conflito. ele não começou a buscar ativamente a atuar até seus 29 anos, vivendo uma vida desejosa por viagens antes disso, sendo antes vendedor de carros, até desistir após um ano (quando não conseguiu vender um único sequer). Também foi o gerente de uma fábrica de cordas de seu tio, uma atividade que também não foi muito promissora...
Colocando sua carreira em filmes em espera por alguns anos para ganhar alguma experiência interpretativa no palco, ele foi trabalhando em companhias de repertório em York e Windsor. Voltando aos filmes, enquanto atuava no Gainsborough Studios, ele foi visto por Maurice Ostrer, chefe executivo do estúdio e, gostando do que via, Maurice imediatamente o escalou para contracenar com Margaret Lockwood em I'll Be Your Sweetheart (1945) e depois em The Wicked La-dy (1946). Após fazer The Black Rose (1950).
Retornou a Hollywood em 1950 e assinou um contrato com o chefe do estúdio 20th Century Fox Darryl F. Zanuck, sendo escalado para o seu mais popular papel como Klaatu no clássico de ficção-científica O Dia em que a Terra Parou (1951), quando Claude Rains, a primeira escolha do diretor Robert Wise, não estava disponível. O filme, apesar da ótima química entre Rennie e Patricia Neal teve cortada uma cena em que mostrava o (seu sempre contido) personagem aliení-gena num estado emotivo, pois isto desviaria o foco da audiência da mensagem do filme. Decisão acertada, colocando um diferencial no filme, que funciona até hoje, além de deixar Rennie eternamente ligado aos gêneros Aventura e Ficção Científica, sendo comum vermos seu nome no elenco de filmes desses gêneros.
Durante seu período na 20th Century Fox, onde trabalhou como ator coadjuvante por oito anos, tornou-se grande amigo de Tyrone Power, aparecendo em muitos de seus filmes, incluindo A Rosa Negra (1950) e Jamais Te Esquecerei (1951). É lembrado nesta fase como Jean Valjean em O Implacável (1952), adaptação de Os Miseráveis de Victor Hugo; como o apóstolo Pedro em O Manto Sagrado (1953) e na sua continuação Demetrius, o Gladiador (1954); como o Marques de Bernadotte em Desirée, o Amor de Napoleão, com Marlon Brando como Napoleão Bonaparte, e o guerreiro Rama Khan em A Princesa do Nilo (ambos de1954); o Inspetor da Polícia Marítima de Hong Kong Merryweather em O Aventureiro de Hong Kong com Clark Gable; As Chuvas de Ranchipur com Richard Burton (ambos de 1955); o drama racial-colonial Ilha nos Trópicos com James Mason e a aventura no estilo Mil e Uma Noites As Aventuras de Omar Khayyan (ambos de 1957) como o vilão Hasani Sabah, além de outros filmes menores, inclusos no período do contrato.
Findo o contrato com a Fox, retornou à Inglaterra em 1959. Nesta época, fêz O Terceiro Homem da Montanha (1959) produção da Disney, e teve o papel principal de Harry Lime na série televisiva The Third Man, baseado na obra de Grahan Greene*2. Paralelo à sua carreira, ele fêz numerosas participações especiais na televisão, particularmente em programas americanos.
A despeito de sua constituição esguia, era excelente nos esportes (remo, esgrima, cricket, boxe, luta livre, natação) o que lhe permitia fazer tanto papéis mais cerebrais, quanto mais de ação. Retornou ao fantástico neste período, quando foi um dos protagonistas de O Mundo Perdido (1960) de Irwin Allen, com Claude Rains e David Hedison.
Entre os filmes no cinema e na televisão, desde a década de 1950, atuou em várias séries de televisivas, tendo mais lembrado por suas participações em Batman (como o vilão Sandman); Daniel Boone (como um oficial britânico), Bonanza, O Homem de Virgínia, Rota 66, O Agente da U.N.C.L.E., Os Destemidos, Perdidos no Espaço (onde interpretou o Colecionador); no episódio piloto de Túnel do Tempo*3 (1966), que usou cenas de estoque do filme Náufragos do Titanic de Jean Negulesco (1953) onde ele foi o narrador não visto (e não creditado) treze anos antes; Os Invasores, (onde fêz dois personagens que eram como que versões malinas de Klaatu), entre outros.
Um fumante inveterado, Rennie teve problemas respiratórios por muitos anos. Durante a temporada na Broadway da comédia "Mary, Mary" no início dos anos 1960s, ele foi hospitalizado várias vezes; mas isto não o evitou de ser contratado para repetir seu papel na versão cinematográfica, Mary, Mary (1963). Devido a esses problemas, embora com um carreira estabelecida, começa aqui a sua decadência, tendo ainda entre filmes menores, participado da ficção-científica Cyborg 2067 (1966) um quase pré-O Exterminador do Futuro, Integrou o elenco estelar do drama Hotel de Luxo (1967), a ficção-científica Os Poderosos (1968) com George Hamilton, e A Batalha de El Alamein (1969) que, devido à seus problemas crônicos de saúde, teve a sua voz dublada, embora seja lembrado por sua ótima recriação do Marechal de Campo Montgomery. Similarmente, sua própria voz não é ouvida na trilha de diálogos em língua inglesa do seu último filme "Die Screaming, Marianne" de 1971.
Vida pessoal
“Suponho que as mulheres me achem atraente porque eu sou polido, charmoso, cortês... um cava-lheiro. Minha reputação romântica é um exagero. A realidade é um pouco diferente.”
Michael Rennie
Após ter aparecido em Cartas Venenosas (1951) do diretor Otto Preminger, Michael Rennie também foi brevemente noivo de Mary Gardner, ex-esposa do diretor de Preminger. Em 1959, Preminger estava se divorciando de Mary e alegou que Rennie estava tendo um caso com ela.
Foi casado com Joan Phyllis England de 1938 a 1944 tendo se divorciado sem problemas, e com Maggie Rennie de 1 de outubro de 1946 até seu divórcio em 18 de maio de 1960, tendo um filho, David Rennie (nascido em 1953), foi até maio de 2020, juiz da Suprema Corte do Reino Unido no circuito de Lewes, Sussex.
Michael Rennie teve um filho, John Marshall (nascido em 1944), com sua amiga e amante de longa data, Renée (née Gilbert), cujo nome de casada posterior era Taylor. Renée era irmã do diretor britânico Lewis Gilbert. Durante os anos da guerra, eles viveram em apartamentos próximos, na White House em Albany Street, perto do Regent's Park em Londres (agora um hotel).
Embora Rennie tenha se oferecido para aceitar a paternidade ao descobrir a notícia de sua gravidez, Renée recusou, já que não estava disposta a comprometer seu crescente sucesso como protagonista romântica em grandes filmes. No entanto, Rennie sempre se manteve atento sobre John Marshall ao longo dos anos, mesmo depois de seu casamento com Maggie McGrath, e ambas as famílias mantiveram contato constante até a morte de Rennie, tendo tanto Renée quanto Maggie se tornado grandes amigas, e os filhos se tornado muito chegados.
Coincidentemente, o banco de dados do British Film Institute lista Rennie como tendo um filho, John M. Taylor, que é descrito como "um produtor". John Marshall Rennie usou o pseudônimo "Taylor" durante sua longa carreira na indústria para evitar acusações de nepotismo.
com sua segunda esposa Maggie McGrath, (depois Maggie Rennie) |
Morte e legado
Viveu
seus anos finais em Genebra, Suíça, e faleceu na casa de sua mãe na
Inglaterra, em 10 de junho de 1971, aos 62 anos de idade, quando a
visitava por ocasião da morte de seu irmão. Seu corpo foi cremado e suas
cinzas foram enterradas no Cemitério de Harlow Hill, em Harrogate,
North Yorkshire, Inglaterra.
Com Renée (née Gilbert) e seu segundo filho John Marshall quando bebê |
Uma prova de sua presença no imaginário Pop é a citação na canção "Science Fiction - Double Feature" do clássico teatral Rock Horror Show de 1973 de Jim Sharman, que depois o transporia às telas como The Rock Horror Picture Show (1975) onde ele é citado nos versos iniciais cantados por Richard O´Brien:
"Michael Rennie was ill the day the earth stood still
But he told us where we stand"*4
Ao final, Michael Rennie passou por sua vida deixando o legado de um trabalho bem realizado tanto no plano pessoal quanto no profissional, pois mesmo quando não era o foco principal das atenções em cena, sempre contribuía com a sua aura de inteligência, equilíbrio e bom-senso, indelevelmente associado na cultura pop com personagens de aventuras fantásticas.
Só podemos imaginar, caso ele tivesse participado da Star Trek clássica, que vulcano, ou outro tipo de alienígena, ele não teria sido...
Notas:
*1: "Esquema de Arnold”: Plano de treinamento de pilotos ingleses desenvolvido pelo General Henry H. Arnold, chefe do United States Army Air Corps como parte do esforço de guerra aliado contra o avanço da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.
*2: O Terceiro Homem: Livro que inspirou o filme de 1949 dirigido por Carol Reed, Um escritor americano Holly Martins (Joseph Cotten) chega a Viena, após a Segunda Guerra, e descobre que seu amigo Harry Lime (Orson Welles) foi morto sob circunstâncias misteriosas. Ele passa a investigar o caso e descobre várias inconsistências nas explicações dos amigos de Harry. No livro, e no filme é revelado o envolvimento de Lime em esquemas escusos de contrabando. Também no elenco, Alida Valli, Trevor Howard. Diferente do filme, na série, o cativante Harry Lime é um anti-herói, ajudando as autoridades em tramas de espionagem graças a suas conexões no submundo.
*3: Ele interpretou o papel do capitão Capt. Edward J. Smith (erroneamente identificado nos créditos como Malcolm Smith).
*4: Tradução: "Michael Rennie estava doente no dia em que a terra parou
Mas ele nos disse onde estamos"
"Eu vim em paz, seus primitivos..." |
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