Campeão máximo (de indicações)
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Com Anthony Quinn em "Sangue Sobre a Neve" (1960) de Nicholas Ray |
Um grande intérprete cujos personagens transitavam entre a grandeza e o delírio, muitas vezes temperado pela finitude da condição humana, destacando-se por um olhar fulminante que tanto podia traduzir uma fúria homicida quanto uma determinação que desafiaria todas as normas e convenções sociais e humanas. Para mim isto definia um astro: Peter O’Toole.
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Entre Quinn e Omar Sharif em "Lawrence da Arábia" (1962) de David Lean: Divisor de águas em sua carreira |
Peter James O’Toole (Connemara, ⭐ 2 de agosto de 1932 — ✝ Londres, 14 de dezembro de 2013) ou Peter O´Toole, foi um brilhante ator irlandês, um dos grandes da sua geração. Dono de uma presença magnética na tela, talhada para personagens que, quando não eram maiores do que a vida, eram capazes de viver de acordo com suas próprias convicções, não importassem as consequências. Em sua carreira teve oito nomeações para o Oscar, e detém o recorde negativo de mais indicações para melhor ator sem nenhuma vitória. Ganhou quatro Globos de Ouro, um , um BAFTA, um , um Emmy e foi agraciado com um e foi agraciado com um Oscar honorário em 2002, pela notabilidade das personagens que interpretou. O mais lembrado deles foi o papel título de Lawrence da Arábia (1962, de David Lean).
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Os "Helraisers": Richard Burton, Richard Harris, Peter O´Tolle e Oliver Reed. Atores britânicos da mesma geração. Famosos por seu talento, sua vida boêmia e temperamento tempestuoso |
Filho de Jane
Constance, uma enfermeira escocesa, e Patrick Joseph O'Toole, um
corretor de apostas irlandês, ele foi criado no catolicismo. No início
da Segunda Guerra Mundial estudou numa escola católica que lhe deixou
lembranças traumáticas: “Eu costumava ter medo das freiras. Toda sua
negação da feminilidade - os vestidos pretos e o raspar todo cabelo...
Foi tão horrível, era terrível. ” relembrava.
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Com Peter Sellers em "O Que Há de Novo, Gatinha?" (1967): comédia escrita por Woody Allen |
Ao sair da escola,
O'Toole obteve emprego de estagiário como jornalista e fotógrafo, até
que ele foi chamado para servir a pátria. Durante o serviço militar
obrigatório no Exército britânico, um oficial lhe teria perguntado se
tinha alguma ambição na vida. Respondeu que gostaria de tentar a poesia
ou a representação. Em 1952, O'Toole conseguiu uma bolsa de estudos na Royal Academy of Dramatic Art (RADA).
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Com o amigo Albert Finney num intervalo de "A Espada de Um Bravo" (1960), de Robert Stevenson |
Era um inérprete versátil, transitando da comédia ao drama, sempre na maioria das vezes associado a personagens maiores do que a vida, ou marcados pelo delírio ou por uma determinação trágica, muitas das vezes espelhando sua personalidade controversa.
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Com Audrey Hepburn em "Como Roubar Um Milhão" (1966), de William Wyler |
Na RADA, ele estudava na mesma classe dos futuros astros Albert Finney, Alan Bates e Brian Bedford. Esta “turma” foi “a mais notável que por lá passou alguma vez”,
nas suas palavras - embora o seu talento não tenha sido reconhecido
naquela época pela direção da instituição, que os considerava a todos
“maluquinhos”. Da sua poesia (caso tenha realmente escrito alguma) não
se sabe, apesar de ter publicado dois volumes autobiográficos muitíssimo
bem recebidos, ficando um terceiro à espera de edição.
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Como Henry II, com Richard Burton em "Becket, O Favorito do Rei" (1964) de Peter Glenville |
O'Toole começou a trabalhar no teatro, dedicando-se para ganhar, segundo suas próprias palavras, a “bagagem” necessária antes de fazer sua estreia na televisão em 1954. Profissionalmente, a sua primeira aparição como ator foi numa produção de Hamlet , em 1955, com a companhia Bristol Old Vic. Ele apareceu pela primeira vez no cinema em 1959 em um pequeno papel, e posteriormente atuaria ao lado de Anthony Quinn (como um esquimó) em Sangue Sobre a Neve (1960, de Nicholas Ray).
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Como o atormentado personagem de Joseph Conrad em "Lord Jim" (1965) de Richard Brooks |
Ele veio a ganhar seu maior reconhecimento ao interpretar o lendário T. E. Lawrence no filme de David Lean Lawrence da Arábia, de 1962. Somente depois que Marlon Brando e Albert Finney recusarem o papel foi que Lean decidiu buscar O'Toole. O papel lhe apresentou ao público dos Estados Unidos e lhe rendeu a primeira das suas indicações para o Oscar de melhor ator.
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Como o psicopata Gen. Tanz em "A Noite dos Generais" (1967), de Anatole Litvak |
O épico de Lean o tornou conhecido mundialmente, abrindo-lhe as portas para uma carreira que, apesar do arranque com força, nem sempre cumpriu as expectativas. Em parte, devido aos papéis que O'Toole foi aceitando sem critério, como notoriamente ocorre com Michael Caine, que sempre admitiu escolher filmes por questões de sobrevivência (os atores também têm de viver, comer e pagar as contas...). Dificilmente alguém apontaria, na carreira de mais de 50 anos de O´Toole, um papel que faça sombra a Lawrence.
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Novamente como Henry II, ao lado de Katherine Hepburn como Eleanor de Aquitânia em "O Leão no Inverno" (1968) de Anthony Harvey. Ela levou o Oscar, ele ficou na indicação |
No teatro, O'Toole interpretou também Hamlet sob direção de Laurence Olivier. Ele também apareceu na produção do grande dramaturgo irlandês Seán O'Casey, Juno e o Pavão, e cumpriu uma das ambições de sua vida quando subiu no palco da capital irlandesa no Abbey Theatre em 1970, ao interpretar uma obra do conterrâneo Samuel Beckett ao lado de Donal McCann, outro grande ator da Irlanda. O cinema limitou a sua carreira teatral, que se tornou mais esporádica, só regressando aos palcos na década de 1980, numa encenação de Macbeth que foi um grande sucesso público e um fracasso de crítica.
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Com Petula Clark em"Adeus Mr. Chips" (1969) de Herbert Ross. Indicação por um trabalho belo e sensível. |
No cinema ao longo dos anos apareceu em pequenos mas marcantes papéis, como o do corrupto, decadente e lascivo César Tiberius no controverso épico soft pornô Calígula (1979), filme de Tinto Brass, Giancarlo Lui e Bob Guccione (criador da revista Penthouse); o rei Príamo em Tróia (2004, de Wolfgang Petersen);o soberano moribundo de Stormhold em Stardust - O Mistério da Estrela (2007, de Matthew Vaughn) ou ainda a sua participação junto a Omar Sharif e Christopher Lee em O Ladrão do Arco-Íris (1990, de Alejandro Jodorowsky). Este último filme citado parece que não ter sido uma experiência tranquila, pois Jodorowsky disse posteriormente que o odiava e gostou de saber da sua morte.
O'Toole ganhou um prêmio Emmy por seu papel na mini-série de 1999 por seu papel na mini-série de 1999 Joan of Arc. Nos últimos anos tinha se dedicado à televisão, surgindo na série . Nos últimos anos tinha se dedicado à televisão, surgindo na série Massada (1981, de Boris Sagal), como o comandante romano Lucius Flavius Silva;Hitler: The Rise of Evil (2003, de Christian Duguay), como Paul Von Hindenburg; e, mais recentemente, em Os Tudors, no papel do Papa Paulo III nas temporadas 2 e 3 (2008 - 2009). Uma de suas marcantes contribuições foi a voz ao crítico gastronômico Anton Ego na animação Ratatouile (2007, de Brad Bird), da Pixar. Tempos depois, havia anunciado a sua retirada da profissão, alegando “já não ter gosto” por ela. “A paixão deixou-me e já não vai voltar.”
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Com Sophia Loren em "O Homem de La Mancha" (1972) de Arthur Hiller: criticado na época e depois, sucesso nos DVDs |
Em 1959, casou-se com a atriz galesa Sian Phillips, com quem teve duas filhas: Kate (1960-) Patricia (1963-). Peter e Sian se divorciaram em 1979. Phillips revelou mais tarde em duas autobiografias que no seu casamento tempestuoso de 20 anos, O'Toole a havia submetido à crueldade mental, em grande parte alimentada pelo ciúme e acessos de alcoolismo, antes de finalmente deixá-lo por um amante mais jovem. De um relacionamento com a modelo Karen Brown, nasceu seu terceiro filho, Lorcan (1983-).
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Com Steve Railsback em "O Substituto" (1979) de Richard Rush. Indicação após um tempo sumido |
Sua reputação de boêmio e bon-vivant o precedia, contudo. Os excessos eram indissociáveis da geração da qual fez parte, pois o ator foi contemporâneo de Richard Burton, Richard Harris, Tom Courtenay, Oliver Reed ou Terence Stamp, alguns dos quais igualmente conhecidos pelos seus apetites insaciáveis.
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Como uma paródia de Errol Flyn na decadência em "Um Cara Muito Baratinado" (1986) de Richard Benjamin. Outra indicação. |
Uma doença grave quase terminou sua vida no final de 1970. Devido à sua bebedeira e um defeito congênito digestivo, o que o fez passar por uma cirurgia em 1976 para ter seu pâncreas e grande parte do estômago removido. Em consequência da cirurgia, ficou dependente da insulina. Em 1978 ele quase morreu de uma doença no sanguínea. O'Toole, eventualmente, se recuperou. Deixou de beber e voltou a trabalhar, embora achasse mais difícil conseguir papéis no cinema. Isto resultou em mais trabalho para a televisão e papéis no palco ocasionalmente. No entanto, ele apareceu em 1987 no filme O Último Imperador, de Bernardo Bertolucci, onde interpretou o tutor escocês do imperador Puyi, Sir Reginald Fleming Johnston.
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Com a atual "Doctor Who" Jodie Withakker em "Vênus" (2006) de Roger Michell. Sua última indicação. |
Para além de Lawrence da Arábia (pelo qual ganhou o prémio BAFTA da Academia Britânica), foi nomeado para o Oscar de Melhor Ator pelo papel do Rei Henry II da Inglaterra Becket, O Favorito do Rei (1964, de Peter Glenville), contracenando com Richard Burton; em O Leão no Inverno (1968, de Anthony Harvey), atuando com Katharine Hepburn (que ganhou o Oscar neste filme); O sensível professor da década de 20 de Adeus, Mr. Chips (1969, de Herbert Ross), fazendo par com a superstar britânica Petula Clark; o herdeiro louco de A Classe Dominante (1971, de Peter Medak); o diretor no filme por trás das cenas de O Substituto (1978, de Richard Rush); O ator decadente Alan Swann em Um Cara Muito Baratinado (1982, de Richard Benjamin), que mostra a luz por trás dos bastidores em um show de variedades da TV na década de 1950, onde fazia uma paródia de Errol Flyn; e o ator senil e canceroso Maurice de Vênus (2006, de Roger Michell).
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Na segunda e terceira temporadas de "Os Tudors", como o Papa Paulo III. |
Seu único Oscar foi uma premiação honorária pelo conjunto da sua carreira, entregue em 2003. Na época, pediu à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood que esperasse pelo seu 80.º aniversário: “Ainda estou no jogo e sabe-se lá se ainda não ganho o fulano (o Oscar) até lá.” A Academia não quis esperar e O'Toole tinha lá sua razão, porque foi três anos mais tarde que recebeu a sua última nomeação.
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Como o Rei Príamo em "Tróia" (2004) de Wolfgang Petersen, numa participação magistral |
Ganhou ao longo de sua carreira três Globos de Ouro (por Becket, O Favorito do Rei ; O Leão no Inverno; e Adeus, Mr. Chips) e um ) e um Emmy de ator coadjuvante pela sua participação na série televisiva de ator coadjuvante pela sua participação na série televisiva Joan of Arc (1999). Outros títulos da sua carreira incluem Lord Jim (1964, de Richard Brooks), baseado no livro de Joseph Conrad; O Que Há de Novo, Gatinha? (1967, de Clive Donner), escrito por Woody Allen; O Homem de la Mancha (1972), de Arthur Hiller, adaptação do musical da Broadway de 1965 na qual contracenou com Sofia Loren como Miguel de Cervantes e sua maior criação ficcional, Don Quixote; e O Último Imperador (1987, de Bernardo Bertolucci), em que interpreta o único papel de caucasiano com algum destaque no filme.
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Numa hilária participação como o monarca agonizante de Stormhold em "Stardust - O Mistério da Estrela" (2007) de Matthew Vaughn |
O'Toole residia em Clifden, no condado de Galway, na Irlanda desde 1963 e no auge de sua carreira manteve casas em Dublin, Londres e Paris. Enquanto estudava na RADA no início dos anos 1950 ele era ativo nos protestos contra os britânicos no envolvimento na Guerra da Coréia. Mais tarde, na década de 1960, ele foi um adversário ativo da Guerra do Vietnã.
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Anton Ego, personagem dublado por O'Toole em "Ratatouile" (2007) |
Apesar de ter perdido a fé na religião organizada quando adolescente, O'Toole manifestou sentimentos positivos em relação à vida de Jesus Cristo. Em uma entrevista para The New York Times, ele disse:
“Ninguém pode levar Jesus para longe de mim. Não há nenhuma dúvida de que ele é uma figura histórica de grande importância, com uma grande noção de grandes verdades e máximas. Como a paz. ”
Morreu aos 81 anos em Londres a 14 de Dezembro de 2013, num domingo, na sequência de uma doença prolongada, segundo revelou o agente do ator sem, contudo, especificar a causa da morte.
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"- Contemplem mortais, este olhar matador que revela objetivos inescrutáveis e uma determinação de ferro e fogo... " |
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