sábado, 9 de abril de 2022

O grande cataclisma da temporada - Crítica - Séries: Star Trek: Discovery - 4ªTemporada


Choro, beijos e abraços no espaço...

por Alexandre César



Série melhora a narrativa, mas  continua na mesma.
Atenção! Alerta de Spoilers.
 

Confessa Michael que era isso que você ambicionava desde o início da série

 
 
Melhorando a estrutura narrativa em relação à da temporada anterior, Star Trek: Discovery chega a sua quarta temporada (deixando a Netflix para trás e agora veiculada no Paramount +), adotando um formato de ter uma trama fechada em cada episódio, e outra maior, que corre ao longo da temporada, que vai acompanhando a trama maior. Opção esperta que permite dar um maior dinamismo à narrativa e desenvolver melhor aspectos mais pontuais. Agora estabelecidos neste período de cerca de 900 anos no futuro (que daria à sua equipe de roteiristas um espaço livre de coisas incômodas como cânon e cronologia), a tripulação embora ajustada, continua sendo um grupo de peixes fora d´agua, vivendo seus dramas pessoais de maneira similar a adolescentes, traduzindo um senso de construção de personagens no mínimo bizarro...
 
 
A anomalia, que pela maioria da temporada causará destruição, pouco revelando sobre sua verdadeira natureza

 
Michael Burnhan (Sonequa Martin-Green de The Walking Dead ainda um tom acima do ideal, mas isso já virou a assinatura da série...) agora efetivada como capitã da Discovery (no fundo sempre achei que ela tramava isso...) se tornou uma figura importante no esforço de reerguer a Federação Unida dos Planetas, ainda fragmentada, num esforço de trazer Terra Unida e N´var (o antigo Vulcano, que se reunificou com os romulanos) de volta à organização, sendo apoiada pelo Almirante da Frota Estelar Charles Vance (Oded Fehr da cine série A Múmia) e tendo algumas de suas atitudes questionadas pela Presidente da Federação Laira Rillak (Chelah Horsdal de O Homem do Castelo Alto), mestiça de humana com cardasiana que interfere muito nas decisões de comando, colocando Michael numa posição que ela não estava acostumada a estar (afinal, seu temperamento intempestivo, impetuoso sempre a fez questionar superiores hierárquicos, mesmo que estes estivessem envolvidos no assunto a mais tempo e com mais conhecimento...).
 
 
Saru (Doug Jones) e Michael Burnhan (Sonequa Martin-Green) agora em uniformes realmente legais

 
Tudo vai bem, até um cataclisma (a ameaça cósmica da temporada...) devastar o mundo natal de seu amado Cleveland Booker (o bom David Ajala de Urban Miths), deixando-o arrasado , tornando-se partir dai se um personagem apagado (e chorão) perdendo aquele ar esperto e malandro (tipo ‘Han Solo’) de quando apareceu, e querendo vingança, ele se aproxima do misterioso Ruon Tarka (Shawn Doyle de The Expanse) que parece saber mais sobre a anomalia e esconde um segredo.
 
 
A Presidente da Federação Laira Rillak (Chelah Horsdal) questiona Michael da mesma forma como ela costumava  questionar os seus superiores

 
 
Saru (Doug Jones de A Forma da Água) retorna de Kaminar (seu mundo) e inicia uma aproximação romântica com T´Rina (Tara Rosling de Mistérios do Detetive Murdoch) a Presidente de N´var numa interessante dinâmica apesar de tudo.
Sylvia Tilly (Mary Wiseman de História de Um Casamento tem um momento de liderança ao entrar para a Academia da Frota Estelar, e num vôo de treinamento cair com um grupo heterogêneo (e divergente) de cadetes, num mundo hostil e fazê-los trabalhar em equipe para sobreviverem, saindo de cena e só retornando ao final da temporada.
 
 
 
Ruon Tarka (Shawn Doyle) dá a entender saber mais sobre a anomalia do que os outros e faz uma aliança com Cleveland Booker (David Ajala)
 
 
Zora (voz de Annabelle Wallis de Maligno), a Inteligência Artificial da Discovery tem algumas divergências com a equipe, e em particular com Paul Stamets (Anthony Rapp de Equals) que temia que ela se tornasse um novo Controle (a Inteligencia Artificial maligna da segunda temporada) e é reconhecida como forma de vida, integrando-se à Frota Estelar, após uma avaliação do misterioso Kovich (o diretor David Cronenberg de A Mosca) que continua sendo um personagem interessante, mas infelizmente pouco explorado.


Os efeitos visuais e o desenho de produção continuam de grande nível, em contraste com os roteiros


Adira (Blu del Barrio) e seu companheiro Gray Tal (Ian Alexander de Todo Dia) agora com um corpo sintético e abrigando o seu simbionte Tril, continuam seu relacionamento (agora meio xaroposo) e que acrescenta pouco à trama, além de dar visibilidade à audiência trans.
 
 
A tenente Keyla Detmer (Emily Coutts) tem um pouco mais de destaque nesta temporada

 
O personagem do Dr. Culber (Wilson Cruz de 13 Reasons Why ) passa a ser o psicólogo da nave, que está sempre num processo de análise, pois parece que nenhum tripulante consegue lidar com um mínimo das tensões que a vida profissional exige. É como se a velha máxima do “cumpra o seu dever, e coloque as suas opiniões pessoais para fora quando não estiver em serviço” não valesse mais, passando a regra a ser “Eu não aguento mais me segurar, me reprimir! Eu choro!!!” dando um tom adolescente a seus personagens, que em serviço, externam entre si suas emoções como se fossem colegiais. Parece que na visão dos roteiristas tudo tem que ser suave, vilões não põem ser vilões, e tudo tem de parecer regado à Prozac, como na adoração quase religiosa dos tripulantes da nave em torno de Michael Burnhan, que precisa pôr a mão em tudo para que possa funcionar, (evitando que estes atinjam o seu real potencial).
 
 
Antes de se retirar para a Academia da Frota,Sylvia Tilly (Mary Wiseman)tem o seu momento de liderança

 
Temos ao final, o irônico Dr. Hirai (Hiro Kanagawa de Altered Carbon) que deveria auxiliar o esforço de encontrar uma forma de comunicação com a raça que provoca a anomalia (mas não faz quase nada...), apesar das ressalvas da Capitã Diatta Ndoye (Phumzile Sitole de Orange is the New Black) da Terra Unida.
 
 
Adira (Blu del Barrio) e seu companheiro Gray Tal (Ian Alexander) tiveram seu espaço, embora muito pouco acrescentassem à trama

 
Há um maior espaço para personagens como Joan Owosekum (Oyin Oladejo de Endlings), a tenente Keyla Detmer (Emily Coutts de Dear Jesus) e há o breve retorno da comandante Nhan (Rachael Ancheril de Carter) chefe de segurança (ela poderia ser a ‘Worf’ da série) e temos pouco da sarcástica Engenheira Jet Renno (Tig Notaro de Transparent), cujas tiradas eram bem divertidas. Agora, o resto da ponte como R.A.Bryce (Ronnie Rowe Jr. de Black Cop) ou Gen Rhys (Patrick Choon-Kwok de Wynona Earp), tendo uma ou outra fala para apenas não falarmos que eles continuam basicamente apenas parte da cenografia...
 
 
Paul Stamets (Anthony Rap) e Saru tiveram sérias dúvidas quanto à confiabilidade de Zora, a I.A. da Discovery

 
Em termos de condução de narrativa, a edição de Chad Rubel (Legacies), Tim Brinker e (Punho de Ferro), Bartolomew Burcham (Cobra Kai) e John L. Roberts (Em Terapia) atua de modo competente, equilibrando os momentos intimistas, com os de ação, auxiliados pela música de Jeff Russo (Star Trek: Picard) que sabe quando usar de forma dosada o fanservice para fisgar a audiência em momentos-chave. 
 
 
Não faltaram oportunidades para a equipe de maquiagem criar raças exóticas

 
Visualmente a produção continua impecável, com ótimas soluções do Desenho de Produção de Doug McCullough (Caçadores de Sombras), da Direção de Arte de Matt Middleton (Ana e Os Robôs) Matthew S. Morgan (Star Trek: Strange New Worlds) e Nick Augustyn e da decoração de sets de Ian Weatley (Caçadores de Sombras) na criação de novos mundos e na ampliação dos espaços funcionais das instalações da Discovery e da base da Frota Estelar, além de abarrotar cenários e ambientes de referências visuais do universo treker. É só prestar atenção...
 
 
Michael, O Almirante da Frota Charles Vance (Oded Fehr) A Presidente da Federação Laira Rillak e T´Rina (Tara Rosling), a Presidente de N´var traçam planos de contingência

 
Felizmente os figurinos de Gersha Philips (A Vida de Miles Davis) dando prosseguimento ao que fizeram na temporada anterior, resgata as cores vivas (usadas na série clássica e em Star Trek: A Nova Geração) e repagina os uniformes, evitando aqueles modelitos horrendos do finalzinho da temporada anterior...
 
 
Em certa altura conhecemos o passado de Tarka, junto com Oros (Osric Chau) quando prisioneiros da Corrente Esmeralda

 
A fotografia de Franco Tata (Star Trek: Short Treks) e Chistopher Mably (Baroness Von Sketch Show) em parceria com os efeitos visuais da DNEG, Alchemy Studios, Crafty Apes, BUF, Ge host VFX, Legacy Effects, Gentle Giant Studios, Pixomondo, Monsters Aliens Robots Zombies, Spin VFX, Second Chance Games & Visual Effects, Storm Studios e Torpedo Pictures supervisionados por Jason Michael Zimmerman (Star Trek: Picard) cria visuais planetários inspirados, referenciando vários clássicos da franquia, fazendo valer cada centavo do orçamento da série. 
 
 
A sarcástica Engenheira Jet Renno (Tig Notaro) teve pequena mas marcante participação na temporada

 
Ao final, O 'grande vilão' da temporada não é de fato, um ‘vilão’, revelando-se uma anomalia espacial (chamada de DMA) que causa uma distorção capaz de destruir naves e até planetas que estiverem próximos. A temporada tenta resgatar o espírito da série clássica, com várias referências espertas a Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) de Steven Spielberg, Jornada nas Estrelas: O Filme (1979) de Robert Wise e até em sua premissa a A Chegada (2016) de Denis Villeneuve enumerando as diferenças biológicas e culturais na hora da comunicação entre espécies, biologicamente muito diferentes, que consequentemente têm formas diferentes de externar e apreender as suas impressões e conceitos, e assim até que a temporada se redime do lugar-comum a que estava ancorada, embora tudo se reduza a um “tudo foi um mal-entendido, e conversando a gente se entende”, (além de mostrar que os roteiristas não entendem a razão de ser do funcionamento de um traje de astronauta...), conseguindo fazer com que as partes cheguem a um entendimento, obviamente graças à intervenção de Michael Burnhan (como a salvadora da galáxia tal qual um certo James Tiberius Kirk) que em sua nova condição de capitã, tinha de mudar a postura, e tomar um ar mais 'oficial' e 'sábio'...coisa que não funcionou realmente...
 
 
Dr. Culber (Wilson Cruz), Keyla Detmer, Michael Burnhan e Saru num "Momento Michael Bay" em camêra lenta

 
A quarta temporada de Star Trek: Discovery conclui seu arco medianamente, apesar de seus muuuiiitos deslizes, refletindo as limitações auto-impostas por seus roteiristas e showrunners, tão comprometidos com as causas corretas e louváveis da representatividade e da inclusão (sempre checando o que está bombando nas redes sociais), que esquecem de que se tais tópicos não estiverem bem amarrados a um bom roteiro, uma boa construção de personagens e uma coerência interna do conjunto, acabarão por fornecer munição para os haters e todo o tipo de reacionário para justificar suas argumentações de “quem lacra não lucra!!!” e “destruíram a minha infância!!!” coisa que recentemente Pacificador e The Expanse fizeram, mostrando ser possível conciliar narrativas aventurescas e fantásticas com questões de cunho de representatividade de cor, gênero, crítica social e política de forma coerente e inteligente.
 
 
T´Rina e Saru iniciam uma aproximação romântica


 
Qual será o rumo da próxima temporada é uma incógnita, pois a boa audiência garante o prosseguimento da série, mas corre-se o risco de uma vez passada a vybe, a franquia caia no ostracismo como algo que fez muito sucesso e depois, envelheceu mal, pelo excesso de levantamento de bandeiras em detrimento de boas histórias. 
 
 
Tal como no piloto de 1966, a Discovery atravessa a barreira da borda da galáxia, mas ninguém ganha poderes quase divinos dessa vez

 
E Boas histórias, bem-escritas, sem facilitações preguiçosas (que são várias ao longa da temporada) são o que garantem que uma narrativa se mantenha de forma sólida no imaginário coletivo, como o provaram Gene Rodenberry e seus colaboradores a mais de meio século atrás, e que fizeram de Star Trek, a nossa Jornada nas Estrelas. Não duvidem disso...
 
A espécie 10-C se revela um grande desafio à comunicação inter-espécies

 
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