segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Final de novela - Crítica: Star Wars: A Ascensão Skywalker (2019)

 

E cai o pano para uma geração...


por Alexandre César 

(Originalmente postado em 22/ 12/  2019)


  Filme aposta no seguro e acerta na emoção em cheio

E finalmente nos despedimos dos Skywalkers...

 

Desde 1977, quando um diretor nerd magrelo e barbudo fez um certo filme saído do liquidificador, mesclando de westerns a filmes de guerra e aventura de capa-e-espada temperado a Flash Gordon e filmes de horror, o cinema como fonte de entretenimento (bem como o seu modo de produção) ficou de quatro e passou a reverenciar uma certa galáxia “muito, muito distante” , ficando indelevelmente atrelado a este universo ficcional, passando em muitos casos de pai para neto...

Rey (Daisy Riley) alcança a sua plenitude como Jedi e como mulher...

  
Star Wars (na época Guerra nas Estrelas) foi o filme certo, feito do modo certo e, lançado no momento certo. Tivesse sido sido lançado um ano antes ou depois, possivelmente sobreviveria no imaginário cinematográfico como uma, entre tantas excentricidades que fizeram sucesso, se pagaram e deram lucro e tempos depois ficaram no ostracismo. George Lucas, após longas batalhas com os estúdios em busca de financiamento e liberdade criativa conseguiu a proeza de fazer um produto que dialogava com uma geração ávida por divertimento escapista de qualidade e, acertou o alvo de uma forma única, conseguindo a proeza de reservar para si a “parte do leão” dos royalties, fazendo a sua independência financeira e criativa, e como todo rebelde que chegou ao poder, se viu na posição de tornar-se aquilo que ele combatia, tal qual Anakin Skywalker, que de filho de escravos, tornou-se o maior Jedi de todos e, virou o temido Darth Vader, de certa forma a encarnação do meio corporativo e, do mundo adulto do trabalho...

Kylo Rem (Adam Driver): De vilão mimizento a anti-herói de respeito...

 Passados 42 anos, 10 filmes (2 trilogias completas, 2 filmes de uma nova trilogia e 2 derivados oficiais) fora séries animadas e live action (O Mandaloriano), quadrinhos, livros videogames e toda e qualquer forma de produto licenciado, Star Wars como toda criança, que cresce e aparece teve de se desligar de seu genitor e ao mudar-se de casa (a Disney) e descobrir como dialogar com o público, que se por um lado sempre quis aquilo a que estava acostumado desde os primórdios, por outro procurava algo diferente pois agora a franquia era “coisa de velho”, lutando para cativar a plateia que viu os primeiros filmes e os filhos, sobrinhos e netos destes, fora o público “não-iniciado”que só vai ao cinema e quer diversão rápida, sem apegar-se a nada ou comprar penduricalhos.

General Leia Organa (Carrie Fisher): Emocionante despedida da personagem e da atriz, que de mocinha destemida passou a ser uma madrinha querida por meio mundo...

Agora J.J. Abrams, no timão da franquia desde Star Wars: O Despertar da Força (2015) que criou uma nova geração de personagens e até soube dialogar com o lado nostálgico da audiência mas pecou por ficar engessado na zona de conforto “rebeldes-contra-um-mal-destruidor-de-planetas-se-unem-a-uma-nova-esperança-jedi”dividiu opiniões e pedia mudanças. Em Star Wars: Os Últimos Jedi (2017) Rian Johnson ousou acrescentando elementos críticos e fez um filme com mais personalidade embora desigual, mas irritou o lado mais conservador do fandon, agora capaz de fazer muito barulho (via internet) prejudicando a performance do filme e deixando claro que era necessário concluir o arco da família Skywalker e deixá-los em paz, pois como bem mostra o universo expandido dos quadrinhos, livros e games, a galáxia muito, muito distante é bem maior do que apenas um único núcleo familiar e, sejamos sinceros, os Skywalkers não são os Corleone, então vida que segue...


Chewbacca (Joonas Suotamo), Poe Dameron (Oscar Isaac), Rey e atrás Fin (John Boyega). Grupo coeso.

Retomando a direção e, evitando ao máximo ligações com a trama do filme anterior, J.J. Abrams nos entrega Star Wars: A Ascensão Skywalker (2019) e com grande eficiência dá para a galera o que ela quer, e narrando num ritmo acelerado (pois se ele pisar no freio, o espectador começará a questionar o que vê em cena e a lógica de certas coisas...) aliado à edição de Maryann Brandon (Super 8) e Stefan Grube (Rua Cloverfield, 10) fazendo um dos filmes visualmente mais bonitos da franquia e fazendo uma grande despedida que levará as lágrimas pelo seu tom emocional em vários momentos, apesar da premissa super forçada que alavanca este final.


BB8 arruma um amigo droid, no melhor estilo WALL-E...

O roteiro de Abrams e Chris Terrio (Liga da Justiça), autores da história, em parceria com a colaboração de Derek Connolly e Colin Trevorrow redefine conceitos como ”Fanservice”, “MacGuffin”*1 ou “Jogar para a galera” entre tantos outros termos, tal é o volume avassalador de situações e conclusões pensadas para provocar uma resposta emocional daqueles que vem acompanhando e passando a saga de geração para geração...
 
Logo nos grandes letreiros iniciais se fala que “Uma voz há muito esquecida foi ouvida numa transmissão por toda a galáxia revelando a volta do supostamente falecido Imperador Palpatine, trazendo medo e terror a todos...” este recurso me lembrou logo das antigas radionovelas tipo da velha Rádio Nacional ou da Rádio Tupi em que eram comuns malabarismos improvisativos feitos de forma mirabolante, para alavancar audiência e então, honrando as suas raízes de narrativa oral e folhetinesca, Star Wars tal qual “O Direito de Nascer”*2 ressuscitou a sua “Mamãe Dolores”...


"- Não fico sexy de preto? Num estilo 'Dark Side', não???"

E assim Kylo Rem (Adam Driver tirando leite de pedra, criando um bom personagem que segue a trajetória de seu avô) faz um pacto com o “Imperador Walking Dead” (Ian McDiarmid, fazendo bem o mais-do-mesmo) que em troca do comando de uma frota colossal de Star Destroyers que estava guardadinha dentro do templo, esperando quem a comandasse (e detalhe, cada nave com um canhão com a potência da Estrela da Morte!!!) em troca apenas da vida de Rey (Daisy Ridley), que segue o seu treinamento Jedi, agora sob a supervisão da General Leia Organa (Carrie Fisher em emocionante despedida da personagem, e da vida...) que como foi revelao no filme anterior, tinha um treinamento na Força (afinal ,se era gêmea de Luke, devia ter uma contagem próxima de Midichlorians em suas células...) e ela tem que encontrar a fonte desse mal e confrontá-lo, além de descobrir a verdade sobre as suas origens e a partir daí teremos uma jornada de descoberta que definirá para sempre sua relação com o universo e aqueles à sua volta... Puxa!


Ben-vindos a "Star Wars Beats"!!! Aproveitem a rave...


Ressurgem rostos familiares, sejam como fantasmas da Força ou participações rápidas, para fechar de vez este núcleo, seja nos personagens, seja na iconografia visual de cenários figurinos, naves e planetas. Da velha geração matamos as saudades não só de Leia, como de Han Solo (Harrison Ford), Luke Skywalker (Mark Hamil, “dando uma” de Yoda), Lando Calrssian (Billy Dee Williams, que aparece de forma pontual e em momentos chave, como num game) e até vemos figurantes clássicos como Wedge Antilles (Denis Lawson) e Nien Nunb (Mike Quinn) que eram colegas de Luke na Aliança Rebelde, além dos tradicionais C3PO (Anthony Daniels) e divertido, mas com um tom mais solene),R2D2, fofo como sempre na sua dobradinha com BB8, que arruma mais um parceiro droid, Chewbacca (Joonas Suotamo, que desde  Star Wars: Os Últimos Jedi substitui Peter Mayhew, que faleceu este ano) continua basicamente o mesmo apesar da forte explosão emocional que tem na segunda metade do filme; e a velha geração interage bem com a galera da vez, que cresce e aparece apesar de tudo.


Palpatine (Ian McDiarmid) retorna, sendo a "- Pessoa Jurídica do Mal"...


Finn (John Boyega) está mais centrado, mas inexplicavelmente seu romance com Rose Tico (Kelly Marie Tran) parece ter sido apagado, pois ele e Poe Dameron (Oscar Isaac mais à vontade no papel) que se mostra mais descolado, remetendo à malandragem de Han Solo; e assim eles passam a ter com Rey uma dinâmica similar a de Luke-Leia -Han no filme de 1977 e no final das contas “todo mundo se balança entre um e outro” e “ninguém fica com ninguém”, talvez numa tentatva dos roteiristas de emular o comportamento InCel*3 (representativo de uma parcela substancial e barulhenta do fandon de Star Wars e do público nerd...).



Jannah (Naomi Ackie) a ex-stormtrooper que se junta ao grupo e mostra serviço...

 
Do lado da Primeira Ordem, o patético General Hux (Domhnall Gleeson) completa o seu arco,dando uma de Agente Callos (da animação Star Wars: Rebels) sendo superado pelo General Pryde (Richard E. Grant de Poderia me Perdoar? ) que surge neste filme, tendo o perfil do típico oficial cruel do Império da trilogia clássica. Curiosamente temos um oficial de alta patente negro e uma comandante de Star Destroyer na Primeira Ordem, coisa nunca vista no Império. Inclusão até no mal... Na procura pelo artefato que levará o grupo à base do inimigo veremos novos mundos, inclusive com direito a uma festival alegre e colorido valorizado pela bela fotografia de Dan Mindel (John Carter: Entre Dois MundosAlém da Escuridão: Star Trek) que não perde nada para uma lolapaluza da vida (só faltavam os balões dos patrocinadores e os Djs...) onde se descobre uma Adaga Sith que se revela um MacGuffin no melhor estilo Indiana Jones, chegando a ser de doer a forma como ela revela a localização do artefato.


Em Endor (o planeta principal) encontra-se as ruínas da segunda Estrela da Morte. A capacidade de destruição planetária se banalisou e perdeu o seu impacto...

Ocorrem separações do grupo ocasionadas pelos embates de Rey e Kylo Ren cujo tom atração-repulsão chega a ser a alegoria das idas e vindas de um casal. Nestas separações e reencontros do grupo abrem-se espaços para surgirem novos personagens como Zorii Bliss (Keri Russell de Felicity) mercenária e ex-peguete de Dameron, cuja bela silhueta é valorizada pelos figurinos de Michael Kaplan (Blade Runner e Star Trek).


Lando Calrisian (Billy Dee Williams): O "Lionel Ritchie do Espaço" continua cheio de "groove"...


Bliss tem um parceiro, Babu Frik (voz de Shirley Henderson, a Murta que Geme de Harry Potter), um alienígena miudinho e engraçado que reprograma C3PO para decifrar as inscrições da faca e ainda temos Jannah (Naomi Ackie) tal qual Finn uma ex-stormtrooper que ajuda o grupo na batalha final, fora as ocasionais aparições de personagens secundários (terciários) que surgiram ao longo desta nova trilogia mas não foram marcantes como Max Kanata (Lupita Nyong´o), o piloto Snap Wexley (Greg Grunberg), a Tenente Conix (Billie Lourd), o técnico Beaumont (Dominic Monaghan da trilogia O Senhor dos Anéis) e a Comandante D´acy (Amanda Lawrence). Estas aparições são sublinhadas pela música de John Williams,que aparece numa ponta como Oma Tres (?) e ressaltam a carga emocional que o encerramento da trilogia carrega. Não tenham vergonha de chorar amigos, pois quando as lágrimas secarem é possível que a raiva venha à tona...



O mal e sua face burocrática: o patético Gen. Hux (Domhnall Gleeson) cede espaço para o "Old School" Gen. Pryde (Richard E. Grant) o típico "militar prussiano" imperial..."

Quanto à parte visual o filme honra todo o legado da franquia que desde as origens soube fazer o barato parecer caro e continuou tendo um ousado desenho de produção, neste, assinado por Rick Carter (Oscars por Avatar e por Lincoln) e de Kevin Jenkins e uma riquíssima direção de arte, aqui assinada por Jim Barr (Doutor Estranho),Claire Fleming ( Jogador N°1), Lydia Fry (Rogue One: Uma História Star Wars), Liam Georgensen, Patrck Harris e Helena Holmes (Rambo: Até o Fim) que aliada à decoração de sets de Rosemary Brandenburg (Kingsman: O Círculo Dourado) resgataram ambientes clássicos dos vários mundo visitados pela franquia e ainda conseguiram inovar com o Templo Sith, cuja ambientação sinistra remete games de horror e em alguns momentos aos clássicos da Universal.


Rey e Palpatine se enfrentam num combate revelador para a jovem Jedi...


 Amalgamar conceitos visuais distintos em algo original sempre foi a marca de Star Wars, fora a inovação tecnológica que a franquia trouxe ao longo de seus 42 anos aqui honrados pelos efeitos visuais da Industrial Light & Magic (ILM) e das empresas Base FX, Exceptional Minds, Hybride Technogies, Reel Eye Company, Stereo D e The Third Floor que garantem a qualidade do espetáculo com mundos de paisagens arrebatadoras, alienígenas bizarros e frotas de naves colossais em tamanho e variedade, resgatando nostalgicamente além da Millennium Falcon, toda a frota da Aliança Rebelde, com especial destaque para a Tantine IV, a nave em que Leia foge de Darth Vader no início do filme de 1977 e, no final de Rogue One: Uma História Star Wars. E ainda temos como cameos a Ghost de Star Wars: Rebels e até entre as centenas que aparecem num cantinho de cena por alguns segundos vemos a Razor Crest de O Mandaloriano. Se piscar, perdeu...


Bela silhueta: A mercenária Zorii Bliss (Keri Russell) enriquece o elenco...


Ao final, O Bem vence o Mal e temos uma grande festividade (com direito até a um beijo lésbico na figuração...) e Rey define o seu próprio rumo de forma pungente e, em que pesem suas falhas, Star Wars: A Ascensão Skywalker fecha de forma bonita o núcleo dos Skywalkers, apesar de terem sido muuito melhor explorados no Universo Expandido (e como!!!) e esperemos que agora a Disney volte a sua atenção para as outras possibilidades que a “a galáxia muito, muito distante” oferece e aí sim poder deixar a sua marca de forma mais sólida e eficiente, criando filmes, animações e séries que possam cativar o público por terem luz própria...
 


A Millennium Falcon e centenas de outras naves da franquia, entre elas a Ghost de Rebels, no alto à direita...
 
Notas:

*1: Na ficção, MacGuffin é um dispositivo do enredo, na forma de algum objetivo, objeto desejado, ou outro motivador que o protagonista persegue, muitas vezes com pouca ou nenhuma explicação narrativa. A especificidade de um MacGuffin, normalmente, é sem importância para a trama geral.

*2: Novela melodramática de 1948 (como todas) do autor cubano Felix Caignet (1892-1976) encenada várias vezes no radio teatro e transposta com muito sucesso para a TV pela extinta TV Tupi São Paulo e TV Rio às 21h30, entre 7 de dezembro de 1964 e 13 de agosto de 1965, tendo 160 capítulos sendo adaptada por Thalma de Oliveira e Teixeira Filho, com direção de lima Duarte, José Parisi e Henrique Martins, sendo o primeiro grande clássico da teledramaturgia brasileira.

*3: Diminutivo da expressão “Involuntary Celibates” (“Celibatários Involuntários”) grupos de homens entre os 20 e 40 anos que por serem incapazes de se relacionar sexual e amorosamente culpam as mulheres e os homens sexualmente ativos por isso, difundindo na internet a misoginia e até provocando atentados armados.




Rey:"- Primeiro um alongamento e depois, um exercício aeróbico rápido de baixo impacto..."


 

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