terça-feira, 12 de julho de 2022

Thorpalhão... - Crítica – Filmes: Thor: Amor & Trovão (2022)

 

 
Entre o martelo e o machado...




por Alexandre César

E Taika Waititi carrega (mais que o ideal) nas piadas






Desde que surgiu em Journey into Mystery #83 (agosto de 1962), criado por Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby, Thor, o Deus do Trovão, passou de alegoria das fantasias de onipotência do homem nerd comum*1 a um ser totalmente seguro de si e de seu poder, sem necessitar de sua contraparte mortal. Tal caminho foi seguido nas telas no primeiro filme (Thor, de 2011, dirigido por Kenneth Branagh), que investiu na teatralidade dos conflitos shakespearianos familiares, e no segundo (Thor: O Mundo Sombrio, de 2013, dirigido por Allan Taylor), que se pautou nas diferenças e semelhanças entre magia e ciência. O problema era que, a despeito desses filmes se pagarem e até darem lucro, eles não eram tão rentáveis quanto os outros do Universo Cinematográfico Marvel


Num prólogo vemos como Gorr (Christian Bale) que, de grande devoto, passa a ser o "Carniceiro dos Deuses", embora pouco se veja de fato o tamanho de sua 'Jihad'


Assim, desde a sua compra pela Disney, foi se impondo na Marvel a lógica de tornar os filmes os mais lucrativos possíveis (independente da fidelidade ou não ao material matriz). Então, aproveitando o já comprovado timing cômico do seu astro principal, entrou em cena na franquia do Deus do Trovão o neozelandês Taika Waititi (Jojo Rabbit), que em Thor: Ragnarok (2017) investiu num humor quase pastelão e na ação frenética, descartando a maioria dos personagens coadjuvantes asgardianos (era o Ragnarok, certo? Então...) e redefinindo o universo narrativo do personagem (deixando de lado o tom mais wagneriano dos primeira longas) para uma aventura humorística (um blockbuster pipocão assumido) de vasto e colorido visual, pleno de referências ao trabalho dos quadrinistas Jack Kirby e Walt Simonson na cenografia, figurino e adereços, e com muito rock na trilha musical. 

 

Vemos, na narrativa de Korg, o nosso herói fazendo crossfit, para voltar a velha forma

E ele malha...



A resposta mais que positiva da bilheteria mostrou que a operação foi bem-sucedida, apesar dos fãs mais ortodoxos reclamarem da imposição da 'Fórmula Marvel', onde para cada cena dramática sempre há uma ou duas piadas (para evitar pesar muito o tom e afastar o espectador casual). Como as bilheterias mandam, este rumo se impôs e uma continuação nestes moldes se tornou inevitável. 

 

Já no 'shape'’, Thor Odinson (Chris Hemsworth) e seu machado "Rompedor de Tormentas" mostram a que vieram



Thor: Amor & Trovão (2022) tem o roteiro de Jeniffer r Kaytin Robinson (Alguém Especial) e argumento de Taika Waititi, tem o acréscimo de novos personagens baseados naqueles criados por Jason Aaron para os arcos nas HQs de Gorr, o Carniceiro dos Deuses e Thor, a Deusa do Trovão. Como no filme anterior de Waititi, segue a caracterização de Thor Odinson (Chris Hemsworth, de Thor: Ragnarok) como um grandalhão gente boa, vaidoso, narcisista e, por que não dizer, bronco como um adolescente! 

Tendo a identificação com o público alvo feita, o filme tem um prólogo muito bom, embora resumido, da trajetória da vida miserável de Gorr interpretado por Christian Bale (Ford vs. Ferrari), que, em ótima performance, convence como o Carniceiro dos Deuses, merecendo elogios também a maquiagem de Melanie Aksamit (Ratched) e Tansim Dorling Barbosa (Venon: Tempo de Carnificina) em sua caracterização. Agora, à despeito do empenho do ator, infelizmente o estrago causado por Gorr é mais falado do que visto ao longo do filme, diluindo o seu impacto para apenas mais um ‘bicho papão’...

Drax, Nebula, Rocket, Mantis e Groot, além do resto dos "Guardiões da Galáxia", fazem uma participação especial


Após a apresentação de Gorr, temos Korg (voz de Taika Waititi) narrando a vida de Thor e, numa rápida e pontual participação, vemos a sua vida junto com os Guardiões da Galáxia após os eventos de Vingadores: Ultimato, atestando o quanto o narcisista Thor, apesar de útil em combate, logo vai se tornando um saco. Assim, Peter Quill (Chris Pratt, de Jurassic World Domínio), Drax (Dave Bautista, de Army of Dead: Invasão em Las Vegas), Nebula (Karen Gilan, de Vingadores: Guerra Infinita), Rocket (Bradley Cooper), Mantis (Pom Klementieff), Kraglin (Sean Gunn) e Groot (Vin Diesel) logo aproveitam uma oportunidade e deixam o Deus do Trovão seguir o seu caminho (afinal eles têm de atuar em seu próprio filme...). 

 

Lesbian Chic: Em "Nova Asgard", a agora Rei Valkíria (Tessa Thompson) administra o reino. A tão falada orientação da personagem dessa vez é mostrada de forma sutil

E com vocês, a nova possuidora do Mjolnir: Jane Foster (Natalie Portman), a Deusa do Trovão!


Voltando à Terra, mais especificamente à Nova Asgard, reencontramos, a agora Rei Valkíria (Tessa Thompson, de Westworld) cuidando entediada do assentamento, que funciona como um resort/parque temático, com direito a um ‘teatrinho’ *2 sobre os eventos trágicos que levaram os asgardianos a deixarem seu reino celeste... 

 

Após o ataque de Gorr a "Nova Asgard", Thor e Korg
veem que devem procurar reforços



Quando Gorr ataca, Thor descobre, para a sua surpresa, que sua antiga namorada Jane Foster (Natalie Portman, de Aniquilação) é agora detentora da posse do Mjolnir, tornando-se a nova Deusa do Trovão. Isso causa ciúmes no machado do asgardiano, o Rompedor de Tormentas. Isso gera momentos divertidos, que quebram a dramaticidade do arco - Jane é portadora de um câncer agressivo e, toda vez que usa o Mjolnir, a magia asgardiana elimina os efeitos da quimioterapia, deixando o seu organismo mais debilitado. O potencial dramático deste arco fica minimizado ao predominarem situações de comédia romântica dignas das de Meg Ryan ou Sandra Bullock...



O arco dramático de Jane Foster é pouco valorizado em detrimento de situações de comédia romãntica

 

Reunida a trupe, ela ruma para a Cidadela da Onipotência, local entre as dimensões (com toques em sua arquitetura espacial que remete à Escher), para pedir apoio aos principais panteões que lá se reúnem. No local os deuses são chefiados pelo ídolo de Thor, o poderoso Zeus (Russell Crowe ,de Gladiador), que, para a sua decepção, se revela um negacionista bonachão (e com um sotaque ‘qualquer-coisa’) que prefere ficar escondido deixando Gorr matar ‘deuses menores’ a se arriscar em um combate. 

 

Reunida a trupe, eles rumam para a "Cidadela da Onipotência" em busca e reforços contra Gorr

 

Zeus recusa apoio ao grupo, que pega uma arma ‘emprestada’ para enfrentar o inimigo em seu combate final, no qual a edição de Peter S. Elliot (2012); Tim Roche (WandaVision); Matthew Schmidt (Viúva Negra) e Jennifer Vecchiarello (Sempre em Frente) realiza um competente trabalho, dosando a ação com drama, sem excesso de cortes, facilitando a nossa orientação no espaço do combate embalado pela música de Michael Giacchino (Lightyear) e Nami Melumad (Star Trek: Strange New Worlds), que inclui em sua seleção vários hits do Guns N' Roses, entre outros. 

 

Showman (ou melhor, Showgod): Zeus (Russel Crowe) é o 'popstar' da "Cidadela da Onipotência"

Nunca queira conhecer seus ídolos: Zeus se revela um negacionista que não quer se meter nesse conflito, preferindo organizar orgias (até que não é má idéia...)



Temos ainda participações pontuais de Darcy Lewis (Kat Dennings, de WandaVision), Dr. Erik Selvig (Stelan Skarsgard, de Thor) e de Lady Sif (Jamie Alexander, de Loki), que apenas surgem para mostrar em suas linhas, sem muito aprofundamento, o que precisa para a trama prosseguir. Os figurinos de Mayes C. Rubeo (Jojo Rabbit) trabalham bem os layouts de seus personagens, traduzidos à perfeição pelos trajes e adereços especiais criados por Weta Workshop e pelos efeitos de maquiagem e criaturas criados por Odd Studio, que assumem o seu lado cartunesco quando necessário, plenos de cores vivas e capas, armaduras, mas poucos capacetes, para não esconder o rosto dos atores (essas criaturas tão vaidosas quanto os deuses). 

 

Entre dois amores: Thor se vê dividido entre querer Mjolnir de volta, e manter o ciumento "Rompedor de Tormentas"


A fotografia de Barry Baz Idoine (O Mandaloriano) trabalha uma palheta de cores vivas, surpreendendo nos tons desssaturados e altamente contrastantes do Mundo da Escuridão, onde os heróis combatem Gorr, em cujo ambiente, o desenho de produção de Nigel Phelps (Pokémon: Detetive Pikachu) cria, neste e em outros - como a Cidadela da Onipotência -, junto com direção de arte de Charlie Revai (Resgate); Vlad Bina (O Mandaloriano); Joshua Dobkin (A Casa Sombria); Tony Drew (Extraction 2) e Jenny Hitchcock (The Luminaries) cenários plenos de referências ao lado místico e cósmico do Universo Marvel, que a decoração de sets de Katie Sharrock (Mad Max: Estrada da Fúria) complementa com detalhes que remetem não só a Jack Kirby, como a Steve Ditko, responsável pela maior parte do chamado “Visual Cósmico Multiversal da Marvel”, sendo referência iconográfica entre os desenhistas de super-heróis até hoje. Tais ambientações são complementadas pelos efeitos visuais de Effetti Digitali Italiani (EDI), Industrial Light & Magical (ILM), Lola Visual Effects, Luma Pictures, Framestore, Mammal Studios, Perception e Soho Studios, supervisionados por Frazer Churchill (Mulher-Maravilha) e Hayden Landis (
O Mandaloriano) que ampliam as dimensões e os tons cromáticos destas ambientações.

As lutas são bem coreografadas, embora nada excepcionais


Com seus (muitos) excessos, Thor: Amor & Trovão carrega o tom pessoal de Waititi, que prossegue no seu objetivo de popularizar o Deus do Trovão, enfiando humor talvez mais do que o tema pedisse... O fato de ser o único personagem dos Vingadores originais a atingir o seu quarto filme mostra que, mesmo que aos trancos e barrancos, ele atingiu o seu alvo e provavelmente encerrará sua trajetória num próximo filme, mesmo que tenha de fazer alguns ajustes, já que, aqui, a dosagem pesou um pouco mais... 

 

A direção de arte é criativa na criação de mundos fantásticos


A fotografia sabe ir dos tons coloridos ao preto e branco de forma elaborada





Notas:

*1: A alegoria original criada a partir de Donald Blake -  um homem manco que, ao bater com firmeza no chão sua bengala (que é um galho de madeira) fazendo com que ela se transforme no martelo mágico Mijolnir, torna o fraco e coxo (e pouco viril) médico no poderoso Deus do Trovão -  já foi analisada por vários pesquisadores como a sublimação inconsciente dos desejos de potência do homem comum, coisa comum a vários mitos (e super-heróis) em que um homem comum, através de um adereço especial, se torna um indivíduo poderoso, capaz de feitos extraordinários, como um deus ou semi-deus.

*2: Na cena do teatrinho mambembe de Nova Asgard temos como ‘atores’, que dramatizam o filme anterior, Matt Damon, de O Último Duelo (como Loki); Luke Hemsworth, de Westworld (como Thor); Sam Neill, de Jurassic World Domínio (como Odin); e Melissa McCarthy, de Mike & Molly (como Hella). 

 

"E o barquinho vai... e o barquinho vem..."


 


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