Amores simples, ordinários e reais...
por Alexandre César
(Originalmente postado em 16 /03/ 2018)
Philippe Garrel realiza filme simples, acessível e atemporal
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Philippe Garrel e as idas e vindas de um relacionamento |
Logo na sequência de abertura, vemos Gilles (Éric Caravaca), um professor divorciado de meia idade, com cabelo meio desgrenhado e barba por fazer (como todo intelectual de filme francês...), chegar ao trabalho. Antes de iniciar uma aula, leva a sua aluna Ariane (Louise Chevillotte), de 23 anos, para o banheiro dos docentes e tem um com ela um encontro sexual, rápido e intenso, embalado pelo fato de estarem fazendo algo que ninguém na faculdade deve saber. O discreto e o proibido. Gemidos que parecem dor, mas revelam prazer. Vida apenas. Assim é o tom de O Amante por Um Dia (2017), filme dirigido por Philippe Garrel, cineasta de ponta do movimento cinematográfico conhecido como Nouvelle Vague, mas pouco conhecido por aqui.
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Gilles (Éric Caravaca) e Ariane (Louise Chevillotte): o professor e sua aluna |
Garrel encerra neste filme a sua Trilogia dos Amantes, sobre relacionamentos amorosos e relações interpessoais. Além da temática, o filme tem com Ciúme (2013) e À Sombra das Mulheres (2015), outro denominador em comum: a belíssima fotografia em preto e branco (aqui a cargo de Roberto Berta) com sutis granulados que dão a ideia de que a história se passa em algum universo paralelo. Apesar dos personagens usarem smartphones e os carros e a paisagem serem contemporâneos, parece que estamos vendo uma história na Paris do início dos anos 60, pois a caracterização dos personagens - figurinos, penteados e acessórios - é bem neutra. Isso, aliado a outros recursos, como uma narrativa em off, cenas de caminhadas na rua e outras sutilezas, criam um aspecto atemporal para a obra.
Ao casal se junta Jeanne (Esther Garrel), filha de Gilles, também com 23 anos, arrasada e consumida pela dor do fim de um relacionamento intenso com o namorado com quem vivia. As duas jovens rapidamente se tornam amigas, dividindo confidências e cumplicidades próprias da faixa etária. Começamos a acompanhar o cotidiano dos três e vemos amor, amizade, sexo, infidelidade, mágoa e alegria se incorporando ao desenrolar de suas vidas. A narrativa elegante conta esta história extremamente simples, mas palpável. Não espere grandes reviravoltas ou momentos maiores do que a vida.
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Ariane (Louise Chevillotte) e Jeanne (Esther Garrel): cotidiano |
O roteiro de Philippe Garrel e Jean-Claude Carrière cria em 76 minutos personagens palpáveis, sem idealizações. Eles possuem uma boa dose de complexidade, apesar de parecerem viver no clichê: o universo de franceses burgueses entediados, só preocupados com o amor, sem se importarem com as contas a pagar. Não fosse o elenco afiado e a direção precisa e segura, teríamos um completo desastre, como em certos momentos em que o filme derrapa. Um é quando alguém tenta se suicidar, mas o ato soa tão falso, que dá uma pontada de orgulho lembrar das nossas telenovelas. Mesmo os mestres não são infalíveis...
E é só isso. Uma história simples, mas estruturada e narrada de forma complexa.
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Ariane (Louise Chevillotte) e Jeanne (Esther Garrel): confidências e cumplicidades |
Uma impressão curiosa que veio à mente é que, caso o filme não fosse realizado por um cineasta consagrado, poderia muito bem passar por um fanfilm (produção feita por amadores, mas que atualmente podem contar com alto grau de competência técnica, nada devendo a muitos filmes profissionais) que, ao invés de utilizar algum personagem ou universo pop, saído de obras como o universo da DC Comics ou de Star Wars, quisesse homenagear a Nouvelle Vague francesa dos anos 60. Com a qualidade de algumas produções do gênero que vemos por aí, isso não seria demérito algum.
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Um filme honesto |
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