sábado, 30 de outubro de 2021

O poder do legado - Crítica - Filmes: Ghostbusters - Mais Além (2021)

 


A passagem de bastão


por Alexandre César


Mix de aventura, fanservice, empoderamento e humor 
 

 

Os originais: Egon Spengler (Harold Ramis), Winston Zeddmore (Ernie Hudson), Peter Venkman (Bill Murray) e Ray Stantz (Dan Aykroyd)


Em 1984 fomos apresentados a uma trupe de três pesquisadores de parapsicologia que foram expulsos da universidade e, precisando sustentarem-se abriram um negócio de caça e captura de espíritos irrequietos, conquistando popularidade até que o volume de trabalho cresceu, e eles arrumaram mais um membro e juntos, acabaram salvando Nova York da destruição por um antigo deus sumeriano e, anos depois, pelo espírito de um déspota alquimista do leste europeu, e assim prosseguiram até que a demanda foi caindo, e eles tiveram que fechar o negócio e seguir cada um, para uma direção.
 
 
Agora, uma nova e involuntária geração

 
Os Caça-Fantasmas (Ghostbusters) foi um dos maiores sucessos de Ivan Reitman (Almôndegas) e da Colúmbia Pictures na década de 1980, ganhando o coração de toda uma geração, que acolheu a marca, que inclusive era o título de uma série de TV homônima*1, virando uma febre que gerou uma ótima série animada e, uma continuação mediana em 1989, mas que nunca conseguiu estabelecer-se como franquia, apesar do hype adquirido. Tentou-se uma reimaginada do conceito em 2016, que apesar das boas idéias, não conseguiu superar a rejeição de parte do fandon*2, levando novamente este universo ficcional a hibernar, enquanto crescia a nostalgia oitentista, gerando uma reverência ao grupo, no meio pop*3.
 
 
A mãe solteira Calie Spengler (Carrie Coon) e seu filho Trevor (Finn Wolfhard) herdam a propriedade do falecido Dr. Egon Spengler, pai e avô ausente

A casa é boa, mas muito mal cuidada, precisando de reforma


Dirigido por Jason Reitman (Amor Sem Escalas), filho de Ivan, com roteiro de Gil Kenan (A Boy Called Christmas), Dan Akroyd (Os Irmãos Cara-de-Pau) e Jason Reitman, Ghostbusters - Mais Além (2021) chega no momento certo e da maneira certa, resgatando o apelo nostálgico, e revitalizando a franquia para uma nova geração, dando um frescor irresistível para velhos e novos fãs, com uma ótima direção de atores (que dão aquilo que é estritamente necessário ao desenrolar do filme) e inova, ao focar-se mais naquele que, na minha modesta opinião, sempre foi o melhor, e menos explorado personagem do grupo: Egon Spengler (o finado Harold Ramis) o verdadeiro cientista do grupo, apostando o filme no conceito de honrar um legado e da necessidade de se passar o bastão à geração seguinte, em momentos poéticos e emocionantes.
 
 
"Neta de peixe... " : A caçula Phoebe (Mckenna Grace) puxou a afinidade com a ciência do avô

 
O núcleo central é a família disfuncional mononucleada composta por Calie (Carrie Coon de Vingadores: Guerra Infinita) filha do finado Egon (que não o vê há anos) e seus filhos: Trevor (Finn Wolfhard de Stranger Things) adolescente em busca de seu lugar no mundo, e a caçula Phoebe (Mckenna Grace de O Conto da Aia) geniazinha que herdou a afinidade com a ciência do Dr, Egon Spengler (cujo passado ela desconhece). A economicamente quebrada família herda a propriedade de Egon, que é uma fazenda para lá de mal cuidada, próxima à cidadezinha de Summerville, nos cafundós do estado de Oklahom. A fazenda, não produzia nada, tendo um celeiro arruinado e uma casa de aspecto digno de O Massacre da Serra Elétrica, tal é o seu aspecto descuidado. Eles são recebidos por Janine Melnitz (Annie Potts de O Jovem Sheldon) a antiga secretária do grupo, que cuidava dos aspectos legais, que lhe transfere a propriedade e fica por lá mesmo, já que foi despejada. Os figurinos de Danny Glicker (Calmaria) definem bem essa família representa a geração Nomadland, à margem do mitológico “Sonho Americano” pela falta de perspectivas, com suas roupas básicas e baratas, sem muito charme ou grifes.
 
 
Nostalgia: Janine Melnitz (Annie Poots) é uma das muitas participações do filme

 
À medida que Trevor e Phoebe vão se enturmando como podem na cidadezinha local e sem graça, coisas estranhas vão acontecendo, relacionadas à uma antiga mina de selênio, que outrora fora a principal fonte de empregos da região, e que agora, desativada, é palco de misteriosos abalos sísmicos. Sr. Grooberson (Paul Rudd de Homem-Formiga e a Vespa) o professor de Phoebe se interessa por Calie, enquanto a menina faz amizade com Podcast (o ótimo Logan Kim de Home Movie: The Princess Bride) que mantém um podcast sobre teorias conspiratórias e ocultismo e Trevor, consegue um emprego na lanchonete em que Lucky (Celeste O´Connor de Perfeita Pra Você) garota por quem se interessa, trabalha.
 
 
Sr. Grooberson (Paul Rudd) o professor de Phoebe se surpreende com o intelecto da menina, e com a sua ascendência...
... que logo se faz necessária, face o despertar de um mal muito antigo

 
A fotografia de Eric Steelberg (Juno) ora com cores quentes e ora com tons mais dessaturados, junto com o desenho de produção de François Audouy (Logan) e a direção de arte de Connery Davoodian (Viúva Negra), A.Todd Holland (Se Beber, Não Case), Bill Ives (Togo), Scott Meehan (Havaí Cinco-0), Tom Reta (Projeto Gemini) e Ravi Bansal (Velozes & Furiosos 9) criam espaços que refletem o abandono das cidades do meio-oeste americano (ou o que achamos ser já que o filme foi rodado em Calgary, província de Alberta, no Canadá) com suas casas meio sem graça, além da propriedade decadente dos Spengler, a típica casa-assombrada e o sinistro interior da mina, que descobrimos ter conexão com a estrutura metálica de um certo arranha-céu de Nova York...
 
 
Logo Phoebe, "Podcast" (Logan Kim) e Trevor abraçam o lado aventureiro da família
 
 
Aos poucos, tanto Phoebe, Podcast e Trevor (com uma certa ajuda "do além"), vão resgatando seja em adereços, seja em trajes ou anotações, o passado de Spengler, e suas conexões com os eventos de 1984. A decoração de sets de Kelsey Fowler (Jumanji: Próxima Fase), Paul Hearly (O Legado Bourne) e Peter Lando (Elysium) cumprem à risca sua tarefa de recuperar os gadgets tão queridos dos fãs, como a armadilha para fantasmas, a mochila de prótons e, o bom e velho Ecto-1, que logo a galera coloca em uso, para assombro e entusiasmo de Grooberson e o desespero de Calie, que só queria uma vida normal, sem ligações com o passado de seu pai ausente.
 
 
As forças do Mal vão se fazendo presentes na cidadezinha

 
A maioria dos personagens secundários são pouco desenvolvidos, falando e fazendo apenas o que é necessário para a história andar, como o Sherife Domingo (Bokeem Woodbine de Homem-Aranha: De Volta ao Lar) pai de Lucky, que quando prende a turma por estripulias, ao lhe permitir um telefonema faz a clássica pergunta (e trecho do hit de Ray Parker Jr.): -“Who you gonna calll?” e a partir daí , esperem rostos conhecido num fanservice bem orquestrado e orgânico, que a edição de Dana E. Glauberman (O Mandaloriano) e Nathan Orloff (Plano B) colabora com um pique narrativo intenso nas cenas de ação, mas providenciando os momentos certos de respiro, para novamente acelerar, pausar e, sublinhada pela música de Rob Simonsen (O Caminho de Volta) que em vários momentos-chave resgata os temas de Elmer Bernstein.
 
 
Logo. artefatos importantes do grupo como a "Mochila de Prótons" e o "Ecto-1"...
...mostram porque são tão queridos do público, num resgate nostálgico irresistível

 
Ao longo de seus 124 minutos, esta aventura, com toques de comédia (e não uma comédia com toques de aventura) sabe usar bem os limites da classificação PG-13 e graças ao ótimo trabalho de supervisão de efeitos visuais de Alessandro Ongaro (MIB: Homens de Preto - Internacional) e Michael ‘Tiny’ Alcorn (Jurassic World: Reino Ameaçado), Stuart Allan (Mundo em Caos), Eoin O´Sullivan (Doctor Who) consegue que os efeitos visuais de Crafty Apes, MPC, DNEG, Double Negative, Proof Inc., Clear Angle Studios nos brinde com um dos momentos mais belos e incríveis do ano, celebrando o legado da franquia, e que levarão alguns às lágrimas por um momento tão singelo.
 
 
Lucky (Celeste O´Connor) se une a Trevor, Phoebe e "Podcast" firmando a nova geração da equipe. Agora é arregaçar as mangas e trabalhar duro!

 
Ghostbusters - Mais Além celebra o legado de seus personagens, a reconciliação entre o velho e o novo de forma divertida e emocionante, apontando novos rumos para a franquia, cuja cena pós-créditos nos permite imaginar que desta vez você saberá a quem recorrer quando algo estranho acontecer na sua vizinhança...
 

"-Sentiram a nossa falta mortais???"



Notas:



*1: Ghostbusters era o título de uma série da Filmation de 1975 estrelada por Forrest Tucker (Kong), Larry Storch (Spencer) e Bob Burns (Tracy, o gorila). A série (conhecida no Brasil como Trio Calafrio) não é relacionada com o filme de Ivan Reitman, fato pelo qual a Columbia Pictures pagou à Filmation pelo licenciamento do uso do título. Dan Ackroyd e Harold Ramis não tinham conhecimento da série quando escreveram o roteiro e, quando foi anunciado o título do filme, já em produção, foi que descobriram que o nome já era usado, levando-os a fazer um acordo quanto aos direitos de uso do nome, que em seus detalhes não impedia os direitos de fazer uma animação e a Filmation produziu a sua própria série animada em 1986, após o sucesso do filme da Columbia.
 
 

 
*2: O filme Caça-Fantasmas (2016) de Paul Feig apesar das boas críticas, foi alvo na internet de uma grande campanha de boicote por parte de fãs raivosos que acusavam o filme de ser “lacrador e feminazi”, por ter um elenco feminino e não o original, refletindo o momento da época quando a extrema-direita e o conservadorismo estavam dando as caras, o que ajudou o filme à naufragar nas bilheterias.
 
 


*3: Dentre as referências mais recentes ao filme, temos o episódio de Stranger Things em que os garotos se fantasiam de Caça-Fantasmas no Halloween, sendo inclusive um traje muito popular entre os cosplayers.
 
 

 
 
 

♪♫ -“If there´s something strange in your neighborhood ♪♫ Who you gonna calll???” ♪♫

 

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