Amar a mudança e abraçá-la...
Amar a mudança e abraçá-la...
Amar a mudança e abraçá-la...
por Alexandre César
(Originalmente postado em 12 / 07/ 2018)
Roteiro esperto e bons personagens cria romance fofo
-“Mamãe, eu sei que o papai mudou e não é mais aquele homem que você conheceu no passado, mas as pessoas mudam e isto pode fazer as pessoas se aproximarem mais ou se afastarem de vez. E na verdade, a senhora mudou também! Se aproximem de novo!”
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A mais velha e maluquinha Jolene (Debby Ryan) e a doce e tímida Rhiannon (Angourie Rice): Irmãs unidas |
Com esse diálogo, a jovem Rhiannon (Angourie Rice), uma garota de 16 anos, resume a mensagem de Todo Dia (2018, de Michael Sucsy), baseado no best-seller romântico juvenil de David Levithan. seu tema é a aceitação da mudança como algo inerente na caminhada da vida - seja pelo próprio processo do crescimento/ amadurecimento/ envelhecimento; seja porque, em decorrência de nossas experiências nesse processo, mudam as nossas prioridades, expectativas e tudo que nos fazem aceitar, mudar ou recusar coisas, valores ou até pessoas. Viver é aceitar a mudança e até ansiar por ela em alguns casos.
No filme, Rhiannon tem um dia para lá de especial com o seu namorado, Justin (Justice Smith), que acordou com um jeito e um olhar em relação a ela que a garota nunca havia visto, ficando gamada.
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... reaparece como Amy (Jeni Ross)... |
Mas, no dia seguinte, ele não se lembra de nada do que fez ou falou, voltando a ser o mesmo meia-boca de sempre. Intrigada, ela começa, ao longo dos dias, a ser abordada por vários(as) jovens, da mesma idade mas de tipos bem distintos, e constata, depois de certo ceticismo inicial, que está apaixonada por uma “pessoa” chamada "A" que habita um corpo diferente todos os dias, mudando sempre após a meia-noite.
Tendo uma conexão fortíssima, Rhiannon e A trabalham todos os dias para encontrar um ao outro, sem saber o que ou quem o próximo dia irá reservar. Quanto mais o romance progride, maiores são os desafios de amar alguém nesta condição, pois, cada dia, A pode mudar de tipo cultural, racial e gênero, levando o casal a refletir e tomar uma séria decisão sobre o seu relacionamento.
Ao longo do filme vamos vendo o desenrolar do relacionamento dos dois, com lances divertidos (o garoto que diz ter sido “possuído pelo diabo” é hilário), tocantes e, em alguns momentos, com um certo potencial dramático, como quando A assume o corpo de uma jovem depressiva que planeja se suicidar.
Neste processo vemos as questões que tanto assombram o universo adolescente, como a descoberta do amor, as inseguranças quanto ao futuro, a aceitação por parte dos pais, parentes e de si mesmos, o lidar com a própria identidade (seja CIS ou TRANS, pois A confessa que foi várias vezes, à medida que crescia, tanto namorado quanto namorada) de forma intensa e às vezes exagerada (como todo adolescente...). Tudo isso refletindo o universo teen millenial com a sua inserção cotidiana das redes sociais. Como A está sempre mudando, ele não leva nada da sua vida além das próprias lembranças e a sua conta do Instagram, que ele todo dia atualiza com uma foto da sua face do dia.
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... ou ainda como Xavier (Colin Ford)... |
a história se utiliza de facilidades para o roteiro andar. Se A não tem controle sobre em quem ele vai acordar no dia seguinte, porque ele sempre acorda (independente de gênero e raça) no corpo de um(a) adolescente típico(a) da classe-média americana, com smartphone, acesso a carro e sem ter de se preocupar com algo mais do que passar de ano e resolver as questões do coração? Queria ver se ele acordasse como um imigrante ilegal, um jovem do Harlem, ou qualquer outro fora do perfil do público consumidor do filme. Se ele tivesse de lutar para viver mais um dia, se deslocaria em busca de Rhiannon com a mesma paixão e ímpeto???
O elenco afiado transmite simpatia e identificação, seja nas diversas faces de A ( Lucas Jade Zumman, Jeni Ross, Owen Teague, Jacob Batalon, Ian Alexander, Jake Sim, entre outros), seja na família da protagonista - que inclui a agitada Jolene (a ex-atriz Disney Debby Ryan, a eterna Jessie), a irmã mais velha de Rhiannon, no seu pai Nick (Michael Cram) e na sua mãe Lindsey (Maria Bello). Estes dois últimos vivendo uma relação de aparências. Seu pai surta após perder seu emprego de vendedor de seguros e sua mãe se vê obriga a assumir mais um emprego para manter as despesas da casa. Não dormem mais juntos e seu pai vive pintando quadros em busca de um “tempo perdido” e sua mãe parece estar envolvida com outra pessoa.
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... e outros, como o Trans Vic (Ian Alexander) |
Em função de sua situação romântica insólita, Rhiannon acaba confrontando a sua própria recusa em querer encarar o quadro disfuncional de seus pais e em procurar entender o lado de cada um dos dois. Deste confronto vem o diálogo reproduzido no início este texto, que enfatiza a questão da mudança e de que nem tudo é para sempre, mas cada um e cada coisa tem o seu próprio tempo para mudar, seja longo ou curto, e que o tempo de cada um não define que haja um melhor ou pior do que o outro. O que importa apenas é o quanto esta mudança nos fez crescer e seguir adiante, guardando no processo os bons momentos e agradecendo por eles existirem e só.
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