Nós (Eu) não pudemos (pude) nos (me) controlar...
por Alexandre César
Ridley Scott e a hipocrisia das relações de poder
França, época da Guerra dos Cem Anos. O cavaleiro Jean Carrouges (Matt Damon da trilogia Jason Bourne), perde a capitania que a sua família administra à gerações para Jacques LeGris (Adam Driver de Star Wars: Os Últimos Jedi), um cavaleiro mais jovem e culto, caindo nas graças do Conde Pierre d´Alençon (Bem Affleck de Liga da Justiça de Zack Snyder) de quem vai fazendo a contabilidade, conseguindo do nobre, terras que pertenciam ao dote da noiva de Carrouges, Marguerite D´Thibouville (Jodie Comer de Star Wars: A Ascenção Skywalker). Tempos depois, ao se ausentar para receber um pagamento por serviços prestados ao rei, Carrouges é informado por Marguerite, que em sua ausência, LeGris forçou a entrada no castelo quando este estava deserto, e a violentou. Furioso, por ter a sua honra ultrajada, ele vai tomar satisfações e exige um julgamento por duelo, pois se ele estiver certo, Deus lhe dará a vitória, e se estiver errado, ele perecerá e Marguerite será queimada na fogueira. 
Rivalidade:Os cavaleiros Jacques LeGris (Adam Driver) e Jean Carrouges (Matt Damon) inicialmente aliados durante a guerra, rapidamente entram em rumo de colisão
Dirigido por Ridley Scott (Blade Runner), O Último Duelo (2021) é o retorno do diretor ao épico, gênero que o consagrou com Gladiador (2000) ou Cruzada (2005), sendo um espetáculo instigante, que leva a pensar em coisas relevantes e atuais, embora ambientadas numa época distinta da retratada. 
Marguerite D´Thibouville (Jodie Comer) a esposa de Carrouges, é o centro da trama
Escrito por Nicole Holofcener (Poderia Me Perdoar?), Bem Affleck e Matt Damon (retomando a parceria de Gênio Indomável de 1994), sendo baseado no livro de Eric Jager The Last Duel: A True Story of Trial by Combat in Medieval France, a trama dialoga com o momento atual, em que se discute a cultura do estupro, tão enraizada no contexto social, em que a visão de que o homem pode dispor do corpo da mulher da forma que lhe aprouver é tão difundida que muitos, como o vaidoso LeGris são incapazes de pensar que podem ter agido de forma abusiva, ou ainda, o tosco Carrouges, que vê o estupro dela como uma agressão à ele, ao seu uso de posse, querendo fazer sexo logo em seguida a ela lhe relatar o acontecido, pouco se importando com os sentimentos desta. Da mesma forma, Marguerite vai sendo questionada em sua honestidade, inclusive pelas mulheres à sua volta, como no momento em que Nicole de Carrouges (Harriet Walter de Belgravia) mãe de Jean lhe diz que: “- A verdade não importa, pois o que acaba valendo é a vontade dos homens!” retratando uma dolorosa (e amarga) realidade milenar, onde “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”... 
Conde Pierre d´Alençon (Bem Affleck) e sua esposa Elizabeth (Caoimhe O´Malley) representam a elite: Poderosa, dissoluta e amoral
Um dado interessante na direção de atores é que por a narrativa ser calcada em três momentos em que a mesma história é contada por um dos três personagens principais (Carrouges, LeGris, Marguerite) vamos vendo materializada aquela história do “narrador não confiável”, pois os dois cavaleiros narram a mesma história cada um se vendendo como o herói da narrativa, ficando difícil decidir quem-salvou-quem primeiro numa batalha, ou quando um beijo dado no rosto é apenas uma cortesia para um e na narrativa de outro é um “dar-mole”, ou como numa versão, ao subir uma escada, alguém tira os sapatos cuidadosamente, “fazendo charminho”, e em outra vai perdendo os mesmos de forma desesperada ante uma agressão. 
Marguerite D´Thibouville e Jean Carrouges, tem um casamento arranjado
O elenco afiado mostra as sutilezas da trama, ganhando destaque nas performances de Damon e Driver o ego e a vaidade de ambos, que no fundo só enxergam o próprio reflexo no espelho e, ao tomar uma atitude, logo em seguida, justificam seus atos com “racionalizações” que, jogam a culpa naquele que mais sofre as consequências desses mesmos atos. Affleck, brilha como um nobre decadente e amoral (um playboyzinho escroto em essência), e Comer, com seu olhar ora submisso, ora de sobressalto e timbre de voz que vai do resignado, para uma sutil luta para falar alto (mas parecendo sufocada) transparece sempre estar com um gosto amargo na garganta, pois seu marido na realidade quer a glória que ele sente que o outro lhe roubou, pouco se importando com a vida dela, afinal, “o homem foi feito para a guerra, e a mulher, para o descanso do guerreiro...” O que poderia ela entender de um assunto tão vital como a “honra em combate”??? Dos outros personagens, com pouco destaque, servindo apenas para alavancar a narrativa, temos Adam Louvel (Adam Nagaitis de The Terror) o escudeiro de LeGris, que o auxilia em suas artimanhas; Crespin (Marton Csokas de Into the Badlands) e Bernard Latour (Miichael McElhatton de Game of Thrones), os amigos de Carrouges que temem por sua atitudes intempestivas; Sir Robert D´Thibouville (Nathaniel Parker de The Beast Must Die) o pai de Marguerite, que é um nobre caído em desgraça, que deu refinamento e educação a sua filha, mas não pode ajudá-la mais, pelas regras da sociedade; Elizabeth (Caoimhe O´Malley de Dublin Murders) a esposa de Pierre d´Alençon, uma dondoca de sociedade; o Tio do rei (Clive Russel de Catarina, a Grande) que ajuda Carrouges a levar sua petição ao soberano, o Rei Charles VI (Alex Lawther de O Jogo da Imitação) que junto com a Rainha Isabeau (Serena Kennedy de Gangs of London) que são um casal adolescente: Ele um mimado e ela com um ar de enfastio de ter de aturar um marido tão idiota e, Marie Latour (Tallulah Hadon de Nails) esposa de Bernard, que duvida da honestidade de Marguerite porque numa festa ambas fofocando concordaram que achavam LeGris bonito (mostrando que a mulher sempre anda “sobre o fio da navalha”...). A bela fotografia de Dariusz Wolski (Relatos do Mundo) com tons desaturados, quase em preto e branco como na sequência inicial que de forma crua mostra a crueldade da guerra, com tons contrastados (refletindo o estado mental dos envolvidos em combate) complementada pela edição de Claire Simpson (O Jardineiro Fiel) intercala bem as sutis diferenças de cada narrativa, como um olhar, uma forma de cumprimentar ou subir as escadas, ou ainda dando o tempo necessário para que cada relato seja digerido pela audiência, mas não tornando cansativos, os minutos gastos nesta narrativa, que a música de Harry Gregson-Williams (Perdido em Marte) sublinha os tempos deste contar-a-história, dando o tom daquela atmosfera, na realidade muito mais atual do que sua ambientação medieval sugere. O desenho de produção de Arthur Max (Gladiador) recria a França medieval do período da Guerra dos Cem Anos, auxiliado pela direção de arte de Stéphane Cressend (Alexandre),Loic Chavon (Stilwater), Colman Corish (Penny Dreadful), Briana Hegarty (Into the Badlands), Gary McGinty (Fundação), Ricardo Monti (Romulus), Irene O´Brien (Brooklyn) e Cristina Onori (Roma) aproveitam bem as locações na Irlanda e na França, e reconstituem os espaços frios e opressivos dos castelos, em que a decoração e sets de Judy Farr (Rocketman) faz grande uso do mobiliário, os utensílios de uso cotidiano, e das tapeçarias, da mesma forma que os figurinos de Janty Yates (Cruzada) tem boas idéias como o vestido negro de Marguerite, com uma gola alta até quase o queixo, refletindo o seu sufocamento. Os efeitos visuais de MPC e HOST VFX recriam este mundo medieval em profundidade, complementando o CGI com o resto da paisagem, como uma pintura, tendo como elemento marcante de época a Catedral de Notre Dame, ainda em construção, situando a ação no tempo e no espaço. Ao final, O Último Duelo nos faz refletir sobre o abuso e o quanto o status quo mantém invisíveis aqueles que objetifica, ignorando suas reais necessidades e muito menos os seus direitos e clamor por igualdade...
França, época da Guerra dos Cem Anos. O cavaleiro Jean Carrouges (Matt Damon da trilogia Jason Bourne), perde a capitania que a sua família administra à gerações para Jacques LeGris (Adam Driver de Star Wars: Os Últimos Jedi), um cavaleiro mais jovem e culto, caindo nas graças do Conde Pierre d´Alençon (Bem Affleck de Liga da Justiça de Zack Snyder) de quem vai fazendo a contabilidade, conseguindo do nobre, terras que pertenciam ao dote da noiva de Carrouges, Marguerite D´Thibouville (Jodie Comer de Star Wars: A Ascenção Skywalker). Tempos depois, ao se ausentar para receber um pagamento por serviços prestados ao rei, Carrouges é informado por Marguerite, que em sua ausência, LeGris forçou a entrada no castelo quando este estava deserto, e a violentou. Furioso, por ter a sua honra ultrajada, ele vai tomar satisfações e exige um julgamento por duelo, pois se ele estiver certo, Deus lhe dará a vitória, e se estiver errado, ele perecerá e Marguerite será queimada na fogueira.
Rivalidade:Os cavaleiros Jacques LeGris (Adam Driver) e Jean Carrouges (Matt Damon) inicialmente aliados durante a guerra, rapidamente entram em rumo de colisão |
Dirigido por Ridley Scott (Blade Runner), O Último Duelo (2021) é o retorno do diretor ao épico, gênero que o consagrou com Gladiador (2000) ou Cruzada (2005), sendo um espetáculo instigante, que leva a pensar em coisas relevantes e atuais, embora ambientadas numa época distinta da retratada.
Marguerite D´Thibouville (Jodie Comer) a esposa de Carrouges, é o centro da trama |
Conde Pierre d´Alençon (Bem Affleck) e sua esposa Elizabeth (Caoimhe O´Malley) representam a elite: Poderosa, dissoluta e amoral |
Um dado interessante na direção de atores é que por a narrativa ser calcada em três momentos em que a mesma história é contada por um dos três personagens principais (Carrouges, LeGris, Marguerite) vamos vendo materializada aquela história do “narrador não confiável”, pois os dois cavaleiros narram a mesma história cada um se vendendo como o herói da narrativa, ficando difícil decidir quem-salvou-quem primeiro numa batalha, ou quando um beijo dado no rosto é apenas uma cortesia para um e na narrativa de outro é um “dar-mole”, ou como numa versão, ao subir uma escada, alguém tira os sapatos cuidadosamente, “fazendo charminho”, e em outra vai perdendo os mesmos de forma desesperada ante uma agressão.
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O elenco afiado mostra as sutilezas da trama, ganhando destaque nas performances de Damon e Driver o ego e a vaidade de ambos, que no fundo só enxergam o próprio reflexo no espelho e, ao tomar uma atitude, logo em seguida, justificam seus atos com “racionalizações” que, jogam a culpa naquele que mais sofre as consequências desses mesmos atos. Affleck, brilha como um nobre decadente e amoral (um playboyzinho escroto em essência), e Comer, com seu olhar ora submisso, ora de sobressalto e timbre de voz que vai do resignado, para uma sutil luta para falar alto (mas parecendo sufocada) transparece sempre estar com um gosto amargo na garganta, pois seu marido na realidade quer a glória que ele sente que o outro lhe roubou, pouco se importando com a vida dela, afinal, “o homem foi feito para a guerra, e a mulher, para o descanso do guerreiro...” O que poderia ela entender de um assunto tão vital como a “honra em combate”???
Dos outros personagens, com pouco destaque, servindo apenas para alavancar a narrativa, temos Adam Louvel (Adam Nagaitis de The Terror) o escudeiro de LeGris, que o auxilia em suas artimanhas; Crespin (Marton Csokas de Into the Badlands) e Bernard Latour (Miichael McElhatton de Game of Thrones), os amigos de Carrouges que temem por sua atitudes intempestivas; Sir Robert D´Thibouville (Nathaniel Parker de The Beast Must Die) o pai de Marguerite, que é um nobre caído em desgraça, que deu refinamento e educação a sua filha, mas não pode ajudá-la mais, pelas regras da sociedade; Elizabeth (Caoimhe O´Malley de Dublin Murders) a esposa de Pierre d´Alençon, uma dondoca de sociedade; o Tio do rei (Clive Russel de Catarina, a Grande) que ajuda Carrouges a levar sua petição ao soberano, o Rei Charles VI (Alex Lawther de O Jogo da Imitação) que junto com a Rainha Isabeau (Serena Kennedy de Gangs of London) que são um casal adolescente: Ele um mimado e ela com um ar de enfastio de ter de aturar um marido tão idiota e, Marie Latour (Tallulah Hadon de Nails) esposa de Bernard, que duvida da honestidade de Marguerite porque numa festa ambas fofocando concordaram que achavam LeGris bonito (mostrando que a mulher sempre anda “sobre o fio da navalha”...).
A bela fotografia de Dariusz Wolski (Relatos do Mundo) com tons desaturados, quase em preto e branco como na sequência inicial que de forma crua mostra a crueldade da guerra, com tons contrastados (refletindo o estado mental dos envolvidos em combate) complementada pela edição de Claire Simpson (O Jardineiro Fiel) intercala bem as sutis diferenças de cada narrativa, como um olhar, uma forma de cumprimentar ou subir as escadas, ou ainda dando o tempo necessário para que cada relato seja digerido pela audiência, mas não tornando cansativos, os minutos gastos nesta narrativa, que a música de Harry Gregson-Williams (Perdido em Marte) sublinha os tempos deste contar-a-história, dando o tom daquela atmosfera, na realidade muito mais atual do que sua ambientação medieval sugere.
O desenho de produção de Arthur Max (Gladiador) recria a França medieval do período da Guerra dos Cem Anos, auxiliado pela direção de arte de Stéphane Cressend (Alexandre),Loic Chavon (Stilwater), Colman Corish (Penny Dreadful), Briana Hegarty (Into the Badlands), Gary McGinty (Fundação), Ricardo Monti (Romulus), Irene O´Brien (Brooklyn) e Cristina Onori (Roma) aproveitam bem as locações na Irlanda e na França, e reconstituem os espaços frios e opressivos dos castelos, em que a decoração e sets de Judy Farr (Rocketman) faz grande uso do mobiliário, os utensílios de uso cotidiano, e das tapeçarias, da mesma forma que os figurinos de Janty Yates (Cruzada) tem boas idéias como o vestido negro de Marguerite, com uma gola alta até quase o queixo, refletindo o seu sufocamento.
Os efeitos visuais de MPC e HOST VFX recriam este mundo medieval em profundidade, complementando o CGI com o resto da paisagem, como uma pintura, tendo como elemento marcante de época a Catedral de Notre Dame, ainda em construção, situando a ação no tempo e no espaço.
Ao final, O Último Duelo nos faz refletir sobre o abuso e o quanto o status quo mantém invisíveis aqueles que objetifica, ignorando suas reais necessidades e muito menos os seus direitos e clamor por igualdade...
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