sábado, 17 de abril de 2021

Corram insetos!!! - Crítica:: Godzilla vs. Kong (2021)

 


Briga de Monstro Grande!!!

 
por Alexandre César


 Senta o braço que é o que o povo quer... 

 

 

O encontro dos traumas de dois povos. De um lado, um gorila gigante que originalmente representava a revolta das pessoas comuns contra o mundo moderno, industrial, impessoal e opressivo, que teve a honra de ser o primeiro grande monstro do cinema que não era fruto da performance de um ator maquiado mas sim fruto dos avanços das técnicas de efeitos especiais. Do outro lado, um réptil colossal, representando a possibilidade de aniquilação de um povo por uma arma de destruição em massa que foi lançada contra ele não uma, mas duas vezes para vencê-lo de vez na maior de todas as guerras. 

"King Kong contra Godzilla" (1962) de Ishiro Honda foi o primeiro (e tosco) embate dos titãs


King Kong e Godzilla, cada qual para o seu povo de origem, lidava com a catarse face à uma situação traumática difícil de encarar. Se o gorila da Ilha da Caveira ajudava ao americano médio lidar com o trauma da depressão que mergulhou os E.U.A. na miséria e já percebendo que em breve um nova grande guerra estava para chegar, sendo um personagem do qual as plateias acabavam se identificando por sua capacidade de gerar empatia ao seu amor impossível, o mega-uber dinossauro radioativo, tal qual um dragão lendário, era a encarnação do medo dos japoneses da aniquilação pelas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki,que haviam sido detonadas pelos mesmos E.U.A. apenas há Nove anos apenas. Fruto de uma tecnologia mais artesanal, o lagartão emborrachado não era criado para ser amado, mas representar o temor reverencial da revolta da natureza dando o troco às imprudências do homem. Tal medo, gerou posteriormente, adoração e uma franquia das mais longevas... 

 
Tudo começa com um comportamento anômalo e destrutivo de Godzilla

Godzilla arrasa a instalação da Apex Cyernetics em Pensacola, Flórida

A primeira vez que os dois ícones se bicaram foi em 1962, numa produção da Toho Fim Company dirigida por Ishiro Honda, com resultados divertidos e, farsescos tal o nível do argumento qualquer-coisa do filme quanto pelo fato dos monstros serem homens usando fantasias lutando em cenários com florestas e prédios em miniaturas, além de tanques de guerra de brinquedo radio-controlados e aviões pendurados por fios. Passatempo lúdico de primeira.

 
Empatia:: A orfã Jia (Kaylee Hottie) e a Dra. Ilene Andrews (Rebecca Hall) têm uma relação "mãe-e-filha" bem delineada

Os anos passaram e cada qual do seu lado do mundo cresceram como referências da cultura pop, com seus altos e baixos, e agora nestes tempos de pandemia, o atual trauma da humanidade, nada mais oportuno do que um novo encontro desses campeões, agora sob o guarda-chuva do Monsterverse da Legendary Pictures, baseada nos lendários ícones da Toho, detentora dos direitos referentes aos titâs Godzilla, Mothra, Rodan, King Gidorah e outros*1 e cujo contrato com a Legendary termina neste terceiro filme*2, e aqui as fichas estão lançadas para decidir quais os rumos das franquias.

 
a relação da garotinha com o macacão é a melhor coisa relacionada aos humanos do filme

Dirigido por Adam Wingard (Death Note) Godzilla vs. Kong (2021) é a nova aposta do estúdio (sendo exibido simultaneamente nos cinemas e pelo serviço de streaming HBO Max), sendo escrito por Eric Pearson (Thor: Ragnarok) e Max Borenstein (Kong: A Ilha da Caveira) baseado na história de Terry Rossio (Piratas do Caribe A Vingança de Salazar), Michael Dougherty (Contos dos Dias das Bruxas) Zach Shields (Godzilla II: Rei dos Monstros) sendo um roteiro mais furado do que queijo suíço, levando a suspensão da descrença ao limite, e que se apoia verdadeiramente no que é importante: Os monstros, separando os humanos em basicamente dois times, até por que os humanos aqui (e na maioria dos filmes do gênero*3) são uns "malas", merecendo uma posição de coadjuvantes, pois neste espetáculo o que você quer ver são os monstros e a destruição da qual eles são capazes, nada do “drama humano” xaroposo de personagens-clichê...
 
 
O Dr. Nathan Lind (Alexander Skarsgård) é um pesquisador desacreditado que tem uma segunda chance para provar as suas teorias

Bidimensional 1: Walter Simmons (Demián Bichir) CEO da Apex Cybernectics é o vilão da vez, cujo plano é "qualquer-coisa"

 
  No fiapo de história, passados uns poucos anos depois dos eventos de Godzilla II: Rei dos Monstros (2019), quando o mega-uber lagartão radioativo começa a agir de forma agressiva, deixando um rastro de destruição, que leva a decisão de que Kong seria a solução para o problema...
 
 
Kong é levado (sedado) pelo mar, para a base na Antártida

 
Os personagens, são agrupados em dois ”times”, sendo o mais desinteressante o “Time Godzilla” composto de Madison Russell (Millie Bobby Brown de Stranger Things) que retorna, com Josh Valentine (Julian Dennison de Deadpool 2) o parceiro Nerd, Mark Russel (Kyle Chandler de King Kong) pai de Madison e Bernie Hayes (Brian Tyree Henry de Se a Rua Beale Falasse) teórico da conspiração com um podcast, se infiltra na Apex Cybernetics em Pensacola Florida e vê indicação de uma base secreta em Hong Kong, sendo ele o melhor personagem desse grupo. O "Time Kong" tem personagens um pouco melhores graças à química da Dra. Ilene Andrews (Rebecca Hall de Contos do Loop) pesquisadora da Monarch (a S.H.I.E.L.D. do Monsterverse) com a orfã Jia (a iniciante Kaylee Hottie) da Ilha da Caveira que se comunica com Kong (sendo a garotinha um trunfo do filme, tal o seu carisma e simpatia), e o técnico da Monarch Bem (Chris Chalk de Perry Mason numa participação pontual), e Nathan Lind (Alexander Skarsgård de True Blood) pesquisador desacreditado da teoria da “terra ôca”, contratado pela Apex Cybernectics para pesquisar uma nova fonte de energia nas entranhas da Terra, com direito à insólita cena do download de energia (a centenas de milhares de quilômetros de distância, e através da crosta terrestre, haja Wi-Fi...) para ativar uma máquina de destruição em massa muito conhecida pelos fãs. 
 
Josh Valentine (Julian Dennison) e Madison Russell (Millie Bobby Brown) pesquisam as ações suspeitas da Apex Cybernetics

O Dr. Mark Russel (Kyle Chandler) pai de Madison, coordena as equipes da Monarch para descobrir a razão da mudança do comportamento de Godzilla


 Agora, o núcleo de personagens vilanesco é ruim de doer: Walter Simmons (Demián Bichir de Os Oito Odiados) CEO da Apex Cybernectics com planos de faturar com o conflito dos titâs, é mais bidimensional do que o pior dos vilões de filmes de James Bond (cadê o Alan Jonah de Charles Dance?), não ficando atrás sua filha Maya (Eiza González de Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw) que logo nos primeiros minutos em tela já nos permite adivinhar o que fará, e qual será o seu destino, da mesma forma que Ren Serizawa (Shun Ogun de O Tempo com Você) filho do finado Dr. Serizawa é basicamente um pau-mandado, não tendo realmente substância como personagem, pois só podemos deduzir suas motivações...
 
 
Bidimensional 2: Maya Simmons (Eiza González) a filha de Walter é a vilã da vez

 
 
Alguns outros personagens como Diretor da Monarch (Lance Reddick de John Wick: Parabellum), o Almirante Wilcox (Hakeem Kae-Kazim de Mugabe), Horace (John Pirruccello de Barry) amigo de Bernie e Jay Wayne (Ronny Chieng de Podres de Ricos) servem apenas para situar a ação com diálogos expositivos e uma ou outra indicação quanto ao rumo dos acontecimentos. Os figurinos de Ann Foley (Marvel´s Agents of S.H.I.E.L.D.) define estes personagens de forma eficiente, deixando claro seus estereótipos.
 
 
Round 1: Godzilla intercepta o comboio que leva Kong, destruindo navios à rodo...

Ele dá...
... e Ele leva, quase morrendo


  No quesito empatia Kong leva vantagem sobre Godzilla por ser um símio, tendo mais tempo de tela, e uma gama maior de expressões fisionômicas, além de ser capaz de usar ferramentas, o que traz uma maior identificação conosco, mas Godzilla no quesito força bruta, é o campeão indiscutível. Ao final, a interação entre os dois é bem construída no sentido de que eles não precisam se gostar para unirem forças, contra um inimigo comum. 
 
 
Bidimensional 3:  Ren Serizawa (Shun Ogun) filho do falecido cientista parece nutrir rancor contra Godzilla, mas pouco se mostra sobre o personagem de fato

 
No conjunto, apenas o visual salva o filme, pois a lógica interna da história é nula, pois logo no início, vemos Kong confinado numa instalação colossal da Monarch na Ilha da Caveira, que foi construído após os eventos de Kong: A Ilha da Caveira (2017) onde ele foi colocado e lá crescendo, desde então, ficando a cela pequena. Como conseguiram construir aquele domo com o histórico de perigos da ilha como os Skull crawlers (que tem uma pequena participação)? E como, da mesma forma a Apex Cybernectics tem instalações secretas que incluem um túnel que utiliza os caminhos da Terra ôca que liga a instalação de Pensacola, Flórida, à uma base secreta, dentro de uma montanha em Hong Kong? Quantos anos demorou essa obra, e ninguém vazou informação, fora o custo absurdamente estratosférico? Outra coisa é o palácio dos ancestrais de Kong na Terra ôca (bela, embora lembre o mundo de Pandora de Avatar) que parece a Minas Tyrith de O Senhor dos Anéis, coisa que o desenho de produção de Owen Paterson (a cinesérie Matrix) e Thomas S. Hammock (O Hóspede), junto com a direção de arte de Richard Hobbs (Aquaman), Dawn Swiderski (O Homem do Castelo Alto), Bil Booth (Thor: Ragnarok), Mitch Cass (Círculo de Fogo: A Revolta), Andress Cubilan (Mindhunter), Stella Vaccaro (Jumanji: Próxima Fase), Jim Millet e equipe e a decoração de sets de Rebecca Cohen (Wolverine: Imortal) e Ronald R.Reiss, trabalham de acordo com a necessidade, mesclando as referências visuais desse universo de forma coesa. 
 
 
No interior da Terra ôca Kong enfrenta desafios e descobre coisas sobre suas origens

 
 A edição de Josh Schaeffer (Kong: A Ilha da Caveira) dá o ritmo cinético dos choques e impacto entre os colossos, coisa que a música de Tom Holkenborg (Liga da Justiça de Zack Snyder) realça eficientemente aliado ao design de som de Erik Aadahl (Sonic: O Filme) e Ethan Van der Ryn (Godzilla II: Rei dos Monstros) que sabe modular os diferentes níveis de diálogo, sons incidentais e bombásticos e, urros guturais. 
 
 
Em Hong Kong, Godzilla continua em sua busca destruidora
 
Segundo round: A  fotografia é excelente nesta cena noturna, mas que não esconde seus personagens
 
Kong deixa claro que pode ser morto, mas não subjugado


 A bela fotografia de Bem Seresin (Guerra Mundial Z) trabalha com a supervisão de efeitos visuais de John “DJ” DesJardin (Liga da Justiça de Zack Snyder) junto com Alec Gillis e Tom Woodruff Jr. (Amalgamated Dynamics) nas miniaturas; Lindsay MacGowan e Shane Mahan (Legacy Effects) nas criaturas e Gerardo Aguilera (Weta Digital) na ambientação, e juntos fazem com que os efeitos visuais das empresas Moving Picture Company (MPC), Scanline VFX, Weta Digital, Luma Pictures, Legacy Effects, Amalgamated Dynamics, BOT VFX, Double Negative (DNEG) e Industrial Light & Magic (ILM), mostrem ter aprendido as lições dos últimos filmes do lagartão, optando por mostrar os monstros em cenas diurnas ou com boa iluminação, fugindo à solução de colocar efeitos atmosféricos para mascarar deficiências do CGI, mas que escondiam as criaturas. Aqui os monstros são nítidos e detalhados, com texturas, cicatrizes, imperfeições de pele e dentes (que lhes dá maior realismo) e expressões fisionômicas no limite da verossimilhança, conferindo-lhes personalidade, para a alegria da galera.  
 
 
Ao final, a ameaça real se revela, devastando Hong Kong mais ainda...

...levando os dois oponentes a unirem forças

 
Ao final, Godzilla vs. Kong entrega bem o básico do que esperávamos: Um MMA de monstros de forma clara e nítida que diverte bem apesar dos humanos chatos, e do roteiro de M3#d@, que não se preocupa em deixar claro se a humanidade percebeu que os titãs não eram os verdadeiros culpados pelo conflito, pois a quantidade de mortos, feridos, mutilados, etc... deve ser comparável à da pandemia do Corona vírus no Brasil, mas no filme (como aqui), as vítimas são apenas uma invisível estatística...  um triste reflexo involuntário da realidade na fantasia.
 
Terminado o perigo, cada um dos oponentes segue o seu rumo

 
Ao final Kong ganha uma nova residência no território de seus ancestrais

 

Notas:

*1: Menos Gamera que é da rival Daiei Film e talvez pudesse ser uma alternativa caso a Legendary não consiga renovar o contrato com a Toho.

*2: O que já leva a especulações se o estúdio americano tentarão uma fusão do Monterverse com o universo de Círculo de Fogo uma vez as afinidades dos dois universos ficcionais são imensas, no melhor estilo Marvel/DC.
 
*3: A grande exceção no caso do Monsterverse é Kong: A Ilha da Caveira (2017) de Jordan Vogt-Roberts (Alcólicos Bem Sucedidos) que acertou em cheio, criando um filme divertido, plasticamente belo, com bom ritmo, história bem montada e bons personagens com diálogos espertos, sendo e longe o melhor da franquia.


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