quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Bozo do mal... - Crítica - Filmes: It - Capítulo Dois (2019)

Criança, não aceite balões!!! 

por Alexandre César 
(Originalmente postado em 05/ 09/ 2019)


  A saga se encerra de forma mais do que satisfatória

 


A capa da fita dupla de vídeo da primeira adaptação, com Tim Curry como o palhaço do mal

Coulrofobia: Termo psicanalítico para designar o medo de palhaços. Quem sofre essa fobia quer distância real física de pessoas trajadas como palhaços, e até mesmo de imagens (através de fotos, filmes), havendo relatos de pessoas que se sentem mal apenas ao falar na palavra "palhaço" , isso se dá porque a mente está associada ao sofrimento. Neste caso, à alguma experiência traumática relacionada a alguém trajado de forma não-convencional, que acaba associado ao conceito do personagem. Ao falar, pensar, ver ou ouvir algo que remeta imediatamente o problema que se acredita ter no contato com palhaços a pessoa sofre a dor e angústia do contato real. Ou seja, a mente "engana" a pessoa, e o que era para ser imaginário se torna real dentro do pensamento. Um prato feito para os psicólogos e terapeutas...


Agora quem dá vida a Pennywise é Bill Skarsgard...

Stephen King fêz nome e fortuna trabalhando os medos mais uterinos da mente contemporânea, embora a maioria das adaptações de suas obras tenham apenas arranhado a superfície de seus romances, caindo na maioria das vezes no caminho fácil dos filmes-de-susto e do gore fácil ao invés de se aprofundarem de fato nas motivações psicológicas e na grande alegoria que as histórias de terror oferecem sobre o que é viver em sociedade...
 

A aranha em stop-motion da série é um clássico da infâmia...


It: Uma Obra Prima do Medo (1990) dirigida por Tommy Lee Wallace (A Hora do Espanto 2 de 1988) com Richard Thomas (o eterno John Boy Walton) mini série em duas partes, foi a primeira adaptação do romance It (1986) de King, trazendo Tim Curry numa memorável performance como o diabólico Pennywise, o “Bozo do Mal(atualmente uma certa figura pública tomou para si este título...). O resultado final foi morno, em que pesem os erros e acertos da produção que falava de forma alegórica dos medos e dos ritos de passagem da infância para a juventude e desta para a vida adulta, e da necessidade de enfrentar os medos, e de assumir as responsabilidades decorrentes de tomar as rédeas do próprio destino.
 
 
"Agora a brincadeira ficou séria!!!"


 
Eis que décadas depois chega It: A Coisa (2017) num momento em que o terror retoma seu lugar como garantia de boas bilheterias, numa boa relação custo/receita, graças em boa parte ao universo compartilhado dos filmes do diretor James Wan (o “Wanverse” de Invocação do Mal e de Annabelle) que inclusive o levou a revitalizar outros gêneros e personagens (Aquaman). Se a maré está para o mal, porque não apostar nas obras de um dos maiores mestres da atualidade? 
 
 


"Otários": O grupo cresceu e apareceu...

 
O tiro foi certeiro, trazendo bons sustos, fidelidade à obra, direção e caracterização de personagens no ponto,e um intérprete que criou a nova face de Pennywise: Bill Skarsgard, que saiu dos papéis secundários para ficar no centro da ribalta, tal como Boris Karloff com o monstro de Frankenstein, Christopher Lee com o Conde Drácula ou, Robert Englund com Freddy Kruger...
 
 
 

Bill (James McAvoy no alto) fala a Eddie (James Ransone), Beverly (Jessica Chastain), Richie (Bill Hader), Richie (Bill Hader), Mike (Isaiah Mustafa) e Ryan (Jay Ben) um discurso motivacional para acabarem com o palhaço...

 
O filme acabou sendo aclamado pela crítica e arrecadou mais de US$ 700 milhões de dólares em todo o mundo. Redefinindo e transcendendo o gênero, IT A Coisa tornou-se um fenômeno cultural. Agora era seguir no caminho certo e fechar a trama de maneira digna e rentável...
 
 
 

São dadas pistas sobre as origens de Pennywise.Deixa para um Prequel??? Só os deuses sabem...

 
Dirigido novamente por Andy Muschietti (Mama) It: Capítulo Dois (It Chapter Two 2019) tem roteiro de Gary Dauberman (IT: A Coisa, a cinesérie Annabelle) baseado no romance homônimo de 1986 de Stephen King, dá prosseguimento ao desenvolvimento do filme anterior e ainda aprofunda psicologicamente seus personagens, aproveitando o potencial de seu bom elenco.
 
 


Sempre que há um palhaço, há um circo ou parque de diversões por perto...


 
Ambientado em 2016, vinte e sete anos após os eventos de 1989 descritos no primeiro filme. Vinte e sete anos depois do Clube dos Otários derrotar Pennywise (Bill Skarsgard, surtado e vicioso), ele volta a aterrorizar a cidade de Derry mais uma vez, arrastando as crianças para as sombras novamente, então Mike (Isaiah Mustafa de Caçadores de Sombras), o único do grupo a permanecer em sua cidade natal,que permanece como um “fiel do segredo” chama os outros de volta para casa. 


Derry, como em toda a história de Stephen King, fica no estado do Maine....

 Agora adultos, os Otários há muito tempo seguiram caminhos separados, mas ainda carregando em seu íntimo os traumas do confronto passado, que se refletem em suas vidas adultas: Bill (James McAvoy da cinesérie X-Men, Fragmentado, Vidro), agora escritor, embora bem-sucedido tem problemas de finalizar suas obras; Beverly (Jessica Chastain de A Hora Mais Escura, Mama, A Grande Jogada), vê-se presa num casamento tóxico e abusivo; Richie (Bill Hader da série Barry da HBO, Irmãos Desastre), embora um bem-sucedido comediante, vive problemas de auto-ceitação; Mike, por permanecer em Derry, sente-se empacado no tempo e no espaço; Ben (Jay Ryan da série Mary Kills People), virou um arquiteto revolucionário, deixando de ser o gorducho do grupo mas ressente-se de não ter conquistado o amor da sua vida; Eddie (James Ransone (da série The Wire), tornou-se analista de riscos, ao canalizar suas fobias, e Stanley (Andy Bean de Swamp Thing, a cinesérie Divergente: Convergente) não suporta a ideia de voltar. Traumatizados pelas experiências de seu passado, eles devem dominar seus medos mais profundos para destruir Pennywise de uma vez por todas colocando-se diretamente no caminho do palhaço, que se tornou mais mortal do que nunca.


A união faz a força: Todos terão de lutar para vencer o mal, ou morrer tentando...

Alternando entre a época atual com seus protagonistas adultos e suas versões mirins, um ótimo elenco juvenil, o filme acaba ecoando outro clássico baseado numa obra de King: Conta Comigo (1986) de Rob Reiner, que também lidava com os ritos de passagem da infância para a vida adulta.Temos aqui reprisando seus papéis como os membros originais do Clube dos Otários estão Bill (Jaeden Martell), Beverly (Sophia Lillis), Richie (Finn Wolfhard de Stranger Things), Mike (Chosen Jacobs), Ben (Jeremy Ray Taylor), Eddie (Jack Dylan Grazer) e Stanley (Wyatt Oleff). 


O grupo retorna às profundezas da cidade para o ninho de Pennywise...

 Dizer que os jovens intérpretes são ótimos é chover no molhado, para quem já acompanhara o filme anterior, ficando aqui o bom trabalho de caracterização e de direção de atores, se encarregando de através de linguagem corporal, tiques, olhares, além de semelhança de biotipos, não demoramos a aceitar cada intérprete como o seu personagem num momento distinto de vida, auxiliados pelo figurinista Luis Sequeira (A Forma da Água, Mama) que tal qual a máxima de que o hábito faz o monge, aqui deixa bem definido quem é quem de forma inequívoca.


Não fica claro se Pennywise é o mal em si, ou o mero hospedeiro de algo maior e sinistro

 A competente narrativa é embalada por ótimos valores de produção, com uma direção de arte que situa bem a cidade e os personagens nos momentos temporais respectivos (ponto para o designer de produção Austerberry. D. Paul vencedor do Oscar por A Forma da Água) e que sabe criar o aspecto de terror cósmico lovecraftiano que o ambiente tenebrista do ninho de Pennywise pede, auxiliado pelo diretor de fotografia Checco Varese (Os 33), que faz bom uso das sombras e da escuridão mas com uma boa mescla de cores, que aparecem vivas sempre que necessário, sem entrar em conflito com as sombras. A direção é auxiliada em seu pique narrativo pelo editor Jason Ballantine (IT: A CoisaMad Max: A Estrada da Fúria) que acelera a narrativa e reduz a sua velocidade quando necessário, que tem como aliada a trilha sonora composta por Benjamin Wallfisch (Shazam! , Blade Runner 2049, IT: A Coisa). Os efeitos visuais são competentes, resgatando a descrição de Pennywise em sua forma inicial, reimaginando-a de forma a se poder inserir o seu intérprete, aproveitando a sua performance alucinada e graças aos deuses descartando a ideia daquela aranha de stop motion muquirana da mini série de 1990.


"-Nada como limpar a gosma do mal nas águas de um lago contaminado!!!"

Durante a edição final do filme (a duração é de 169 minutos) foram descartadas algumas sequências que deixariam o filme censura 18 anos, para, uma vez com a classificação de 16 anos, garantir uma fatia maior de público-alvo, além de um final de tom edificante, e não agridoce, como talvez fosse o mais indicado para o filme tornar-se uma obra-prima como O Nevoeiro (2007) de Frank Darabont, mas ainda sim, sabiamente optou-se por não seguir o caminho fácil de deixar um gancho para uma continuação,e assim diluir o impacto de história concluída.


Ao lembrarmos a origem do grupo, constatamos que "a criança é o pai do homem"...

 
Ou não? Conhecendo Hollywood e o seu amor e busca incessante por estabelecer franquias rentáveis, muitas vezes de gosto duvidável, cujo caso mais emblemático foram os dois prequels de O Exorcista*1, nada nos garante que aproveitando algumas dicas visuais do filme, não possamos daqui a uns cinco ou dez anos vermos um “Pennywise: O Início” ? Até lá criança, não aceite balões de palhaços estranhos!!!
 



"-Só mais 800 balões e poderei voar com a minha casinha como naquele 
desenho da Disney / Pixar!!!"



Notas:
 
*: Inicialmente, a Warner Bros encomendou um filme contando como foi o primeiro confronto do Padre Merrin (Max Von Sydow no filme original e Stellan Skarsgard, pai de Bill, nos prequels) com o demônio, na África. O sacerdote, desiludido por suas experiências traumáticas na França ocupada na Segunda Guerra Mundial teria a sua fé posta a prova, resgatando-a e colocando o tinhoso para correr. Paul Schrader ( A Marca da Pantera de 1982) trabalhando em cima do roteiro de William Wisher (O Juiz de 1995) e Caleb Carr (a série O Alienista), fêz um filme de terror psicológico, intimista e sutil. O estúdio detestou, e despediu Schrader, e parte da equipe e elenco, mantendo Skarsgard como Marrin, e contratando a toque de caixa Alexi Hawley (das séries Castle e The Following) para mudar o roteiro e Renny Harlin (Duro de Matar 2 de 1990) para dirigir, fazendo um filme mais comercial. O problema foi que uma vez que o ritmo, o tom e o matiz fotográfico das cenas refilmadas não funcionava na edição com as já previamente filmadas, a decisão foi no final refilmar tudo, fazendo um outro filme: O Exorcista: O Início (2004) que naufragou nas bilheterias.


O filme comercial: O prequel do estúdio dirigido por Renny Harlin

Tentando recuperar o investimento, no ano seguinte, a Warner lançou os dois filmes num DVD duplo: O Exorcista: O Início (2004) de Renny Harlin e  Domínion: Prequel de O Exorcista (2005) de Paul Schrader. É um senhor exercício assistir aos dois filmes e comparar como a partir de uma mesma história inicial se faz um filme de diretor (Schrader) e um filme de estúdio (Harlin) e se analisar as mentalidades no conceituar os personagens, as tramas e o seu desenvolvimento. Fica a dica...
 


O filme autoral: O prequel dirigido por Paul Schrader

 

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