sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Aventura super genérica - Crítica – Filmes: Uncharted - Fora do Mapa (2022)

 


Acho que já vi esse filme (várias vezes) antes...

por Alexandre César


Holland e Walberg fazem o que podem para brilhar 
 

Espécie de Indiana Jones moderno, Nathan "Nate" Drake é um aventureiro de primeira, encarando qualquer situação


Tendo vendido mais de 42 milhões de cópias em todo o mundo e, sido aclamado por parte da crítica especializada, que o reconheceu como um dos melhores videogames de todos os tempos, a franquia de videogames de ação e aventura Uncharted*1, produzida pela Naughty Dog e publicada pela Sony Computer Entertainment para as plataformas PlayStation, segue as aventuras de Nathan “Nate” Drake, um caçador de tesouros, o seu mentor e amigo Victor “Sully” Sullivan, e da jornalista Elena Fisher, e de vários outros companheiros secundários que Drake conhece, enquanto viaja ao redor do mundo*2 para descobrir mistérios históricos. Amplamente inspirada nos filmes de Indiana Jones, a série de filmes A Lenda do Tesouro Perdido com Nicholas Cage, e a série de games Tomb Raider.
 
 
O curta de 2018 com Stephen Lang (Victor Sullivan), Mircea Monroe (Elena Fisher) e Nathan Filion (Nathan Drake): Produção modesta mas com boa caracterização de personagens
 
 
O potencial para criar uma franquia de filmes baseado nesta série consagrada*3 é enorme, tendo havido várias tentativas ao longo dos anos de levar as aventuras de Drake & Cia, para asa telas, sendo inclusive realizado em 2018 um curta fanmade de cerca de 15 minutos veiculado na internet, com Nathan Fillion (Firefly) como Drake e Stephen Lang (Avatar) como Sullivan, que empolgou o fandom, mas que ficou por isso mesmo, não gerando algo sólido...
 
 
A versão atual nos cinemas

 
Agora, dirigido por Ruben Fleischer (Venom) Uncharted: Fora do Mapa (2022) encara o desafio de fazer jus ao legado da franquia de games e ao mesmo tempo apresentar esse universo ficcional ao público casual, não gamer, O que é naturalmente complicado, já que as duas mídias - uma interativa e às vezes colaborativa, a outra passiva e unilateral - são distintas por natureza. Mas como a indústria de games arrecada mundialmente um volume de receita bruta e líquida muitíssimo maior do que Hollywood, esta perseguição obsessiva em trazer estes universos narrativos para as telas, replica o mesmo clima de caça ao tesouro, pela esperança de se encontrar um produto com público cativo e o retorno garantido do capital investido (com uma boa margem de lucro). 
 
 
O principal diferencial é que o filme conta uma história de origem,  com uma versão mais nova de Nathan Drake (Tom Holland) diferente dos games, onde ele já é um homem feito
 
 
O roteiro de Rafe Judkins (A Roda do Tempo), Art Marcum (MIB: Homens de Preto - Internacional) e Matt Holloway (Homem de Ferro) a partir da história de Judkins, Jon Hanley Rosenberg (Lost Soul) e Mark D. Walker (BlackBoxTV) baseia a trama em Uncharted 3:Drake´s Deception nas cenas de ação e em Uncharted 4: A Thief´s End na história em si, sendo praticamente um filme "montado por algoritmo" (característica comum a muitos blockbusters): A aventura (para o público médio) numa estrutura de filme de origem, com constantes quebras na história com piadinhas, referências mais básicas possíveis da cultura pop que se assemelham ao projeto. O resultado é mais um daqueles casos em que se joga tanto no que é seguro, que o filme acaba pasteurizado, sem qualquer personalidade, ou, com uma personalidade “roubada” de outro lugar, seja qual for... 
 
 
Victor Sullivan (Mark Wahlber) recruta Drake para uma caça ao tesouro relacionada ao seu irmão desaparecido Sam

 
Somos apresentados aos irmãos Sam (Rudy Pankow de Solve) e Nathan Drake (Tiernan Jones de Diário de uma Futura Presidente), garotos espertos criados num orfanato. Obcecados por caça a tesouros, Sam, o mais velho foge em busca de aventuras, vai mandando ao longo de quinze anos, para o irmão, cartões-postais dos lugares de onde vive suas aventuras. Nos tempos atuais, vemos um jovem Nathan Drake (Tom Holland de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa) trabalhando de barman, quando é recrutado pelo misterioso Victor Sullivan (Mark Wahlberg de Ted), para uma caça a um tesouro relacionado às investigações de Sam. 
 
 
Victor "Sully" Sullivan e Nathan "Nate" Drake em suas versões originais nos PCs

 
Aqui fica vidente o esforço de se construir uma franquia (pensando primeiro no produto, no lucro que ele pode gerar para o futuro) pois Holland, sendo mais novo do que o personagem do game (que já é um homem feito) e Wahlberg, (que cerca de dez anos atrás era o ator escalado para ser Nathan Drake), e assim se estabelece uma dinâmica tipo um jovem James Bond-e-M (versão Ralph Fienes) onde o mentor vai dando as orientações, mas não “pegando na mão” para que o inicialmente ingênuo Drake vá gradativamente ganhando a malandragem e o jogo de cintura necessários para sobreviver neste meio. Neste contexto há a adição da escorregadia Chloe Frazer (Sophia Ali de Anatomia de Grey) que até consegue uma boa química com a dupla, e serve para ensinar ao romântico Drake sobre os sortilégios femininos. 
 
 
Entre os rapazes, Chloe Frazer (Sophia Ali) estabelece o seu espaço

 
E em oposição ao trio, temos Braddock (Tati Gabrielle de O Mundo Sombrio de Sabrina) a adversária casca-grossa e real ameaça, e o financiador Santiago Moncada (Antonio Banderas de Dolittle desperdiçado) é raso e genérico, construído de forma caricata, já que o texto não dá o mínimo de profundidade para eles ou qualquer outro personagem. Todos surgem como arquétipos ambulantes com um único propósito a cumprir na trama do filme, que objetivando de ser “o mais certinho possível”, os caracteriza como personagens genéricos e esquecíveis, tipo o capanga “Escocês” (Steven Waddington de O Jogo da Imitação) entre vários outros rostos sem nome.
 
 
Santiago Moncada (Antonio Banderas) é o vilão caricato que desperdiça o talento do ator

 
Não faltam os fanservices como as cenas de volta ao mundo pelo tesouro, com o aviãozinho sobrevoando o mapa de um cenário a outro (de Drake´s Decption), mas cada chegada a uma nova locação é feita saltando de uma cena expositiva para outra, sendo as chaves dos enigmas sendo descobertas sem suspense. Tudo parece escolhido, feito e ordenado para ser apenas inteligível ao espectador, fora o cuidado de evitar sangue nas cenas assépticas de violência (há uma cena que um personagem é degolado, e NÃO APARECE O SANGUE!!!) para não comprometer o PG-13.
 
 
Braddock (Tati Gabrielle) é o "perigo real e imediato" para o trio, e além...

 
A edição de Chris Lebenzon (Dolittle) e Richard Pearson (Mulher-Maravilha 1984) tenta emular a dinâmica dos games, fugindo da armadilha comum às adaptações do subgênero, pois quanto mais um filme se aproxima de um jogo, mais frustrante tende a ser a experiência de assisti-lo, porque as diferenças ficam mais visíveis, optando-se pelo tom narrativo genérico de um filme de origem, cujas lutas “reais” no começo do filme, são muito picotadas e mal decupadas espacialmente.
 
 
Não faltam catacumbas e subterrâneos para referenciar os games

 
A música de Ramin Djawadi (Wesworld) emula as passagens de uma “fase” para a outra de maneira funcional em acordes que os fãs saberão reconhecer, embora não sejam marcantes para um público não-gamer.
 
 
A equipe do design de produção e direção de arte soube recriar as ambientações dos games

 
Diferente de outras adaptações de games no cinema, fica evidente que a produção não é tecnicamente tosca, ou descaracterizada em relação ao material fonte, O desenho de produção de Shepherd Frankel (Homem-Formiga e a Vespa), tem o grande mérito de traduzir o visual dos games, auxiliado pelas equipes de direção de arte supervisionadas por David Ingram (Raised by Wolves), Carmine Palmentieri (Soulmates), Ute Bergk (White Other) e Anna Bucher (8 Dias) recriaram ambientes conhecidos da trama como catacumbas, passagens secretas e grutas com navios naufragados, que a decoração de sets de Kata Bartyik e Eli Griff (The Rook) colocam easter-eggs em locais estratégicos que os fãs saberão reconhecer.
 
 
A figura do aviãozinho indo de um ponto a outro do mapa, presente em Uncharted 3: Drake´s Decption, é uma descarada homenagem a Indiana Jones

 
Os figurinos de Anthony Franco (Verses & Flow) e Marlene Stewart (Free Guy: Assumindo o Controle) resgatam a caracterização dos personagens, que têm seus visuais construídos gradativamente, com Drake só adotando seus coldres ao final, mas não atirando como nos consoles (o que frustará os fâs mais hardcore). 
 
 
A emblemática sequência-chave do avião cargueiro foi bem complexa de se realizar
 
 
A fotografia de Chung-hoon Chung (Noite Passada em Soho) trabalha bem nas cores e texturas de suas composições, emulando o que seria um gráfico de alta resolução, auxiliada pelos efeitos visuais das empresas Double Negative (DNEG), Instinctual VFX, RISE Visual Effects Studios, Savage Visual Effects , supervisionados por Edwin Rivera (Coringa) e Chas Jarrett (Aladdin) que deixa de forma mais do que evidente a semelhança com os games nos dois grandes momentos do filme, como a sequência do avião cargueiro e o duelo de navios, que funcionam como verdadeiras cenas-chave de realismo falseado, sendo esteticamente coerentes com a proposta do filme, reproduzindo aqui de fato, um “quê” de gráficos de alta resolução, com personagens digitais que superam as leis da física.
 
Dejá vu: Várias sequências e ambientações remetem a filmes já consagrados
 
 
Ao final Uncharted: Fora do Mapa embora não seja uma adaptação desastrosa (e ofensiva ao título fonte, como tantas que rolam por aí...) não chega a ser desgostoso de assistir, caindo naquele caso do “se desligar o cérebro”. Mas que se sabota no “mirar no futuro”, sem correr grandes riscos, sendo um filme tão automatizado, e genérico, que mesmo os olhares mais descompromissados não podem negar a sensação de uma diversão completamente descartável.
 
 
Non sense: É isso mesmo o que vocês estão vendo...
 
 
OBS: O filme deixa as portas abertas para uma sequência sugerida logo nas duas cenas pós-créditos. Uma, logo depois que o filme acaba e outra bem depois, após os créditos gerais, prometendo que Drake e Sully retornem mais experientes e próximos do que são nos games, mas o longa não se bastar em si mesmo, precisando recorrer às esperanças para o futuro, prova a pouca inspiração do filme, que deveria ser a realização do sonho de mais de uma década dos fãs.




 
 
 
Notas:
 

*1: A série principal tem atualmente os jogos Uncharted: Drake´s Fortune, Uncharted 2: Among Thieves, Uncharted 3:Drake´s Deception e Uncharted 4: A Thief´s End. Para a PlayStation Vita existe ainda o jogo Uncharted: Golden Abyss, que serve como prequel para os anteriores, Uncharted: Fight for Fortune, um jogo baseado em cartas, Uncharted: Fortune Hunter, um videogame de quebra-cabeças e uma DLC stand alone de Uncharted 4 pra série, Uncharted: The Lost Legacy, dessa vez com Chloe Frazer como personagem principal. 
 
 

 
*2: Em suas aventuras, Drake passa por vários destinos em todo o mundo em busca de tesouros, incluindo a Amazônia e uma ilha inexplorada na América do Sul em Drake's Fortune; a paisagem urbana do Nepal, as montanhas do Tibete, um museu em Istambul e a ilha de Bornéu em Among Thieves; as ruas de Londres e de Cartagena (Colômbia), um château na França, um castelo na Síria, uma cidade no Yemen e o vasto deserto de Rub´ al-Khali em Drake's Deception; e a ilha de Madagáscar, uma igreja na Escócia, uma prisão no Panamá e um palácio italiano em A Thief's End
 
 

 
*3: A aclamação por parte dos críticos, em particular o segundo jogo, Among Thieves, que além de ser o jogo da série mais bem classificado, está em #3 na lista dos títulos mais bem avaliados para PlayStation 3 , ganhando no Metacritic, numerosos prêmios "Jogo do Ano" e é amplamente reconhecido como um dos melhores videogames de todos os tempos, e seu sucesso tem sido crítico para a marca PlayStation e ajudou a elevar a Naughty Dog como uma das mais respeitadas e talentosas empresas da indústria de videogames.

 

" - O que você acha Nate? Emplacamos um sucesso???"

 "- Isto depende Sully. Você quer que eu seja sincero ou que eu seja político??"



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