Reconectar, desconectar, seguir adiante...
Obs: Spoilers
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Alguns meses se passaram desde que o revoltosos desengataram o Snowpiercer do resto da composição, tornando-o um trem rápido e de maior manobrabilidade |
Desde que o despótico Joseph Wilford (Sean Bean de As Crônicas de Frankenstein) reassumiu o Snowpiercer na temporada passada, reimpondo o antigo regime draconiano, onde os fundistas são sufocados à ferro e fogo, que O Expresso do Amanhã, deixou pra trás suas dificuldades iniciais*1, entrando de vez nos trilhos.
Ícone da extrema direita: Joseph Wilford (Sean Bean) governa o trem com mão de ferro
Agora, em sua terceira temporada, absérie veiculada pela Netflix, que é a adaptação do filme de 2013 do diretor sul-coreano Bong Joon-Ho (O Hospedeiro, Parasita) baseado na graphic novel francesa Le Transperceneige (O Perfuraneve) de Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jen-Marc Rochette de 1982*2 segue mostrando os percalços de Andre Layon (Daveed Diggs de Black-ish) o líder fundista em formação, que ao final da temporada anterior, havia desengatado o Snowpiercer, e se separado da composição principal, ficando o seu grupo com um trem menor e veloz, como uma nau pirata, para traçar um plano de retomar o poder.
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Líder indeciso: Andre Layon (Daveed Diggs) tem que superar suas limitações para retomar o trem e manter a democracia funcionando. Ou não? |
Num complexo abandonado, Layton encontra uma sobrevivente e ele tem uma visão
Passados alguns meses desde o desengate, Layton, com seus aliados, a segurança Bess Till (Mickey Sumner de Where Are You); o maquinista Bennett Knox (Iddo Goldberg de Westworld); a fundista Josie Wellstead (Katie McGuinness de Hollywood) e Alexandra Cavill (Rowan Blanchard de Em Um Mundo Distante) dispõem dos dados científicos do legado da desaparecida Melanie Cavill (Jennifer Connelly de Alita: Anjo de Combate) mãe de Alexandra, e descobrem numa instalação nuclear abandonada, Asha (Archie Panjabi de Ponto Cego) uma sobrevivente traumatizada e ao resgatá-la Layton sofre um acidente e tem um vislumbre de um destino para os sobreviventes, no Chifre da África*3, e partem para o ataque, dispondo de um trunfo: Miss Audrey (Lena Hall de Nature Cat) amante de Wilford.
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A segurança Bess Till (Mickey Sumner) e a prisioneira Miss Audrey (Lena Hall) passam a limpo suas diferenças e encontram afinidades |
No trem principal, puxado pelo robusto Big Alice, Wilford prossegue mantendo a sua “ordem”, racionando os alimentos, a luz e o aquecimento, pouco se importando que para isso, mantenha buracos para congelar os braços dos revoltosos e mutilá-los (e manter as classes baixas no “seu lugar”) intimidando toda a 2ª e 3ª Classe e gerando medo e ressentimento, cabendo a Pyke (Steven Ogg de Westworld) e a Ruth Wardell (Alison Wright de Castle Rock) organizar a resistência, fazendo um jogo de gato e rato com a segurança nos recantos de manutenção do trem. A proximidade acabe unindo-os de forma improvável.
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Melanie Cavill (Jennifer Connelly) dada como morta, aparece nos sonhos de sua filha Alexandra (Rowan Blanchard) |
Zarah Ferami (Sheila Vand de Garota Sombria Caminha pela Noite) grávida de Layton, é mantida como “hóspede” de Wilford, e o vagão boate, agora é administrado pela lindinha psicopata L. J. Folger (Annalise Basso de Camp) e pelo ex-operador e segurança John Osweiller (Sam Otto de Refugiado) que se casam com as bençãos de Wilford, como símbolo da “nova ordem” (embora ela esteja a postos para virar a casaca no momento certo) enquanto a rebelião começa a confrontar mais abertamente o plutocrata, pagando o seu preço em sangue.
Bess Till, Josie Wellstead (Katie McGuinness),Alexandra Cavill e Andre Layton traçam um plano para interceptar o trem de Wilford A sobrevivente Asha (Archie Panjabi) guarda muitos traumas, mas reacende a esperança de Layton de encontrar um refúgio
Após embates dos fundistas com os guardas wilfordistas e uma “batalha naval” entre os trens Layton consegue depor Wilford, lhe dando uma liberdade vigiada em troca da rendição, mas é claro que (Wilford, sendo Wilford) ele irá esperar o momento certo para tentar dar um novo bote. Uma das primeiras iniciativas de Layton é libertar os dissidentes que haviam ido para as gavetas criogênicas, entre eles, Sam Roche (Mike O´Malley de O Bom Lugar) e sua filha Carly (Esther Ming Li de O Projeto Adam) mas sua esposa não tem tanta sorte, deixando o chefe operador amargurado e querendo vingança. Para unir o trem em torno de um ideal de esperança, Layton vende a ideia do novo Éden no Chifre da África apesar de ser mais uma decisão intuitiva do que algo baseado em fatos científicos mensuráveis. Surge uma discordância entre Layton e Pyke, pois este acredita que Ruth seria uma líder mais competente do trem, ao invés de uma segunda em comando (coisa que ela aceita de bom grado) gerando um conflito que abala os fundistas e a tênue (e bota tênue nisso!!!) liderança de Layton, que entra em coma e em seu delírio enxerga a verdade de sua visão...
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O "Big Alice" segue carregando a composição, em seu jogo de gato-e-rato com o "Snowpiercer" em meio a paisagem congelada |
Enquanto alguns personagens perecem (Wilford menciona ter havido um surto de “uma gripe” que matou alguns deles, entre outros passageiros), outros ressurgem, como o maquinista Javier de La Torre (Roberto Urbina de Louco Por Ela) o “ravi” que lida com as suas cicatrizes do ataque pelos cães de Wilford, fazendo uma boa dupla com Sykes (Chelsea Harris de Ambulância – Um Dia de Crime) que o ajuda a encarar o trauma. Revemos o jovem Miles Miles (Jaylin Fletcher de Clickbait) “filho” de Josie, que cresceu (e muito!) e segue em seu aprendizado de maquinista, e o engenheiro sobrevivente Boscovic (Aleks Paunovic de Van Helsing) se torna o novo “Icy Bob” graças aos serviços da Mengueliana Dra. Headwood (Sakina Jaffrey de Perdidos no Espaço), que tem uma curiosa discussão sobre ética médica com a Dr. Pelton (Karin Konoval da trilogia Planeta dos Macacos) durante o parto de Zarah.
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Zarah Ferami (Sheila Van) é o trunfo de Wilford, que obriga o maquinista " Ravi"(Roberto Urbina) a pilotar o trem |
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Apesar de quase descarrilhar, Layton acaba fazendo valer seus trunfos |
Wilford descobre, um sinal numa linha auxiliar indicando, para alegria da equipe (e para seu ganho pessoal...) que Melanie Cavill está viva, tendo convertido um pequeno módulo de manutenção dos trilhos num pod de hibernação, atestando a sua engenhosidade. Resgatada, em poucos dias após se recuperar, ela vai a público denunciando a pouca confiabilidade do plano de Layton, causando um ‘racha’ no trem, o que Wilford esperava que fosse acontecer.
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A "visão" de Layton assume um tom visionário |
Aqui vemos um paralelo entre os passageiros que após oito anos fechados naquele claustrofóbico trem e querendo voltar a sentir o ar livre, mesmo que correndo riscos, com as pessoas ansiosas pelo afrouxamento das normas de isolamento social da pandemia de COVID-19, e essa ânsia é até compreensível no caso dos fundistas, que como diz Layton sempre sofrem as perdas mais pesadas, tendo vivido na miséria e insalubridade nestes oito anos dentro daquela caixa de metal sobre trilhos.
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Os maquinistas " Ravi" e Bennett
Knox (Iddo Goldberg, sentado) avaliam os danos. A direção de arte
mostra a gradual deterioração do trem decorrente do uso |
Wilford faz uma aliança com Melanie, visando reaver o poder pelas suas costas, mas ela o conhece, e ao dialogar com Layton, ambos reconhecem que o confronto só destruirá os dois lados e numa grande virada a série mostra que a despeito do que se fala, a política uma ferramenta de solução de problemas, com cada lado aceitando regras e cedendo em ponto para ganhar em outro e vice-versa para todas as partes caminharem juntas. Uma escolha é feita e cada parte toma um rumo, havendo a possibilidade de um reencontro adiante, havendo depois um salto no tempo de três meses...
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Após prender Wilford, Layton e Pyke (Steven Ogg) entram em gradual oposição |
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Carly (Esther Ming Li) e seu pai Sam Roche (Mike O´Malley) enfrentam uma tragédia cujo responsável é Wilford |
A fotografia de Jaime Reynoso (O Método Kominsky) e Trig Singer (Megadream) seguem o bom trabalho dos seus predecessores, contrastando os tons cinzas e azulados das entranhas do Snowpiercer e do Big Alice, cujo aspecto frio, impessoal e inóspito reflete a divisão verticalizada de classes, adquirindo tons solares no episódio do delírio de Layton, acompanhado pela edição de Jay Prychidny (Altered Carbon) Erin Deck (Into the Badlands) e Nicholas Wong (The Expanse) mantém o ritmo e o tom narrativo na medida certa, acelerando nos momentos tensos como no confronto de Layton com Pyke ou na travessia da ponte em direção ao “Chifre da África”, que a trilha musical de The Haxan Cloak - Bobby Krlic (Midsommar: O Mal Não Espera a Noite) prossegue no seu tom atmosférico, incorporando os sons mecânicos na música, ora sublinhando, ora num crescendo nas horas mais explosivas.
Ferido, Layton tem um sonho onde Sykes (Chelsea Harris) e Wilford são espiões. A direção de arte transforma o trem num cenário caribenho de espionagem
O desenho de produção de Stephen Geaghan (Outra Vida) segue expandindo o universo do interior do Snowpiercer, com novos elementos como o pequeno trem que manteve Melanie viva, e a direção de arte de Susan Parker (Take Two) e Ainsley Barteluk (Reel Women Seen) vai detalhando mostrando a deterioração gradativa do trem, que ainda consegue se transformar, como no delírio de Layton, que a decoração de sets de Roger Trory (Era Uma Vez) transforma num cenário de filme de espionagem de ares caribenhos, onde os figurinos de Caroline Cranstoun (Um Match Surpresa) brincam com os clichês, mantendo no resto da temporada, a palheta de cores dos trajes chiques e decadentes de Wilford, o tom vintage dos trajes de Audrey (refletindo o seu passado de atriz Burlesca), e os com os trajes padronizados, sóbrios, mas elegantes da Segunda Classe, os meramente funcionais da Terceira e dos soldados e, os fundistas com seus trapos de tons pretos, cinzas, terrosos e sujos mostrando o “seu lugar” no construto social.
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Os efeitos visuais continuam de alto nível criando belas e tristes cenas como a das pirâmides do Egito congeladas |
Prosseguindo no trabalho de expandir esse gélido, rico e hostil universo narrativo, os efeitos visuais de Fuse FX, Method Studios, Zoic Studios, Torpedo Pictures, Mr. X, Image Engine Design Inc., supervisionados por Geoff D. E. Scott (Orphan Black) e Jamie Barty (The Orville) entregando belas e tristes cenas como o Egito e suas pirâmides congelados, ou plenas de dinamismo como quando Snowpiercer e o Big Alice se confrontam como numa batalha de navios piratas, ou o trem precisa atravessar uma nuvem vulcânica ácida e corrosiva.
Retorno triunfal: Melanie Cavill havia convertido um trenzinho de manutenção de trilhos num módulo de sobrevivência, sendo resgatada pelo Snowpiercer
Discordando de Layton (?) Melanie faz uma aliança com Wilford, que esperava isso, mas Melanie tem seus planos também
Ao final, O Expresso do Amanhã termina com a grande mensagem de que por piores que as coisas possam ser, somente com a decisão política dos lados beligerantes, se chega a uma forma negociada que permitirá que ambos os lados sobrevivam. Mesmo que a série terminasse aqui, terminaria bem, em grande estilo, mas ela ainda abre caminho para a próxima temporada, já confirmada, que trará Clak Greg (Marvel´s agentes of S.H.I.E.LD.) além de outras dinâmicas que deverão trazer novos desafios a Layton, Melanie, e até mesmo a Wilford, que continua como uma carta que pode retornar ao baralho desse jogo...
Ao final rumos são traçados e destinos alcançados mas ainda não chegamos ao final de fato
Notas:
*1: Produzida pela TNT e aqui veiculada no streaming pela Netflix, a série teve várias dificuldades na primeira temporada oriunda da troca de showrunners, e de emissoras (originalmente pela TNT, foi para a TBS, retornando depois para a TNT), roteiros reescritos, novas direções entre outras coisas.
*2: Que apresentava uma distopia com ótima alegoria sobre a luta de classes ao mostrar um mundo glacial, onde os remanescentes da espécie humana habitam um gigantesco trem em movimento contínuo numa volta ao mundo (num moto perpétuo) vivendo num sistema de castas em que os ricos têm ótimas acomodações, alimentação, e à medida que vamos descendo de classe social, o espaço, comida, etc... vão decaindo até chegarmos nos últimos vagões, onde os fundistas vivem como párias na fome, miséria e desesperança.
*3: O “Chifre da África” (ou “Corno de África”) é a região também conhecida como Nordeste Africano e algumas vezes como Península Somali, é uma designação da região nordeste do continente africano, que compreende a Somália, a Etiópia, a Eritreia e o Djibouti. Tem uma área de aproximadamente 2 milhões de km² e uma população de cerca de 116 milhões de pessoas (Etiópia: 94,3 mi, Somália: 14,7 mi; Eritreia: 5 mi; Djibuti: 956 mil). "Foi um prazer estar com vocês, brincar com vocês,mas agora é hora de dar tchau! Até a próxima temporada!!!"
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