quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Potencial não atingido - Crítica - Séries: Star Wars: O Livro de Boba Fett - 1ª Temporada

 


Muito legal, mas...

por Alexandre César

Série da Disney +  peca por ter narrativa desigual

 

Indigesto: Fianlmente vemos como Boba Fett (Temuera Morrison) saiu do estômago do Poderoso Sarlacc, tendo sido afetado por seus ácidos digestivos


Originalmente surgido numa animação dentro do infame (e execrado) especial de Natal de 1978 e posteriormente, em live-action, em Star Wars: Episódio V – O Império Contra-Ataca (1980) de Irwin Kershner, Boba Fett, foi originalmente um modelo para um novo tipo de stormtrooper que iria aparecer no filme, mas como o orçamento não permitiu, ficou só no traje protótipo, que foi repintado e envelhecido, junto com outras improvisações*1 que criaram o visual dos demais caçadores de recompensas. Por seu jeito seco, lacônico e o visual inspirado, à despeito do péssimo tratamento dado ao personagem no filme seguinte, o personagem caiu no gosto popular, granjeando uma vasta legião de fãs que consumiram livros, quadrinhos, games no chamado universo expandido, que preencheram as lacunas em torno do personagem e ampliaram a mitologia em torno de seu povo - os Mandalorianos: guerreiros, adeptos do uso de armaduras de combate incrementadas, tendo a sua melhor representação na franquia nas animações Rebels e Clone Wars. Eles são habitantes do planeta Mandalore (um planeta da Orla Exterior), pouco conhecidos pelos fãs da franquia tradicional do cinema.
 
 
Capturado pelos Tusken Raiders Boba logo mostra o seu valor para a tribo...
...conquistando o respeito do Chefe Tusken (Xavier Jimenez) e sendo aceito como um deles

 
Após Star Wars: Episódio II – O Ataque dos Clones (2002), ficou estabelecido que Boba era um clone do caçador de recompensas Jango Fett*2, que o criou como filho, lhe ensinando o seu ofício. O jovem Boba herdou a armadura mandaloriana do pai após a sua morte, estabelecendo-se como um dos maiores e mais casca-grossa dos caçadores de recompensas.
 
 
assessorado pela assassina Fennec Shend (Ming-Na Wen) Boba segue em seu caminho de criar o seu próprio "sindicato"

 
Após causar um grande hype por sua participação na segunda temporada de O Mandaloriano, Boba Fett (Temuera Morrison, de Aquaman) assessorado pela assassina Fennec Shend (Ming-Na Wen, de Marvel´s Agents of S.H.I.E.L.D.), retorna agora em O Livro de Boba Fett, série da Disney+ criada por Jon Favreau (O Rei Leão, Homem de Ferro) e tendo (entre outros) na produção Dave Filoni (Clone Wars, Rebels) e Robert Rodriguez (Sin City, Um Drink no Inferno), os mesmos responsáveis por O Mandaloriano, dando prosseguimento aos eventos passados no período compreendido entre a queda do Império Galáctico e o ressurgimento da Nova República, bem antes dos eventos que posteriormente levaram a criação da Primeira Ordem da última trilogia, encerrada com o fraco Star Wars: A Ascenção Skywalker.
 
 
Elegância e beleza: Garsa Fwip (Jennifer Beals) é a dona de um cassino, que aceita a proteção de Boba, para manter os negócios

Momento Poderoso Chefão: Boba reúne os principais chefes do crime de Mos Espa para negociar como lidar com a ameaça do Sindicato Pyke

 
As expectativas eram altas, pois as duas temporadas das aventuras de Din Djarin e Grogu estabeleceram um alto patama. A premissa que se esperava da série era que Boba Fett se estabelecesse como no universo Star Wars como um mix de Rei Conan com Don Corleone, mas, como estamos falando de uma série veiculada pelo Disney+ e não pela HBO, caímos na solução de tornar personagem um anti-herói, deixando de lado sua persona cínica e criminosa do passado. Não que isso não possa render uma boa história - e até rende -, mas aqui o resultado final foi desigual, à despeito dos ótimos momentos isolados.
 
 
Boba tem um estranhamento com os huts, primos de Jabba, mas mantém a sua posição

 
Ambientado em Tatooine, mundo desértico com dois sóis - o planeta que mais vezes apareceu na saga -, vemos aqui o esforço de caracterizá-lo como um mundo mais plural, com “tribos” e grupos sociais diversos, diferenciando da ideia original de ser apenas uma paródia de ambientação de western italiano. Tal característica se mantém, mas são introduzidos outros elementos que dão maior diversidade ao construto social deste mundo.
 
 
O treinador de rancor (Danny Trejo) tras um novo pet para Boba Fett

"Wookie negão": O casca-grossa Black Krrsantan (Carey Jones) se une a Boba após trocar uns murros com ele

 
Nos primeiros episódios vemos a estrutura narrativa de intercalar o momento presente - onde Boba e Fenec Shen vão enfrentando os desafios de conquistar seu território - com flashbacks, onde finalmente vemos como Boba escapou do estômago do Sarlac, evento lhe legou cicatrizes (e, deduzimos, uma mudança de atitude frente à vida). Vemos quando, desacordado, ele foi depenado pelos jawas, que roubaram a sua armadura, e depois sendo capturado pelos tusken raiders, o povo da areia, que aqui ganha uma identidade similar aos indígenas americanos e os beduínos do deserto. Inicialmente feito escravo e ecoando filmes como Um Homem Chamado Cavalo (1970) e Dança com Lobos (1990), Boba vai conquistando o respeito do Chefe Tusken (Xavier Jimenez, de de Marvel´s Agents of S.H.I.E.L.D.) e da tribo, até ajuda-los a parar um “trem” que atravessa seu território, parodiando uma sequência de Lawrence da Arábia (1962, de David Lean). Ele acaba por ser aceito como um deles, numa ação  ritualística que ecoa Carlos Castaňeda*3 . Uma ação que o faz abraçar a ideia de liderar não pelo medo, mas pelo respeito.
 
 
A bela ciborgue Drash (Sophie Thatcher) e sua gang de motoqueiros estilosos se une a Boba

 
Uma vez assumindo o espólio do império do finado Jabba, o Hut; Boba entra em rumo de colisão com o Sindicato Pyke, que trafica “especiaria” *4 (o que,980 para bom entendedor, são drogas!) e quer incluir Tatooine como seu território. Para isso vai montando uma equipe heterogênea, pois os outros chefes do crime se mantêm “neutros” nesta disputa, o que o faz recrutar uma gang de motociclistas ciborgues (aqui as próteses biônicas tomam o lugar das tatuagens ou dos piercings), de aspecto semelhante aos mobys ingleses dos anos 1960. Estes são chefiados por Drash (Sophie Thatcher, de Riqueza Tóxica), cujas pistolinhas parecem acendedores "magiclick”. Alem deles, temos os guardas gamorreanos (Frank Trigg & Collin Hymes) e o droide D8 (voz de Matt Berry, de O Que Fazemos nas Sombras), um grupo que sobrou do bando de Jabba, e, o (inicialmente antagonista) wookie casca-grossa Black Krrsantan (Carey Jones, de Creepshow) que adora arrancar braços de trandoshanos.
 
 
Reaparecem o Xerife Cobb Vanth (Timothy Olyphant) e Mando (Pedro Pascal)
 
Mando se desentende com Paz Vizsla (Jon Favreau) sobre a posse do "dark saber"


Para lhe dar maior poder de fogo, Boba chama Din Djarin, o Mando (voz de Pedro Pascal, de Mulher-Maravilha 1984) e assim, no quinto e sexto episódio, a série meio que se transforma num “O Mandaloriano 2.5”, pois Boba Fett cede o protagonismo para Mando e nós passamos a acompanhar a sua perambulação pela “galáxia muito, muito distante”, em busca da armeira mandaloriana (Emily Swallow, de O Mentalista) para que ela faça uma malha de cota de beskar para Grogu, e o ensine a usar o dark saber - o que desperta a cobiça de Paz Vizsla (Jon Favreau),  mandaloriano grandão e herdeiro do dark saber. De lá, Mando vai visitar Grogu, que está treinando com Luke Skywalker (Mark Hamil, de Star Wars: Os Últimos Jedi) e ainda reencontra Ahsoka Tano (Rosario Dawson, de Luke Cage). Findo esse tour, retomamos para a trama principal.
 
 
Ao procurar Grogu, Mando reencontra Ahsoka Tano (Rosario Dawson) e poem a conversa em dia
 
 
Dentre a galeria de tipos, retornam rostos conhecidos para quem acompanhou os episódios de O Mandaloriano , como Peli Motto (Amy Sedaris, de The Unbreakable Kimmy Schmidt) a velha mecânica, que descobrimos, já ter namorado um jawa (gosto não se discute...), e o Xerife Cobb Vanth (Timothy Olyphant, de Justified), que tem um duelo bem ao estilo de Sergio Leone com um vilão. Temos também outros personagens diversos, como Garsa Fwip (Jennifer Beals, de The L Word), a bela Twi´lek dona de um cassino; Mok Shaiz, o mordomo do prefeito (David Pasquesi, de Vice), e, em pequenas participações, o treinador do rancor (Danny Trejo, de American Gods); o comerciante Lorta Peel (Stephen Root, de A Tragédia de Macbeth) e, o casal Fixer (Skyler Bible) e Camie (Mandy Kowalski), da cena deletada do Ep. IV de 1977*5.
 
 
"A Escolha de Grogu": Luke Skywalker (Mark Hamil) impõe ao pequeno padawan um dlilema
 
A nova nave "tunada" de Mando, faz os CHIPs, digo, os X-Wings, comerem poeira

 
Ainda temos um cameo de Robert Rodiguez como Dokk Strassi, chefão do crime trandoshano, e o prefeito de Mos Espa, Mok Shalz, aliado dos pykes, e, como grande destaque, pela primeira vez em live-action, o pistoleiro Cad Bane (voz de Corey Burton e performance de Dorian Kingi), inspirado no eterno homem mau Lee Van Cleef da trilogia dos dólares”, de Sergio Leone.
 

Quando o "caldo engrossa", Boba, Fenec Shen, Black Krrsantan e os Mobys de Drash se vêem sozinhos contra o inimigo


A música de Ludwig Göransson (Creed II) e Joseph Shirley (Bad Trip) dá o clima mais tribal, com momentos que remetem tanto à trilogia clássica de Star Wars quanto aos faroestes italianos e ao já consagrado O Mandaloriano. A fotografia de David Klein (Homeland), Dean Cundey (Fuga de Nova York) e Paul Hughen (Smoke) descortina as luminosas e áridas paisagens de Tatooine, que contrastam com a úmida e aconchegante atmosfera do mundo onde Luke está construindo sua Academia Jedi, e com a frieza da base estelar em anel, onde os mandalorianos estão escondidos. A edição de Jeff Seibenick (Teen Wolf), Andrew S. Eisen (O Jogo da Imitação), Dana E. Glauberman (Juno) e Dylan Firshein (O Mandaloriano) alterna o ritmo narrativo seco, similar aos clássicos westerns italianos. Os momentos bagunçados da batalha final, que tem de tudo, evidenciando no seu início a estratégia mais do que que equivocada de Boba Fett (a escolha de um lugar vulnerável para ficar, apenas para ser visível ao povo, é qualquer-coisa…).
 
 
Momento Butch Cassidy: Os pykes vem com tudo e Boba luta ao lado de Mando. Felizmente os Pykes são "bons de pontaria" como os stormtoopers...

Melou: O pistoleiro Cad Bane (Corey Burton) que treinou Boba Fett, é o perigo real e imediato

 
Visualmente impecável, o desenho de produção de Andrew L. Jones (As Aventuras de Tintin) e Doug Chiang (Rogue One: Uma História Star Wars), além da direção de arte de Rebekah Bukhbinder, David Lazan (Westworld), Rachel Rockstroh (Legion), Paul Ozzimo e Rudie Schaefer (Feng man lou), recriam os espaços tão conhecidos dos fãs, como as cidades dos planetas da Orla Exterior (similares à Tatooine entre outros). Tudo isso é valorizado pela decoração de sets de Amanda Moss Serino (Godzilla II: Rei dos Monstros), que introduz elementos conhecidos na oficina surrada de Peli Motto ou nas instalações high-tech da doca espacial em anel, como que piscando o olho para os fãs. O trabalho é complementado pela supervisão de efeitos visuais de Richard Bluff (Doutor Estranho), que faz os efeitos das empresas Industrial Light & Magic (ILM), Respeecher, Important Looking Pirates (ILPvfx), Ghost VFX, Happy Mushroom e Hybride Technologies recriarem perfeitamente a ambientação da “galáxia muito, muito distante”, com direito também a citações de clássicos do cinema e da ficção-científica, como John Carter, King Kong e as animações de Ray Harryhausen, entre vários outros fanservices colocados estrategicamente. Da mesma forma, os figurinos de Shawna Trpcic (O Mandaloriano) traduzem perfeitamente o visual dos trajes da trilogia clássica com os materiais atuais, mas não destoando visualmente no conjunto.
 
 
Como sempre a direção de arte e os efeitos visuais capricharam no quesito criação de mundo

 
Ao final, embora seja no conjunto muito legal, O Livro de Boba Fett, se ressente de um ritmo narrativo desigual e de algumas escolhas questionáveis, a despeito dos esforços de Jon Favreau, Noah Kloor e Dave Filoni nos roteiros, e na direção, de Robert Rodriguez (3 ep.), Dave Filoni (1 ep.), Steph Green (1 ep.), Bryce Dallas Howard (1 ep.) e Kevin Tancharen (1 ep.). No fim foi demais o peso de costurar o grande volume de material canônico com o universo expandido e ter de adequar um personagem moralmente dúbio a um perfil mais palatável para a Disney+ e para permitir uma maior comercialização de produtos, como bonecos, brinquedos e tudo o mais.
 

Deu match!? O medroso Mok Shaiz (David Pasquesi e a mecânica Peli Motto (Amy Sedaris) parecem ter a ver um com o outro

Ao final, Boba Fett cavalga um rancor, parodiando o seu surgimento na animação de 1978




Notas:
 
 

Bossk, cujo traje é do episódio "The Tenth Planet" de Doctor Who, que por sua vez, é um traje da Força Aérea Real reciclado


*1: É sabido que nos primeiros filmes de Star Wars, o visual de alguns personagens, hoje icônicos, foi criado a partir do reaproveitamento de peças de figurino de filmes e séries, cujos guarda-roupas ficavam nos estúdios Ellstree. O caso mais famoso é o do caçador de recompensas trandoshano Bossk, cujo traje era um macacão de astronauta usado num episódio do seriado Doctor Who.
 
 
O jovem Boba (Daniel Logan) e seu pai Jango (Temuera Morrison)

 
 
*2: É estabelecido neste filme que Jango foi recrutado, por suas características físicas e mentais, como doador de material genético para a criação do exército de clones da República Galáctica. Estes foram modificados geneticamente para ter crescimento acelerado e condicionados à maior obediência. Boba foi um clone sem alterações para que Jango tivesse a experiência da paternidade. Ao Jango ser morto por Mace Windu (Samuel L. Jackson), Boba tomou para si a armadura de seu pai, que passou a usar anos depois quando adulto.
 
 

 
*3: Carlos Castaňeda (1925 - 1998) Foi um antropólogo e escritor, autor de A Erva do Diabo (1968), e de outros livros que narram suas experiências cognitivas com ervas alucinógenas, sempre orientado pelo xamã yaqui Don Juan Matus, no deserto de Sonora, no México. Seus livros foram muito populares no auge do movimento hippie e da contracultura.
 
 
 
*4: É bem evidente aqui as citações a saga literária Duna (1966), de Frank Herbert, que inspirou muito Star Wars. O trem no território desértico parodia o gigantesco verme da areia, bem como os Tusken Raiders espelham os Fremen. Além disso em certa altura um personagem diz que: “a especiaria deve fluir”.
 
 
Luke e Biggs (a frente) e Fixer e Camie (atrás)

 
*5: Fixer (Anthony Forrest), Camie Loneozner (Koo Stark) e Biggs Darklighter (Garrick Hagon) apareciam numa das primeiras sequências do filme original de 1977, mas George Lucas optou por cortar essa cena da montagem final por arrastar o ritmo narrativo e não acrescentar muita coisa dramaticamente. A sequência, porém, permeáveis no livro baseado no roteiro do filme, pois ele foi escrito e lançado antes do longa ficar pronto para os cinemas. Biggs acaba sendo mostrado na sequência do ataque à Estrela da Morte e sua morte tem peso dramático.

Vejam meus comentários sobre o filme no vídeo que está em nosso canal no YouTube:








Mando, como todo pai na crise da meia-idade, assim que vê que o filho está na "universidade", compra um carro esporte...



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