Ódio e outras drogas
Ódio e outras drogas
por Alexandre César
(Originalmente postado em 19/ 03/ 2018)
Diane Kruger brilha em drama que discute a xenofobia
Cena inicial: Nuri Sekerci (Numan Acar), um turco cabeludo que está cumprindo pena por tráfico de drogas e vestindo um terno branco, é ovacionado por seus colegas de um presídio na Alemanha enquanto vai ao pátio onde irá se casar com Katja (Diane Kruger), uma bela loura tatuada que é uma ex-cliente sua. Apesar de estamos num presídio, o clima é alegre. Uma nova vida se inicia para ambos.
Anos depois, o casal, agora com um filho, é um exemplo de amor e cumplicidade. Os tempos das drogas e problemas com a polícia ficaram para trás e estão estabilizados, com um negócio próprio, que lhes dá a possibilidade de educar o garoto com amor e atenção. Pais dedicados, apesar das diferenças étnicas. O que poderia dar errado? Neonazistas. Após Katja deixar o filho com seu marido no escritório para sair com uma amiga, uma bomba de fabricação caseira destes extremistas feita de fertilizante, óleo diesel e pregos explode em frente ao estabelecimento matando-os de forma brutal, despedaçando seus corpos e a alma de Katja.
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Tragédia: O jovem Rocco (Rafael Santana) e seus pais Nuri Sekerci e Katja |
Em linhas gerais este é o argumento de Em Pedaços (2017), drama dirigido por Fatih Akin, selecionado para representar a Alemanha no Oscar 2018 e que deu à Diane Kruger o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes por sua interpretação visceral, numa obra que discute temas pertinentes ao momento atual como: xenofobia, preconceito e radicalismo.
Percebemos que seus dias de Helena em Tróia (2003, de Wolfgang Petersen) já vão longe, mas talvez Kruger agora seja uma merecedora ainda maior de que mandem uma esquadra de mil navios em sua busca, tal a beleza madura que exibe temperada com um olhar triste, partido e desesperançado de quem perdeu o chão no qual trilhava sua vida.
Ela identifica um casal de neonazistas como os autores do atentado, mas, para a sua surpresa, seu depoimento e as provas apresentadas são desacreditadas pelo advogado dos réus devido a tecnicalidades, uma “dúvida razoável” e um indelével preconceito em relação a ela. Os esforços de Danilo (Denis Moschitto), seu advogado, não são suficientes, gerando nela um sentimento de revolta que é um verdadeiro soco no estômago para os mais sensíveis.
Fazia tempo que um título não caía tão bem para retratar o estado de uma protagonista. Katja, ao longo do filme, está em pedaços no plano emocional, racional, espiritual e mais além, atravessando todas as etapas do luto. O gosto que a catástrofe em sua vida deixa em sua boca, leva-a à diversas formas de tentar aplacá-lo, seja com cigarros de tabaco ou cannabis, bebida, pílulas e cocaína, além da vontade de dar o troco, mostrando o lado viciante do ódio.
O roteiro de Akin e Hark Bohn divide a narrativa em três capítulos (“Família”, “Justiça” e “O Mar”), intercalando, com a narrativa principal, vídeos caseiros de celular que mostram a vida daquela família e realçam a solidão e a angústia de Katja, cujos atos vão levá-la a um desfecho que intuímos e aceitamos como inevitável, tal é a intensidade da performance da atriz.
Ao fim percebemos que, tanto como as drogas, a bebida ou os cigarros (que os personagens consomem de maneira industrial), o ódio também é algo viciante, sendo consumido tão cotidianamente em suas vertentes de xenofobia, fundamentalismo, ou qualquer outro rótulo de preconceito, que o seu uso acaba se tornando invisível ao usuário, não importando qual parte do mundo ele habita ou sua classe social.
O ódio vicia.
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