quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Brincar ou não brincar na bolha? - Crítica - Filmes: R.O.N. Bugado (2021)

 



Friends Will Be Friends*1

por Ronald Lima


"Ela não anda, ela desfila. Tira foto no espelho pra postar no facebook"*2

 

    Em uma entrevista na famosa discoteca Nova-iorquina, Studio 54, o artista plástico norte americano Andy Warhol*3 cunha uma frase que resume muito bem o momento que vivemos: "No Futuro todos serão famosos por 15 minutos, quando toda produção for massificada." Essa 2ª parte da frase certamente não é divulgada, simplesmente porque revela a fórmula para o sucesso tão efêmero. É a necessidade em se criar algo novo para que essa novidade possa ser consumida o mais rapidamente possível em demandas cada vez maiores, é o mecanismo da sociedade de consumo e ao mesmo tempo sua armadilha.  
 
Vivemos em um Mundo cada vez mais Digital, onde 15 minutos e até menos, pode ser literalmente o instante que sua imagem e até sua vida será transformada em um produto de consumo. Sensacional? Assustador? Tudo pode acontecer... 

E como tudo isso entra na cabeça de uma criança? Para ser franco? Simplesmente entra porque é o que está aí para se viver, e pronto... Simples assim, não a toa a maior parte delas hoje usam os mais diversos gadgets com muito mais facilidade do que adultos, sendo apenas uma atividade motora, um ensino ético e comportamental se faz muito necessário. A animação trás essa discussão de como crescer na Era das Mídias Sociais. 

 
-"Ele é bugado mas é meu amigo*4"

 
Todo esse mundo digital é para quem tem acesso a esses aparelhos é claro e não é o caso de Barney Pudowski (Jacob Dylan Grazer). Sua vida e a de sua família estão nos primeiros passos da realidade digital... Os Pudowski ainda são bem analógicos. Uma família pequena formada pela avó de Barney, Donka Pudowski (Olivia Colman), uma senhora de forte presença que demonstra seu pensamento de modo muito físico e encara o dia a dia com muita disposição, sempre com alguma ferramenta a mão, carinhosa e criadora de galinhas e cabras, fator para deixar bem marcado o contraste entre esse pequeno mundo onde vive Barney. Donka é uma imigrante da Bulgária. O pai de Barney é Graham Pudowski (Ed Helms), um sujeito tímido e desajeitado e bastante ausente que não percebeu que seu filho cresceu, mas essa pequena família é unida e palpável nas suas relações, como foi dito, Barney está crescendo e sente a necessidade de socializar-se porém é o típico garoto tímido/ esquisito do colégio que coleciona de pedras, fica difícil... O visual de Barney me remete ao personagem símbolo da Revista MAD, Alfred Neuman*5, sem o jeito irônico e maldoso desse personagem é evidente.

O acesso a novidades tecnológicas estaria restrito a uma condição social?


Toda a história se desenrola em uma pequena cidade fictícia que mal sabemos o nome; como um pequeno panorama dos E.U.A. (ou do Mundo) onde inclusive uma grande empresa de tecnologia denominada - A Bolha - tem ali sua sede.

A vida de todos será tremendamente impactada por conta da mais recente criação dessa Big Tech - Um dispositivo tecnológico tão avançado e complexo do que qualquer mídia digital conhecida.
 
A apresentação dessa nova mídia é realizada através de um verdadeiro show de lançamento com os dois CEOS*6 idealizadores de tal façanha, um deles é o ex-nerd Marc (Justice Smith), que planejou tudo para ajudar as crianças a fazer amigos, e o seu sócio sênior investidor majoritário Andrew Morris (Rob Delaney) que é friamente calculista; essa leitura de empresário bom e outro empresário mal dá um tom de Fábula na história. 

"Estamos aqui para vender meu caro! As indústrias precisam ter lucro. É eu sei mas..."

Durante os minutos dessa apresentação é difícil evitar a sensação de que somos manipulados por todos os lados por corporações privadas que simplesmente nos capturam atendendo nossas vontades e desejos, somos atendidos à base de valor de compra. Vivemos a realidade do livro Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley*7, uma Utopia que é de fato Distópica.

Mas afinal que dispositivo é esse capaz de tantas maravilhas? Chama-se B-Bot, o novo brinquedo indispensável, um pequeno robô em forma de Kinder Ovo que grava vídeos, joga games e irá conhecer e compartilhar todos os seus gostos e hobbies permitindo se conectar com outras crianças com o mesmo gosto, e ainda lhe acompanha e interage como um amigo/ pet eletrônico adaptando-se às suas brincadeiras... Incrível não é mesmo?  Ações dignas de um cérebro positrônico*8.

"Tem b-bots por todo lugar... Subindo e descendo em todas direções"*9


Evidente que o sucesso é imediato e a busca por likes para cada live é intensa. Se você gosta de games todos que curtem podem ser tornar seus amigos e compartilhar jogos, todos reforçam seus nichos, desde a turminha popular do colégio passando pelos nerds e inclusive os encrenqueiros... Todos? Não!

Mas um conformado Barney também ganha o seu graças ao esforço de seu pai e avó que precisaram contornar suas dificuldades financeiras para conseguir de modo inviesado um B-Bot. Barney fica sem entender porque justo o seu B-Bot não é como aqueles que viu no colégio, afinal basta um toque com a palma de sua mão e pronto. É bem engraçado quando a inicialização se dá incorretamente com aquele velho som dial-up com estática. Este B-Bot danificado irá transformar a realidade não somente do confuso Barney. Esse pequeno, defeituoso e super fofo robozinho será denominado - RON - Run Of Network - (voz de Zach Galifianakis). RON possui uma programação básica e não sabe ao certo qual seu propósito e Barney sabe muito bem qual, ele está ali para ser o SEU amigo, mas a questão é como fazer com que esse pequeno e esquisito presente que ganhou entenda o mesmo. RON desenvolve uma personalidade curiosa, e sua inocência cria situações e expressões inapropriadas em alguns momentos e somada a nova experiência de Barney em lidar com "outra pessoa" tudo pode acontecer; o visual minimalista de RON poderia ser um desafio para se expressar mas é rico e interessante as gags visuais criadas. 

Ambrósio!!

RON não é a máquina de mídia social em que todos que a utilizam cantam, dançam, lutam, tiram selfies e adquirem identidades visuais em afinidade aos seus donos. RON é uma folha em branco com configurações de fábrica ligeiramente instáveis. Barney e RON sem perceberem passam por um complicado processo de aprendizado com muitas voltas, idas e vindas onde pode ser difícil e confuso para ambos mas para o público que assiste serão momentos divertidos, ternos e alguns previsíveis, um caminho em direção a objetivos comuns que devem ser o de uma verdadeira amizade -  afeto, lealdade, proteção e compreensão.

"Você também será devolvido para a fábrica Ambrósio?"

Conflitos externos fazem parte da Vida e após uma grande confusão surgida na cidade e principalmente no colégio graças a presença de RON, em que dessa vez a turminha que apronta mil e uma confusões é apenas esse robozinho inocente e bem intencionado. Essa confusão do colégio será um ponto de virada na narrativa onde vemos o quanto pode custar a ânsia em conseguir likes e milhares de visualizações. Você pode ter amigos, mas quando cada um se mantém em suas bolhas para satisfazer apenas seus desejos e vontades olhando o outro simplesmente como alguém que não gosta do que você gosta não vai ajudar em nada ter o que de melhor o dinheiro pode adquirir.

A Corporação descobre que um produto defeituoso está por aí e para piorar com uma inesperada programação alternativa aos seus B-Bots, logo passa a qualquer custo tentar recuperar esta unidade, vemos uma utilização dos inocentes B-Bots a revelia de seus donos que irá reforçar várias teorias conspiratórias muito comuns na internet. Barney terá que esconder seu novo melhor amigo. Essa procura causa uma disputa interna entre os CEOs, não faria sentido o roteiro criar um CEO super legal e descolado e um outro completamente oposto como dito acima sem criar um momento de tensão entre eles.

-"Acho que ninguém vai me notar aqui..."

Este é um filme bem-humorado com dois personagens fora dos padrões, cujo softwares de ambos de alguma forma os tornam inaceitáveis ao Mundo.

Bugigangas tecnológicas muito custosas e sem alma que apenas reforçam a necessidade de sermos aceitos mas não preenche uma relação de contato maior nos são entregues todos os dias, seria legal que fossem reprogramados para serem um pouco como o bom e adorável RON. O filme não descarta que a tecnologia digital e as mídias sociais estão aí, porém lança a proposta que tudo isso poderia ser muito mais humano. O final trás uma lição de abnegação que sensibilizará a muitos com certeza e reforça o tom de Fábula Moderna ao enredo.
Atualmente se faz extremamente necessário mostrar, educar e revelar o que são as mídias digitais. Precisamos entender que a nossa vida e a do próximo não estão em uma bolha pois essa bolha lhe é entregue com a ilusão que ela foi uma opção sua. A resposta como indica essa produção vem de baixo para cima o de dentro para fora se preferir.

-"Qual é mano?! Somos amigos não somos?"



Notas:
 
*1: letra da música "Friends Will Be Friends" do Queen.

*2: letra da música "Ela é Top" de MC Bola.

*3: Andy Warhol - artista plástico norte americano que introduziu nas artes plásticas o cotidiano industrial da vida moderna com obras que exibiam latas de sopa ou pilhas de caixas de sabão em pó, na pintura utilizou a técnica da serigrafia para produzir quadros de personalidades de inúmeras áreas - políticos internacionais como Mao Tsé Tung e Che Guevara e celebridades do cinema como Marilyn Monroe e Liz Taylor.

*4: Referência a trecho da música: "Ele é corno mas é meu amigo" do cantor, compositor e palhaço Tiririca.

*5: A Revista MAD - Revista satírica de humor dos costumes da classe média norte americana, criada em 1952 pelo editor da EC. Comics, William Gaines e o cartunista Harvey Kurtzman para driblar a censura que existia nos E.U.A. contra as histórias em quadrinhos. A revista MAD renovou inclusive no formato para evitar se enquadrar como revista infanto juvenil. O personagem símbolo do título surgiu em 1954, é um sujeito magro e desengonçado de rosto largo e grandes orelhas com um contido sorriso irônico e enorme falha entre os dentes da frente, Alfred Neuman.

*6CEO é a sigla em inglês de Chief Executive Oficcer, se traduz para Diretor Executivo. Indivíduo com a maior autoridade na hierarquia operacional de uma empresa. As maiores fortunas atuais são ligadas as mídias digitais e hoje a disputa geo-política igualmente se refere a empresas dessa área.

*7: Aldous Huxley - Escritor inglês humanista e pacifista que em 1932 publica o conto: Admirável Mundo Novo onde antecipa a tecnologia reprodutiva, manipulação psicológica por meio de técnicas dissimuladas e condicionamento dos comportamentos onde uma sociedade pode ser facilmente conduzida através de estímulo e resposta. 

*8: Cérebro Positrônico - Conceito científico ficcional criado pelo escritor russo/ norte americano Isaac Asimov. Seus circuitos são constituído de platina e irídio que produzem descargas elétricas semelhantes as sinapses orgânicas. Seu processamento se baseia em uma programação com 3 leis morais conhecidas como Leis da Robótica que em resumo impede que qualquer robô possa fazer mal a um ser humano e sua expansão e capacidade depende do relacionamento que o autômato desenvolve com o ambiente.

*9: Referência a trecho da música: "Anjos de Deus" do compositor Elizeu Gomes, muito difundida pelo Padre Marcelo Rossi
 
 

 
 

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