Fechamento com chave de ouro
por Alexandre César
(Originalmente postado em16/ 01/ 2019)
A saga dos Baudelaire se conclui de forma magistral
Com um ritmo mais acelerado, mas sem perder a essência já estabelecida nas duas primeiras temporadas anteriores, Lemony Snicket – Desventuras em Série segue como uma produção única que trilha exatamente as mesmas linhas traçadas desde o primeiro episódio, como um looongo
filme de 25 horas de duração, que contam uma história somente, com o
mesmo ritmo, o mesmo visual, a mesma estrutura narrativa preocupando-se
em manter a homogeneidade da produção para criar essa sensação de
continuidade em que o terceiro ato de cada episódio e temporada não seja
necessariamente o fim da história como um todo.

As ruínas da base da C.S.C. nas montanhas.
Mantém-se, inclusive, o discurso do narrador Lemony Snicket (Patrick
Warburton, ótimo na melhor interpretação de sua carreira, que dessa vez,
atua também além de narrar), que segue nos explicando como aquela
história é terrível e como aquelas crianças sofreram com as tramóias de
seu tio malvado e trambiqueiro, plot esse que não deixa de lembrar o do filme As Trapaças do Falcão (Flight of the Doves -1971) de Ralph Nelson em que Ron Moody faz um mestre dos disfarces (o “Falcão” do
título) decidido a roubar a herança de seus sobrinhos, e talvez, tenha
sido a inspiração para Daniel Handler ( sob o pseudônimo de “Lemony Snicket”)
desenvolver a sua saga que versa sobre nobreza, família, sobre ser uma
das pessoas que ajudam a pagar incêndios enquanto outros os provocam,
sobre a validade de você se igualar ao seu inimigo para derrota-lo,
raciocínio implícito em frases como: “Combater fogo com fogo torna o mundo cinza”
ou “Uma biblioteca é uma ilha num grande mar de ignorância”. Grandes reflexões num texto aparentemente
“infantil”.

Klaus (Louis Hynes) e Violet (Malina Weissman)
encontram as ruínas de uma base da C.S.C.
Esta
terceira temporada apresenta, de uma maneira mais curta e dinâmica, em 7
episódios, as mesmas qualidades, e algumas irregularidades das
temporadas anteriores. com um diferencial: a maturidade do conteúdo, que
aliada à uma grande carga emocional do texto que dão ao espectador um
choque de realidade, misturando o fantástico e a tragédia, sem deixar
uma impressão negativa sobre a vida, encorajando a superação nos
momentos mais difíceis (que não foram poucos), persistindo algumas
ferramentas de narrativa, especialmente no que se relaciona à adaptação
dos livros que deram origem à série. Agora os temas giram em torno dos
títulos O Escorregador de Gelo, A Gruta Gorgônea, O Penúltimo Perigo e Fim.

Conde Olaf (Neil Patrick Harris) reencontra seus vis e
abusivos mentores (Richard E. Grant e Beth Grant)...
O episódio inicial de O Escorregador de Gelo,
começa do final da temporada anterior, tal qual nos antigos seriados
dos anos 1930-1940,vemos os irmãos (e órfãos) Baudelaire Violet (Malina
Weissman) e Klaus (Louis Hynes) se livrando de uma armadilha fatal
engendrada pelo pérfido Conde Olaf (Neil Patrick Harris, ótimo e super à
vontade no papel) que capturou a caçula Sunny (Presley Smith) e decidem
resgatá-la. O trio entrega o mesmo bom desempenho das temporadas
anteriores, destacando-se Presley, que agora está mais velha e mais
falante no seu “bebênês”,
os irmãos ganham mais espaço nessa última temporada, pois não lhes
basta mais apenas combater Olaf, e agora eles precisam assumir suas
responsabilidades.

Sunny (Presley Smith) surpreende com uma maior atitude
e iniciativa que jamais esperaríamos de uma criancinha...
Aqui eles encontram os vestígios queimados de uma base da C.S.C. e algumas pistas. O Conde tem desfalques na sua trupe de comparsas, que se cansam “daquela vida” ficando um único remanescente, e acontece neste processo de enxugar as linhas narrativas o massacre em off
dos três artistas de circo, apresentados na temporada anterior, que
peca por desperdiçar três personagens com potencial numa conclusão
incômoda para uma triste história sobre jovens renegados pela sociedade
por serem “aberrações”, morrerem cruelmente – ainda com um viés cômico
na cena.

A trupe original de Olaf debanda, sobrando apenas
"o Homem com Mãos de Gancho" (Usman Ally)...
Tal evento é o catalisador para a apresentação do homem com barba mas sem cabelo e da mulher com cabelo mas sem barba (Richard
E. Grant e Beth Grant, que possuem o mesmo sobrenome mas, não são nem
irmãos, e nem são casados), os vis e abusivos mentores de Olaf, sendo que as
ações da dupla se estendem até os capítulos referentes ao derradeiro
brilho de esperança da série, quando em O Penúltimo Perigo,
diversos rostos familiares (que já vimos anteriormente ao longo da
série) retornam para um último julgamento contra Olaf e seus horrendos
crimes contra os Baudelaire e, entre eles a fofa, protetora e às vezes
irritante Juíza Strauss (Joan Cusack), responsável por realizar a última
reunião entre os membros da C.S.C. antes que os incendiários alcancem um patamar indestrutível e destruam os esforços benevolentes e voluntários da associação “heroica”, por assim dizer. no interior do Hotel Desenlace,
os Baudelaire terão a chance de almejar à uma vida normal e tranquila,
após tantos infortúnios. Só que os sonhos serão queimados, e as
esperanças, incineradas...
Neste
quesito é que a terceira temporada se sobressai, justamente na forma
como não poupa os Baudelaire, não os enxergando-os como encarnações
idealizadas e incorruptíveis de pessoas boas, sofredoras, injustiçadas e
incapazes de qualquer mal. Quando as crianças são postas em julgamento
contra Olaf em “O Penúltimo Perigo”,
todos os conceitos que a trama havia desenvolvido até então sofre uma
grande reviravolta, sendo questionados de forma honesta, quando expõe as
ações que eles próprios tomaram para se protegerem contra o maléfico
guardião e todas as variações de seus planos para tomar a fortuna
deixada pelos seus pais.

Ésme Squalor (Lucy Punch) parceira vilanesca
estilosa nos figurinos e não-submissa.
Não
se trata de um conceito exatamente complexo — estamos tratando de
estabelecer que os personagens não são maniqueístas, levando-nos a nos
perguntar quem será realmente o “vilão”? Ou, os “mocinhos” eram
verdadeiramente bons? —, ideia essa que ganha uma dimensão poderosa
numa série que é vista pela ótica de crianças, que se disfarçou sob a
dinâmica simplista de um homem ruim contra pobres crianças tristes. A
forma como Olaf muda o rumo do julgamento mostra (de forma didática,
numa era de ”Fake News”
) o quanto informações incompletas e fora do contexto podem ser usadas
para se criar conceitos errôneos e manipular as reações das pessoas, com
resultados catastróficos.
E o elenco... Poucas séries tem um casting tão consistente, capaz de segurar as reviravoltas de um texto. Como a grande surpresa do Homem com Mãos de Gancho
(Usman Ally), o capanga de Olaf remanescente, revelar um passado e uma
importância inesperada, contrastando com outros coadjuvantes,
descartados pela série – como Larry, Seu Garçom (Patrick
Breen), por exemplo, criando um personagem novo e diferente do até
agora visto, desenvolvendo empatia com o público. Esmé Squalor (a ótima
Lucy Punch) é ainda mais impiedosa do que no livro, sendo a versão
perfeita da vilã da história. Gananciosa, inteligente e diabólica, está
disposta a tudo para conseguir o que quer. E não se contentando em ser
uma mera sombra de Olaf, e temos de volta a irritante Carmelita Spats
(Kitana Turbull) a “Shirley Temple do Mal”, odiosa e mimada, não há como não dar os créditos a menina que apesar da pouca idade brilha na tela numa senhora personagem.

Os Baudelaire sáo unidos até debaixo dágua...
Novos rostos surgem em participações especiais, cumprindo bem o seu
papel no curto tempo que lhes é dado. Temos Morena Baccarin como
Beatrice Baudelaire, Dylan Kingwell como Quigley Quagmire, Max
Greenfield como os irmãos Frank, Ernest e Dewey, Angelina Capozzoli como
Beatrice Baudelaire II, Peter MacNicol como Ishmael, Kassius Nelson como
Fiona Widdershins e como na temporada anterior conhecemos o irmão de
Lemony, Jacques Snicket (Nathan Fillion), nesta tivemos a aparição da
terceira irmã Snicket, Kit Snicket (Allison Williams) que apareceu em
alguns trechos da temporada anterior bem rapidamente. Todos relacionados
com a cadeia de eventos que, cada um como uma simples e pequena pedra,
que cai na superfície de um lago calmo, pode reverberar até o oceano e
tomar dimensões catastróficas levando a pensar no quanto devemos
acreditar em uma história contada.
A
temporada nos mostrou também como o amor pode resultar em ações
terríveis. Enxergamos a humanidade em cada personagem. As motivações
deles. A trajetória que os levaram até aquele ponto de maldade. O
roteiro passeia entre o passado e o presente dos Snicket, assim como da
família Baudelaire (que se revelam de igual importância), onde
aprendemos muito sobre Beatrice, Kit, Esmé Squalor e principalmente, o
conde Olaf, que tinha lá as suas razões para fazer o que fazia, bem como
a sua relação com as famílias Snicket e Baudelaire.

A "Montanha de Mão-Morta". A equipe de direção de arte e efeitos visuais
se esmerou em criar ambientes surreais e deslumbrrantes, dignos
de um filme de Tim Burton, Wes Anderson ou Terry Gillian.
Explorar
o universo do fantástico sempre foi missão das mais audaciosas, e nesta
série não é diferente. O seu mix de gêneros narrativos, indo do drama
com comédia de humor negro, assumindo um tom mais misterioso, sombrio,
flertando com o absurdismo e a literatura ficcional gótica é um exemplo.
E traduzindo esse espírito a impecável direção de arte, a cargo do
Designer de Produção Bo Welch (costumaz colaborador de Tim Burton e do
produtor da série Barry Sonnenfeld) segura a peteca criando visuais
deslumbrantes (que por vezes, imitam uma peça de teatro, o que é
perfeito para o narcisista Conde Olaf) como o Hotel Desenlace, que sem sombra de dúvida merece comparação com O Elevador Ersatz em seu quesito fabulesco e fantástico, ou as Montanhas de Mão-Morta, grutas e ruínas de O Escorregador de Gelo , ou o submarino Queequeg (referência a Moby Dick de Heman Melville) e o Carmelita, submarino-polvo de Olaf, de A Gruta Gorgônea que acabam parecendo uma versão steampunk de 20.000 Léguas Submarinas de Júlio Verne.

Kit Snicket (Allison Williams) a irmã de Lemon, ajuda os órfãos...
Welch
e equipe, aliado ao trabalho da figurinista Cinthya Ann Summers, bem
como a do fotógrafo Bernard Coulture (e a legião dos efeitos visuais)
traduzem visualmente tais elementos, com uma boa dose de encantamento,
gerando momentos únicos como o da morte de um personagem, acompanhada de
um belíssimo plano que revela a biblioteca submersa do Hotel Desenlace,
nunca mostrada em toda a sua grandiosidade, apenas sugerida com esse
enquadramento e as incontáveis referências, uma tragédia muito maior do
que a culpa que, novamente, será posta sobre os ombros das pobres
crianças.

Muita coisa rola no Hotel Desenlace, como as crianças
observam... quem é amigo e quem é inimigo?
Diferente
dos protagonistas, que tem um final interessante, o desfecho do Conde
Olaf é muito melhor acertado, sendo seu caso com Kit Snicket, paixão que
nunca é colocada para ser repensada até a chegada da conclusão de seus
arcos respectivos, sendo tudo o que foi criado sobre o personagem, seus
rancores, sua personalidade vilanesca e também seus (muito raros)
momentos de nobreza, aproveitados, numa das cenas mais emocionantes de
toda a série. Olaf é descendente direto de Fagin, personagem de Oliver Twist de Chares Dickens, malfeitor (com até semelhanças fisionômicas com o conde) mas que tem um momento final redentor.

Flashbacks mostram muito do passado da C.S.C. e das relações
entre as famílias e ainda do porquê de amigos virarem inimigos...
Desventuras em Série apresenta
um desfecho emocionante e satisfatório na sua derradeira temporada, no
auge, indicando que esses términos não são finais felizes, porque “finais felizes” não
existem pois quando o narrador para de contar uma história, a narrativa
ainda continua, os casamentos poderão acabar, crianças poderão virar
órfãs e condes poderão ter a chance de um único ato de bondade em sua
vida. Com uma reflexão dura mas sensata sobre o mundo, onde como um bom
voluntário você deve usar os seus dons para fazer o bem, afinal “Aqui o mundo é sereno" , e a importância de vivermos sem medo da jornada, pois as situações alegres são possíveis, já a “felicidade” não, mas por que a tristeza deve substituir um sentimento bom e eterno?

Ron Moody como Fagin em "Oliver!" (1968) de Carol Reed.
Um "ancestral" de Olaf...
Afinal, ainda poderemos contar boas histórias, trocar experiências e
sorrir uns para os outros, relembrando o passado em qualquer mesa de
lanchonete, churrasco de família ou reunião de amigos, emitir um suspiro
ou ficar com os olhos úmidos pela lembrança de alguém que já se foi
mas, sentir-se grato por poder compartilhar a lembrança de sua
passagem.
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As ruínas da base da C.S.C. nas montanhas. |
Mantém-se, inclusive, o discurso do narrador Lemony Snicket (Patrick Warburton, ótimo na melhor interpretação de sua carreira, que dessa vez, atua também além de narrar), que segue nos explicando como aquela história é terrível e como aquelas crianças sofreram com as tramóias de seu tio malvado e trambiqueiro, plot esse que não deixa de lembrar o do filme As Trapaças do Falcão (Flight of the Doves -1971) de Ralph Nelson em que Ron Moody faz um mestre dos disfarces (o “Falcão” do título) decidido a roubar a herança de seus sobrinhos, e talvez, tenha sido a inspiração para Daniel Handler ( sob o pseudônimo de “Lemony Snicket”) desenvolver a sua saga que versa sobre nobreza, família, sobre ser uma das pessoas que ajudam a pagar incêndios enquanto outros os provocam, sobre a validade de você se igualar ao seu inimigo para derrota-lo, raciocínio implícito em frases como: “Combater fogo com fogo torna o mundo cinza”

Klaus (Louis Hynes) e Violet (Malina Weissman)
encontram as ruínas de uma base da C.S.C.
Esta
terceira temporada apresenta, de uma maneira mais curta e dinâmica, em 7
episódios, as mesmas qualidades, e algumas irregularidades das
temporadas anteriores. com um diferencial: a maturidade do conteúdo, que
aliada à uma grande carga emocional do texto que dão ao espectador um
choque de realidade, misturando o fantástico e a tragédia, sem deixar
uma impressão negativa sobre a vida, encorajando a superação nos
momentos mais difíceis (que não foram poucos), persistindo algumas
ferramentas de narrativa, especialmente no que se relaciona à adaptação
dos livros que deram origem à série. Agora os temas giram em torno dos
títulos O Escorregador de Gelo, A Gruta Gorgônea, O Penúltimo Perigo e Fim.
Tal evento é o catalisador para a apresentação do homem com barba mas sem cabelo e da mulher com cabelo mas sem barba (Richard
E. Grant e Beth Grant, que possuem o mesmo sobrenome mas, não são nem
irmãos, e nem são casados), os vis e abusivos mentores de Olaf, sendo que as
ações da dupla se estendem até os capítulos referentes ao derradeiro
brilho de esperança da série, quando em O Penúltimo Perigo,
diversos rostos familiares (que já vimos anteriormente ao longo da
série) retornam para um último julgamento contra Olaf e seus horrendos
crimes contra os Baudelaire e, entre eles a fofa, protetora e às vezes
irritante Juíza Strauss (Joan Cusack), responsável por realizar a última
reunião entre os membros da C.S.C. antes que os incendiários alcancem um patamar indestrutível e destruam os esforços benevolentes e voluntários da associação “heroica”, por assim dizer. no interior do Hotel Desenlace,
os Baudelaire terão a chance de almejar à uma vida normal e tranquila,
após tantos infortúnios. Só que os sonhos serão queimados, e as
esperanças, incineradas...
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Conde Olaf (Neil Patrick Harris) reencontra seus vis e
abusivos mentores (Richard E. Grant e Beth Grant)...
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O episódio inicial de O Escorregador de Gelo,
começa do final da temporada anterior, tal qual nos antigos seriados
dos anos 1930-1940,vemos os irmãos (e órfãos) Baudelaire Violet (Malina
Weissman) e Klaus (Louis Hynes) se livrando de uma armadilha fatal
engendrada pelo pérfido Conde Olaf (Neil Patrick Harris, ótimo e super à
vontade no papel) que capturou a caçula Sunny (Presley Smith) e decidem
resgatá-la. O trio entrega o mesmo bom desempenho das temporadas
anteriores, destacando-se Presley, que agora está mais velha e mais
falante no seu “bebênês”,
os irmãos ganham mais espaço nessa última temporada, pois não lhes
basta mais apenas combater Olaf, e agora eles precisam assumir suas
responsabilidades.
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Sunny (Presley Smith) surpreende com uma maior atitude
e iniciativa que jamais esperaríamos de uma criancinha...
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Aqui eles encontram os vestígios queimados de uma base da C.S.C. e algumas pistas. O Conde tem desfalques na sua trupe de comparsas, que se cansam “daquela vida” ficando um único remanescente, e acontece neste processo de enxugar as linhas narrativas o massacre em off
dos três artistas de circo, apresentados na temporada anterior, que
peca por desperdiçar três personagens com potencial numa conclusão
incômoda para uma triste história sobre jovens renegados pela sociedade
por serem “aberrações”, morrerem cruelmente – ainda com um viés cômico
na cena.
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A trupe original de Olaf debanda, sobrando apenas
"o Homem com Mãos de Gancho" (Usman Ally)...
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Tal evento é o catalisador para a apresentação do homem com barba mas sem cabelo e da mulher com cabelo mas sem barba (Richard
E. Grant e Beth Grant, que possuem o mesmo sobrenome mas, não são nem
irmãos, e nem são casados), os vis e abusivos mentores de Olaf, sendo que as
ações da dupla se estendem até os capítulos referentes ao derradeiro
brilho de esperança da série, quando em O Penúltimo Perigo,
diversos rostos familiares (que já vimos anteriormente ao longo da
série) retornam para um último julgamento contra Olaf e seus horrendos
crimes contra os Baudelaire e, entre eles a fofa, protetora e às vezes
irritante Juíza Strauss (Joan Cusack), responsável por realizar a última
reunião entre os membros da C.S.C. antes que os incendiários alcancem um patamar indestrutível e destruam os esforços benevolentes e voluntários da associação “heroica”, por assim dizer. no interior do Hotel Desenlace,
os Baudelaire terão a chance de almejar à uma vida normal e tranquila,
após tantos infortúnios. Só que os sonhos serão queimados, e as
esperanças, incineradas...
Neste
quesito é que a terceira temporada se sobressai, justamente na forma
como não poupa os Baudelaire, não os enxergando-os como encarnações
idealizadas e incorruptíveis de pessoas boas, sofredoras, injustiçadas e
incapazes de qualquer mal. Quando as crianças são postas em julgamento
contra Olaf em “O Penúltimo Perigo”,
todos os conceitos que a trama havia desenvolvido até então sofre uma
grande reviravolta, sendo questionados de forma honesta, quando expõe as
ações que eles próprios tomaram para se protegerem contra o maléfico
guardião e todas as variações de seus planos para tomar a fortuna
deixada pelos seus pais.
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Ésme Squalor (Lucy Punch) parceira vilanesca
estilosa nos figurinos e não-submissa.
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Não
se trata de um conceito exatamente complexo — estamos tratando de
estabelecer que os personagens não são maniqueístas, levando-nos a nos
perguntar quem será realmente o “vilão”? Ou, os “mocinhos” eram
verdadeiramente bons? —, ideia essa que ganha uma dimensão poderosa
numa série que é vista pela ótica de crianças, que se disfarçou sob a
dinâmica simplista de um homem ruim contra pobres crianças tristes. A
forma como Olaf muda o rumo do julgamento mostra (de forma didática,
numa era de ”Fake News”
) o quanto informações incompletas e fora do contexto podem ser usadas
para se criar conceitos errôneos e manipular as reações das pessoas, com
resultados catastróficos.
E o elenco... Poucas séries tem um casting tão consistente, capaz de segurar as reviravoltas de um texto. Como a grande surpresa do Homem com Mãos de Gancho
(Usman Ally), o capanga de Olaf remanescente, revelar um passado e uma
importância inesperada, contrastando com outros coadjuvantes,
descartados pela série – como Larry, Seu Garçom (Patrick
Breen), por exemplo, criando um personagem novo e diferente do até
agora visto, desenvolvendo empatia com o público. Esmé Squalor (a ótima
Lucy Punch) é ainda mais impiedosa do que no livro, sendo a versão
perfeita da vilã da história. Gananciosa, inteligente e diabólica, está
disposta a tudo para conseguir o que quer. E não se contentando em ser
uma mera sombra de Olaf, e temos de volta a irritante Carmelita Spats
(Kitana Turbull) a “Shirley Temple do Mal”, odiosa e mimada, não há como não dar os créditos a menina que apesar da pouca idade brilha na tela numa senhora personagem.
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Os Baudelaire sáo unidos até debaixo dágua...
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Novos rostos surgem em participações especiais, cumprindo bem o seu
papel no curto tempo que lhes é dado. Temos Morena Baccarin como
Beatrice Baudelaire, Dylan Kingwell como Quigley Quagmire, Max
Greenfield como os irmãos Frank, Ernest e Dewey, Angelina Capozzoli como
Beatrice Baudelaire II, Peter MacNicol como Ishmael, Kassius Nelson como
Fiona Widdershins e como na temporada anterior conhecemos o irmão de
Lemony, Jacques Snicket (Nathan Fillion), nesta tivemos a aparição da
terceira irmã Snicket, Kit Snicket (Allison Williams) que apareceu em
alguns trechos da temporada anterior bem rapidamente. Todos relacionados
com a cadeia de eventos que, cada um como uma simples e pequena pedra,
que cai na superfície de um lago calmo, pode reverberar até o oceano e
tomar dimensões catastróficas levando a pensar no quanto devemos
acreditar em uma história contada.
A
temporada nos mostrou também como o amor pode resultar em ações
terríveis. Enxergamos a humanidade em cada personagem. As motivações
deles. A trajetória que os levaram até aquele ponto de maldade. O
roteiro passeia entre o passado e o presente dos Snicket, assim como da
família Baudelaire (que se revelam de igual importância), onde
aprendemos muito sobre Beatrice, Kit, Esmé Squalor e principalmente, o
conde Olaf, que tinha lá as suas razões para fazer o que fazia, bem como
a sua relação com as famílias Snicket e Baudelaire.
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A "Montanha de Mão-Morta". A equipe de direção de arte e efeitos visuais
se esmerou em criar ambientes surreais e deslumbrrantes, dignos
de um filme de Tim Burton, Wes Anderson ou Terry Gillian.
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Explorar
o universo do fantástico sempre foi missão das mais audaciosas, e nesta
série não é diferente. O seu mix de gêneros narrativos, indo do drama
com comédia de humor negro, assumindo um tom mais misterioso, sombrio,
flertando com o absurdismo e a literatura ficcional gótica é um exemplo.
E traduzindo esse espírito a impecável direção de arte, a cargo do
Designer de Produção Bo Welch (costumaz colaborador de Tim Burton e do
produtor da série Barry Sonnenfeld) segura a peteca criando visuais
deslumbrantes (que por vezes, imitam uma peça de teatro, o que é
perfeito para o narcisista Conde Olaf) como o Hotel Desenlace, que sem sombra de dúvida merece comparação com O Elevador Ersatz em seu quesito fabulesco e fantástico, ou as Montanhas de Mão-Morta, grutas e ruínas de O Escorregador de Gelo , ou o submarino Queequeg (referência a Moby Dick de Heman Melville) e o Carmelita, submarino-polvo de Olaf, de A Gruta Gorgônea que acabam parecendo uma versão steampunk de 20.000 Léguas Submarinas de Júlio Verne.
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Kit Snicket (Allison Williams) a irmã de Lemon, ajuda os órfãos...
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Welch
e equipe, aliado ao trabalho da figurinista Cinthya Ann Summers, bem
como a do fotógrafo Bernard Coulture (e a legião dos efeitos visuais)
traduzem visualmente tais elementos, com uma boa dose de encantamento,
gerando momentos únicos como o da morte de um personagem, acompanhada de
um belíssimo plano que revela a biblioteca submersa do Hotel Desenlace,
nunca mostrada em toda a sua grandiosidade, apenas sugerida com esse
enquadramento e as incontáveis referências, uma tragédia muito maior do
que a culpa que, novamente, será posta sobre os ombros das pobres
crianças.
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Muita coisa rola no Hotel Desenlace, como as crianças
observam... quem é amigo e quem é inimigo?
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Diferente
dos protagonistas, que tem um final interessante, o desfecho do Conde
Olaf é muito melhor acertado, sendo seu caso com Kit Snicket, paixão que
nunca é colocada para ser repensada até a chegada da conclusão de seus
arcos respectivos, sendo tudo o que foi criado sobre o personagem, seus
rancores, sua personalidade vilanesca e também seus (muito raros)
momentos de nobreza, aproveitados, numa das cenas mais emocionantes de
toda a série. Olaf é descendente direto de Fagin, personagem de Oliver Twist de Chares Dickens, malfeitor (com até semelhanças fisionômicas com o conde) mas que tem um momento final redentor.
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Flashbacks mostram muito do passado da C.S.C. e das relações
entre as famílias e ainda do porquê de amigos virarem inimigos...
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Desventuras em Série apresenta
um desfecho emocionante e satisfatório na sua derradeira temporada, no
auge, indicando que esses términos não são finais felizes, porque “finais felizes” não
existem pois quando o narrador para de contar uma história, a narrativa
ainda continua, os casamentos poderão acabar, crianças poderão virar
órfãs e condes poderão ter a chance de um único ato de bondade em sua
vida. Com uma reflexão dura mas sensata sobre o mundo, onde como um bom
voluntário você deve usar os seus dons para fazer o bem, afinal “Aqui o mundo é sereno" , e a importância de vivermos sem medo da jornada, pois as situações alegres são possíveis, já a “felicidade” não, mas por que a tristeza deve substituir um sentimento bom e eterno?
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Ron Moody como Fagin em "Oliver!" (1968) de Carol Reed.
Um "ancestral" de Olaf...
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Afinal, ainda poderemos contar boas histórias, trocar experiências e
sorrir uns para os outros, relembrando o passado em qualquer mesa de
lanchonete, churrasco de família ou reunião de amigos, emitir um suspiro
ou ficar com os olhos úmidos pela lembrança de alguém que já se foi
mas, sentir-se grato por poder compartilhar a lembrança de sua
passagem.
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