segunda-feira, 6 de maio de 2019

Conhecer, amar, se entregar e se perder no outro - A Forma da Água (2017)

A "bela", a "fera" e o sistema... 

 

por Alexandre César 

(Originalmente publicado em 02/ 02/ 2018)

Guillermo Del Toro constrói bela e cativante fabula 


Elisa (Sally Hawkins) é faxineira num laboratório governamental


 

“- Os monstros têm uma dimensão espiritual para mim. São quase religiosos. Nós, os latino-americanos, fomos conquistados e formamos esse sincretismo que combina o catolicismo e as crenças ancestrais. Isso resultou nos monstros. ” (Guillermo Del Toro)

 

a solitária Elisa tem Zelda (Octavia Spencer) como única amiga



O que é ser um “Monstro”? Ser feio, ou deformado? De alguma forma “incompleto”? Ter rugas, celulites, estrias, “pneuzinhos”...? Não se enquadrar no padrão da “normalidade” e da “beleza”? Ou ter atitudes e praticar coisas terríveis em nome do “bom-mocismo”?

 

Elisa e a criatura (Doug Jones) cobaia do laboratório: O que é um monstro?

 

Guillermo Del Toro entende de monstros e do quanto eles podem servir de metáfora aos despossuídos e a todo e qualquer indivíduo que pela sua aparência, etnia, identidade de gênero ou pelo que for, esteja “fora da casinha”. Em A Forma da Água (2017) ele nos presenteia com uma fábula que homenageia o seu clássico favorito da Universal: O Monstro da Lagoa Negra (1954, dirigido por Jack Arnold) e mescla - de forma, lírica, poética, engraçada, violenta e sexy - temas como: amor, solidão, medo, inclusão e desejo.

 

Elisa é  sempre desdenhada por Strickland (Michael Shannon) chefe do laboratório

  

Ambientado no início dos anos 60, em plena Guerra Fria (grande trabalho da direção de arte e de figurino), temos Elisa Esposito (a ótima Sally Hawkins, talvez no seu melhor papel), uma faxineira muda que mora sozinha e que tem como vizinho Giles (Richard Jenkins), seu melhor amigo e confidente. Um velho artista fracassado em busca de uma segunda chance na vida profissional e pessoal. Os apartamentos de ambos ficam acima de um cinema, daqueles antigos com anfiteatro, onde os dois assistem a filmes e espantam a solidão comum aos párias. 

 

Amizade entre solitários: Elisa e Giles (Richard Jenkins)



Elisa, junto com sua colega Zelda (Octavia Spencer), trabalha num laboratório governamental, administrado com mão-de-ferro pelo sinistro agente Strickland - Michael Shannon, o General Zod de Homem de Aço (2013, dirigido por Zach Snyder) -, alguém que intimida a todos que faz questão de destacar para Elisa o seu lugar na pirâmide social. Em contraponto ao agente temos o Dr. Hoffstetler (Michael Stuthlbarg) - um cientista que, apesar de sua sede de conhecimento, é capaz de sentir empatia pelos outros, embora preso num mundo de perigosas forças políticas.

Alianças: O Dr. Hoffstetler (Michael Stuthlbarg) é um cientista que ajuda Elisa e a criatura

  

Certo dia o laboratório recebe uma criatura capturada nas selvas de “um país da América do Sul”, onde era adorada pelos nativos como um deus. (“ Eles jogavam para ele frutas, oferendas e depois iam combater as companhias de petróleo com arco e flechas! ”, diz a certa altura um general de 5 estrelas). Trata-se de um ser anfíbio, interpretado por Doug Jones (o Abe Sapiens dos filmes de , diz a certa altura um general de 5 estrelas). Trata-se de um ser anfíbio, interpretado por Doug Jones (o Abe Sapiens dos filmes de Hellboy, do mesmo Guilherme Del Toro, e o primeiro-oficial Saru, do seriado , do mesmo Guilherme Del Toro, e o primeiro-oficial Saru, do seriado Star Trek: Discovery), que os militares acreditam ser a chave para vencer os soviéticos na corrida espacial. O objetivo dos cientistas e militares é estudá-lo para conseguir alguma vantagem tecnológica que permita aos norte-americanos viverem num ambiente hostil aos humanos. Elisa, que sempre limpa as instalações, vai gradativamente fazendo amizade com a criatura e se comunica com ela por sinais, criando com o tempo um forte elo emocional.

 

O agente Strickland: mal em prol do "american way of life"


Del Toro nos apresenta seus personagens e seus dramas pessoais de forma segura. Ele evita maniqueísmos fáceis nesta fábula onde Elisa, a “princesa” imperfeita, salva o “príncipe-monstro” (que não precisa “ser curado” de sua condição) e vemos o desabrochar do amor dessa mulher de forma envolvente, inclusive com direito a um número musical digno da velha Hollywood. Arrebatador. Nunca uma mulher tida como “feia” e “sem graça”, fora do padrão de beleza vigente, foi tão sensual nas telas. A forma como os dois se tornam um casal flui de forma bela e natural.

 

O romance insólito floresce entre Elisa e a criatura
 
Mas, como todo herói precisa de um vilão, Strickland, não permitirá que esse romance frutifique facilmente. Shanon nos dá um vilão paranoico, torturado pelas cobranças do trabalho e de sua perseguição ao “Sonho Americano”, de se tornar um “homem de sucesso”, que tem uma carreira, uma casa, um casamento e um carro condizentes com as suas aspirações. Não importa o quanto isto o leve a ser cruel e brutal (eficiência acima de tudo!). Talvez o real “Monstro” seja o sistema vigente que leva tudo e a todos ao moedor de carne da produtividade. 
 
 

O de Del Toro é uma atualização do conceito de "O Monstro da Lagoa Negra"(1954)


 
Repetindo o feito de O Labirinto do Fauno (2006), que elevou Del Toro a um alto patamar na comunidade cinematográfica, A Forma da Água, apesar de sua modesta performance nas bilheterias, foi indicado a 13 Oscars, nas categorias: Melhor filme, diretor, atriz (Sally Hawkins) roteiro original (Del Toro & Vanessa Taylor) ator coadjuvante (Richard Jenkins), atriz coadjuvante (Octavia Spencer), fotografia, direção de arte, figurino, edição, trilha sonora, mixagem de som e edição de som. Esperemos que o filme se consagre na festa da academia para que permita a Del Toro desengavetar seu projeto de filmar “Nas Montanhas da Loucura”, o clássico de terror de H.P. Lovecraft.

 


 

0 comentários:

Postar um comentário