Acho que já vi esse filme (várias vezes) antes...
por Alexandre César
Holland e Walberg fazem o que podem para brilhar
| Espécie de Indiana Jones moderno, Nathan "Nate" Drake é um aventureiro de primeira, encarando qualquer situação |
Tendo vendido mais de 42 milhões de cópias em todo o mundo e, sido aclamado por parte da crítica especializada, que o reconheceu como um dos melhores videogames de todos os tempos, a franquia de videogames de ação e aventura Uncharted*1, produzida pela Naughty Dog e publicada pela Sony Computer Entertainment para as plataformas PlayStation, segue as aventuras de Nathan “Nate” Drake, um caçador de tesouros, o seu mentor e amigo Victor “Sully” Sullivan, e da jornalista Elena Fisher, e de vários outros companheiros secundários que Drake conhece, enquanto viaja ao redor do mundo*2 para descobrir mistérios históricos. Amplamente inspirada nos filmes de Indiana Jones, a série de filmes A Lenda do Tesouro Perdido com Nicholas Cage, e a série de games Tomb Raider.
| O curta de 2018 com Stephen Lang (Victor Sullivan), Mircea Monroe (Elena Fisher) e Nathan Filion (Nathan Drake): Produção modesta mas com boa caracterização de personagens |
O potencial para criar uma franquia de filmes baseado nesta série consagrada*3 é enorme, tendo havido várias tentativas ao longo dos anos de levar as aventuras de Drake & Cia, para asa telas, sendo inclusive realizado em 2018 um curta fanmade de cerca de 15 minutos veiculado na internet, com Nathan Fillion (Firefly) como Drake e Stephen Lang (Avatar) como Sullivan, que empolgou o fandom, mas que ficou por isso mesmo, não gerando algo sólido...
| A versão atual nos cinemas |
Agora, dirigido por Ruben Fleischer (Venom) Uncharted: Fora do Mapa (2022) encara o desafio de fazer jus ao legado da franquia de games e ao mesmo tempo apresentar esse universo ficcional ao público casual, não gamer, O que é naturalmente complicado, já que as duas mídias - uma interativa e às vezes colaborativa, a outra passiva e unilateral - são distintas por natureza. Mas como a indústria de games arrecada mundialmente um volume de receita bruta e líquida muitíssimo maior do que Hollywood, esta perseguição obsessiva em trazer estes universos narrativos para as telas, replica o mesmo clima de caça ao tesouro, pela esperança de se encontrar um produto com público cativo e o retorno garantido do capital investido (com uma boa margem de lucro).
| O principal diferencial é que o filme conta uma história de origem, com uma versão mais nova de Nathan Drake (Tom Holland) diferente dos games, onde ele já é um homem feito |
O roteiro de Rafe Judkins (A Roda do Tempo), Art Marcum (MIB: Homens de Preto - Internacional) e Matt Holloway (Homem de Ferro) a partir da história de Judkins, Jon Hanley Rosenberg (Lost Soul) e Mark D. Walker (BlackBoxTV) baseia a trama em Uncharted 3:Drake´s Deception nas cenas de ação e em Uncharted 4: A Thief´s End na história em si, sendo praticamente um filme "montado por algoritmo" (característica comum a muitos blockbusters): A aventura (para o público médio) numa estrutura de filme de origem, com constantes quebras na história com piadinhas, referências mais básicas possíveis da cultura pop que se assemelham ao projeto. O resultado é mais um daqueles casos em que se joga tanto no que é seguro, que o filme acaba pasteurizado, sem qualquer personalidade, ou, com uma personalidade “roubada” de outro lugar, seja qual for...
| Victor Sullivan (Mark Wahlber) recruta Drake para uma caça ao tesouro relacionada ao seu irmão desaparecido Sam |
Somos apresentados aos irmãos Sam (Rudy Pankow de Solve) e Nathan Drake (Tiernan Jones de Diário de uma Futura Presidente), garotos espertos criados num orfanato. Obcecados por caça a tesouros, Sam, o mais velho foge em busca de aventuras, vai mandando ao longo de quinze anos, para o irmão, cartões-postais dos lugares de onde vive suas aventuras. Nos tempos atuais, vemos um jovem Nathan Drake (Tom Holland de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa) trabalhando de barman, quando é recrutado pelo misterioso Victor Sullivan (Mark Wahlberg de Ted), para uma caça a um tesouro relacionado às investigações de Sam.
Aqui fica vidente o esforço de se construir uma franquia (pensando primeiro no produto, no lucro que ele pode gerar para o futuro) pois Holland, sendo mais novo do que o personagem do game (que já é um homem feito) e Wahlberg, (que cerca de dez anos atrás era o ator escalado para ser Nathan Drake), e assim se estabelece uma dinâmica tipo um jovem James Bond-e-M (versão Ralph Fienes) onde o mentor vai dando as orientações, mas não “pegando na mão” para que o inicialmente ingênuo Drake vá gradativamente ganhando a malandragem e o jogo de cintura necessários para sobreviver neste meio. Neste contexto há a adição da escorregadia Chloe Frazer (Sophia Ali de Anatomia de Grey) que até consegue uma boa química com a dupla, e serve para ensinar ao romântico Drake sobre os sortilégios femininos.
E em oposição ao trio, temos Braddock (Tati Gabrielle de O Mundo Sombrio de Sabrina) a adversária casca-grossa e real ameaça, e o financiador Santiago Moncada (Antonio Banderas de Dolittle desperdiçado) é raso e genérico, construído de forma caricata, já que o texto não dá o mínimo de profundidade para eles ou qualquer outro personagem. Todos surgem como arquétipos ambulantes com um único propósito a cumprir na trama do filme, que objetivando de ser “o mais certinho possível”, os caracteriza como personagens genéricos e esquecíveis, tipo o capanga “Escocês” (Steven Waddington de O Jogo da Imitação) entre vários outros rostos sem nome.
Não faltam os fanservices como as cenas de volta ao mundo pelo tesouro, com o aviãozinho sobrevoando o mapa de um cenário a outro (de Drake´s Decption), mas cada chegada a uma nova locação é feita saltando de uma cena expositiva para outra, sendo as chaves dos enigmas sendo descobertas sem suspense. Tudo parece escolhido, feito e ordenado para ser apenas inteligível ao espectador, fora o cuidado de evitar sangue nas cenas assépticas de violência (há uma cena que um personagem é degolado, e NÃO APARECE O SANGUE!!!) para não comprometer o PG-13.
A edição de Chris Lebenzon (Dolittle) e Richard Pearson (Mulher-Maravilha 1984) tenta emular a dinâmica dos games, fugindo da armadilha comum às adaptações do subgênero, pois quanto mais um filme se aproxima de um jogo, mais frustrante tende a ser a experiência de assisti-lo, porque as diferenças ficam mais visíveis, optando-se pelo tom narrativo genérico de um filme de origem, cujas lutas “reais” no começo do filme, são muito picotadas e mal decupadas espacialmente.
A música de Ramin Djawadi (Wesworld) emula as passagens de uma “fase” para a outra de maneira funcional em acordes que os fãs saberão reconhecer, embora não sejam marcantes para um público não-gamer.
Diferente de outras adaptações de games no cinema, fica evidente que a produção não é tecnicamente tosca, ou descaracterizada em relação ao material fonte, O desenho de produção de Shepherd Frankel (Homem-Formiga e a Vespa), tem o grande mérito de traduzir o visual dos games, auxiliado pelas equipes de direção de arte supervisionadas por David Ingram (Raised by Wolves), Carmine Palmentieri (Soulmates), Ute Bergk (White Other) e Anna Bucher (8 Dias) recriaram ambientes conhecidos da trama como catacumbas, passagens secretas e grutas com navios naufragados, que a decoração de sets de Kata Bartyik e Eli Griff (The Rook) colocam easter-eggs em locais estratégicos que os fãs saberão reconhecer.
| A figura do aviãozinho indo de um ponto a outro do mapa, presente em Uncharted 3: Drake´s Decption, é uma descarada homenagem a Indiana Jones |
Os figurinos de Anthony Franco (Verses & Flow) e Marlene Stewart (Free Guy: Assumindo o Controle) resgatam a caracterização dos personagens, que têm seus visuais construídos gradativamente, com Drake só adotando seus coldres ao final, mas não atirando como nos consoles (o que frustará os fâs mais hardcore).
| A emblemática sequência-chave do avião cargueiro foi bem complexa de se realizar |
A fotografia de Chung-hoon Chung (Noite Passada em Soho) trabalha bem nas cores e texturas de suas composições, emulando o que seria um gráfico de alta resolução, auxiliada pelos efeitos visuais das empresas Double Negative (DNEG), Instinctual VFX, RISE Visual Effects Studios, Savage Visual Effects , supervisionados por Edwin Rivera (Coringa) e Chas Jarrett (Aladdin) que deixa de forma mais do que evidente a semelhança com os games nos dois grandes momentos do filme, como a sequência do avião cargueiro e o duelo de navios, que funcionam como verdadeiras cenas-chave de realismo falseado, sendo esteticamente coerentes com a proposta do filme, reproduzindo aqui de fato, um “quê” de gráficos de alta resolução, com personagens digitais que superam as leis da física.
| Dejá vu: Várias sequências e ambientações remetem a filmes já consagrados |
Ao final Uncharted: Fora do Mapa embora não seja uma adaptação desastrosa (e ofensiva ao título fonte, como tantas que rolam por aí...) não chega a ser desgostoso de assistir, caindo naquele caso do “se desligar o cérebro”. Mas que se sabota no “mirar no futuro”, sem correr grandes riscos, sendo um filme tão automatizado, e genérico, que mesmo os olhares mais descompromissados não podem negar a sensação de uma diversão completamente descartável.
| Non sense: É isso mesmo o que vocês estão vendo... |
OBS: O filme deixa as portas abertas para uma sequência sugerida logo nas duas cenas pós-créditos. Uma, logo depois que o filme acaba e outra bem depois, após os créditos gerais, prometendo que Drake e Sully retornem mais experientes e próximos do que são nos games, mas o longa não se bastar em si mesmo, precisando recorrer às esperanças para o futuro, prova a pouca inspiração do filme, que deveria ser a realização do sonho de mais de uma década dos fãs.
*1: A série principal tem atualmente os jogos Uncharted: Drake´s Fortune, Uncharted 2: Among Thieves, Uncharted 3:Drake´s Deception e Uncharted 4: A Thief´s End. Para a PlayStation Vita existe ainda o jogo Uncharted: Golden Abyss, que serve como prequel para os anteriores, Uncharted: Fight for Fortune, um jogo baseado em cartas, Uncharted: Fortune Hunter, um videogame de quebra-cabeças e uma DLC stand alone de Uncharted 4 pra série, Uncharted: The Lost Legacy, dessa vez com Chloe Frazer como personagem principal.
*2: Em suas aventuras, Drake passa por vários destinos em todo o mundo em busca de tesouros, incluindo a Amazônia e uma ilha inexplorada na América do Sul em Drake's Fortune; a paisagem urbana do Nepal, as montanhas do Tibete, um museu em Istambul e a ilha de Bornéu em Among Thieves; as ruas de Londres e de Cartagena (Colômbia), um château na França, um castelo na Síria, uma cidade no Yemen e o vasto deserto de Rub´ al-Khali em Drake's Deception; e a ilha de Madagáscar, uma igreja na Escócia, uma prisão no Panamá e um palácio italiano em A Thief's End.
*3: A aclamação por parte dos críticos, em particular o segundo jogo, Among Thieves, que além de ser o jogo da série mais bem classificado, está em #3 na lista dos títulos mais bem avaliados para PlayStation 3 , ganhando no Metacritic, numerosos prêmios "Jogo do Ano" e é amplamente reconhecido como um dos melhores videogames de todos os tempos, e seu sucesso tem sido crítico para a marca PlayStation e ajudou a elevar a Naughty Dog como uma das mais respeitadas e talentosas empresas da indústria de videogames.
" - O que você acha Nate? Emplacamos um sucesso???"
"- Isto depende Sully. Você quer que eu seja sincero ou que eu seja político??"



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