domingo, 15 de agosto de 2021

Guardiões da Fuzarca!!! - Crítica - Filmes: O Esquadrão Suicida (2021)

 


 Aventura (e pecados) abaixo do Equador...



por Alexandre César

James Gunn e a volta dos "bastardos inglórios" da DC 
 
 

 

Após o sucesso dos dois filmes de Guardiões da Galáxia, James Gunn estava em maus lençóis. Antitrumpista assumido, ele teve tweets antigos relembrados (de uma época que todo mundo postava m3rd@ sem muito cuidado), que fizeram a Disney / Marvel despedi-lo, deixando o seu futuro no mercado incerto. 

 
O filme de 2016: Capitão Bumerangue (Jai Courtney), Arlequina (Margot Robbie), Pistoleiro (Will Smith), Katana (Karen Fukuhara), Rick Flag (Joel Kinnaman), Killer Croc (Adelawe Akinnuoye-Agbaje) e Diablo (Jay Hernandez). Apesar da boa bilheteria, o filme nunca foi engolido pelo fandom


Aproveitando a deixa, a Warner Bros / DC o recrutou para uma missão suicida, daquelas que apenas a cruel chefona Amanda Waller obrigaria qualquer um a fazer: a de revitalizar a franquia do filme Esquadrão Suicida (2016), a desventurada empreitada cinematográfica comandada por David Ayer (e picotada pelo estúdio à sua revelia). Investir novamente no grupo parecia mesmo uma missão inglória. O filme que, apesar do expressivo sucesso de bilheteria e de destacar Margot Robbie na cultura pop como Arlequina, nunca caiu realmente nas graças do público ou da crítica. Sua continuação parecia fadada ao fracasso.
 

Sanguinário (Idris Elba) é coagido por Amanda Waller (Viola Davis) para liderar uma missão

Sábio (Michael Rooker) é recrutado e recebe a cápsula explosiva, implantada na nuca pelo Dr. Fitzgibbon (o quadrinista John Ostrander)



Para cumprir a missão, Gunn, fã das HQs da equipe escritas por John Ostrander, o quadrinista que revolucionou a equipe nos anos 1980 (e que inclusive faz uma ponta no filme), conquistou controle criativo praticamente absoluto sobre o roteiro (de sua autoria). Isso incluiu a liberdade sobre quais personagens usar, o tamanho que teriam na trama e quantos e quais morreriam - e quão ridículas seriam essas mortes. Sendo um misto de continuação, reboot e retcon do filme de 2016, O Esquadrão Suicida (2021) é um longa-metragem de James Gunn até a medula, justamente por ser uma obra assumidamente anárquica, divertida e (quem diria?) tocante. São evidentes no conjunto as semelhanças com os filmes da franquia Guardiões da Galáxia, suas obras mais abertas a todos os públicos. No caso deste filme, Gunn conseguiu convencer o estúdio a deixá-lo fazer um filme mais adulto, não apenas PG-13, o que beneficiou a obra, que abusa da sanguinolência, linguagem e gestos chulos de forma inteligente. Nunca foi tão bom ser assumidamente escroto!!!

Numa citação à cena de abertura de "Patton, Rebelde ou Herói?" (1970) temos a nova equipe


 
De maneira ágil e didática, a implacável Amanda Waller (Viola Davis, de As Viúvas), escolhe dentro da prisão de Belle Reve os mais “adequados” vilões do Universo DC para uma série de missões de altíssimo risco para o governo EUA em troca de redução de pena. Rick Flag (Joel Kinnaman, de Altered Carbon), Capitão Bumerangue (Jai Courtney, de Divergente) e Arlequina (Margot Robbie, de Eu,Tonya, mais do que à vontade com a personagem) são reintroduzidos ao público (partindo do princípio que o espectador já está ciente do que esses personagens passaram juntos no filme anterior). Ainda assim, quem não viu o longa de 2016 se contextualiza rapidamente à medida que Flag, o líder do Esquadrão, explica a missão para Sábio (Michael Rooker, de Risco Total), que se junta a um numeroso grupo de vilões para invadir Corto Maltese*1. O país sofreu um golpe de Estado pelo Exército local, liderado pelo general Silvio Luna (Juan Diego Botto, de Rocambola) e seu parceiro, o General Suarez (Joaquín Cosio de El Candidato). O objetivo do grupo é destruir um experimento científico misterioso na ilha caribenha e limpar a barra dos EUA sobre coisas feitas às escondidas.

Os novos rostos incluem O.C.D. (Nathan Fillion), Dardo (Flula Borg), Mongal (Mayling Ng), Blackguard(Pete Davidson)...

...e Doninha (Sean Gunn). Logo de cara vemos que a missão não será fácil


Chegando ao Universo Cinematográfico DC de forma hilária e sanguinolenta, Gunn, assim como fez no UCM, surpreende entregando um “combo” explosivo de caos, num dos mais insanos filmes de super-heróis dos últimos tempos. 
Explorando o cânone da DC de maneira divertida, o diretor traz o que a quinta categoria da editora tinha de pior: Blackguard (Pete Davidson, de A Arte de Ser Adulto), Doninha (Sean Gunn, de Guardiões da Galáxia Vol. 2); Homem das Bolinhas (o ótimo David Dastmalchian, de Homem-Formiga e a Vespa e um dos destaques do longa), Sanguinário (Idris Elba, de Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw, óbvio substituto para o Pistoleiro de Will Smith, até mesmo em relação ao seu conflito familiar), O.C.D. (Nathan Fillion, de Firefly), a millennial Caça-Ratos 2 (Daniela Melchior, de Ouro Verde, uma das melhores coisas do longa); Dardo (Flula Borg, de A Escolha Perfeita 2); Mongal (Mayling Ng, de Mulher-Maravilha), o sociopata patriótico Pacificador (John Cena, de Velozes & Furiosos 9, cuja disputa de “macho alfa” com o Sanguinário rende ótimos momentos) e Nanaue, o Tubarão-Rei (voz de Sylvester Stallone), um tubarão antropomórfico cuja sede de sangue só é superada por sua pouca inteligência (espero logo comprar o meu bonequinho!) e Sol Soria (Alice Braga de Os Novos Mutantes) a líder rebelde de Corto Maltese e muitos mais.

Caça-Ratos 2 (Daniela Melchior) e seu pet Sebastian são algumas das grandes e boas surpresas do filme


 
Waller trata os membros da Força-Tarefa X (o nome oficial do Esquadrão) de forma descartável e, sem cerimônia, Gunn, que soube raspar o tacho dos personagens mais obscuros da DC Comics, impala, incendeia, afoga, fatia e alveja alguns dos atores mais requisitados de Hollywood, que sofrem mortes criativas e exageradas, dignas dos filmes de ação “brucutu” que dominaram a indústria nos anos 1980. Gunn se revela um digno sucessor de Paul Verhoeven (Robocop, Tropas Estelares), com direito a uma trilha sonora matadora de John Murphy (Extermínio) e uma playlist (englobando de Johnny Cash a Marcelo D2) que participa de forma orgânica, complementando a trama e os personagens.

 
Amadurecimento: Arlequina continua a sua jornada de evitar relacionamentos tóxicos

Rick Flag amadure enquanto personagem, questionando o seu papel na equipe


Com uma óbvia influência de clássicos como Os Doze Condenados (1967, de Robert Aldrich), Patton, Rebelde ou Herói?(1970) de Franklin J.Schaffner, A Cruz de Ferro (1977, de Sam Peckinpah), e O Resgate do Soldado Ryan (1998, de Steven Spielberg) entre outros,Gunn compõe um caleidoscópio de violência e sangue. Mas ainda assim consegue, no meio dessa violência, desenvolver as relações entre os membros do grupo, nos oferecendo vislumbres sobre seus traumas e a forma como eles enxergam o mundo, dando a eles diferentes tons de sombras – especialmente por quase todos eles serem… vilões. E falando de vilões, estes variam na qualidade do desenvolvimento. Enquanto os ditadores genéricos de Corto Maltese são descartados um a um de forma que não conseguimos fixar seus nomes ou patentes, o Pensador (Peter Capaldi, de Doctor Who) é diferente. Este sim, mostra em poucos segundos o seu poder de manipulação e genialidade, xingando e desafiando todos de maneira ameaçadora (apesar da caracterização “qualquer-coisa”). É através dele que o gigantesco Starro*2 é desenvolvido. É graças à falta de escrúpulos do cientista que o ódio do alienígena e suas ações no climax do filme parecem críveis e até compreensíveis. Mesmo sem muitos detalhes, o filme deixa claro que o alien estava na dele, no espaço, até os humanos o capturarem e fazer com ele toda a sorte de experimentos cruéis e dolorosos...

O General Suarez (Joaquín Cosio) é um dos cabeças do golpe de estado em Corto Maltese


Apesar de toda a tosquice da maioria dos personagens, não podemos dizer que eles sejam realmente desperdiçados. Arlequina mantém aqui a evolução que mostrou em Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa, Caça-Ratos 2 tem um ótimo flashback de sua infância em Portugal com seu pai (Taika Waititi, de Thor: Ragnarok) e Sanguinário e Pacificador têm algumas das rusgas mais hilárias - e violentas - da história do cinema de super-herói. Mesmo Flag, que antes era nada mais do que um soldado obedecendo ordens, desenvolve sua própria personalidade e mostra força o bastante para contrariar Waller sempre que acha necessário. Até a própria equipe de Waller em Belle Reve tem uma personalidade própria, fazendo bolões de apostas entre si sobre quais membros da Força-Tarefa X irão morrer em ação.

Equipe heterogênea: Homem das Bolinhas (David Dastmalchian), Pacificador (John Cena), Sanguinário e Caça-Ratos 2

Luta: Sol Soria (Alice Braga) é a líder da guerrilha em Corto Maltese



A fotografia de Henry Braham (Guardiões da Galáxia Vol. 2), mostra composições claras do que se vê em cena. Conjugada com a edição de Fred Raskin (Era Uma Vez Em... Hollywood!) e Christian Wagner (A Outra Face), ela cria momentos únicos, como uma luta espelhada num capacete. Esta união valoriza a narrativa e o desenho de produção de Beth Mickle (Brooklyn: Sem Pai Nem Mãe) que, em sintonia com a direção de arte de Alan Hook (Pantera Negra), Lauren Abiouness (Loki), Lorin Flemming (Liga da Justiça), Brittany Hites (Passageiros), Darshankumr Joshi (O Homem Invisível), Alex Carrolj (Celular), Drew Monahan (Rampage: Destruição Total), Maria Fernanda Muňoz (Operação Fronteira), Jay Pelissier (Homem-Formiga e a Vespa) e Domenic Silvestri (Mulher Maravilha 1984), criam espaços reais e caricatos, assumindo as referências e easter-eggs do universo dos quadrinhos. Vemos isso na transformação das locações no Panamá e Porto Rico na fictícia Corto Maltese, cuja decoração de sets de Lisa K. Sessions (Drive) enfatiza o luxo ostentoso e brega do palácio residencial do ditador (digno das novelas mexicanas) em contraste com o rústico dos acampamentos rebeldes e das periferias da capital. Também vemos nos tons expressionistas do laboratório de Jotunhein, onde o Pensador mantém Starro aprisionado. Os figurinos de Judianna Makovsky (Vingadores: Ultimato) literalmente vestem seus personagens no clima quadrinistico, com sua palheta de cores básicas e designs fiéis ao visual dos gibis ou assumindo o ridículo, como quando o grupo está disfarçado em um bar de quinta em busca de uma pista, onde apresenta modelitos como a camisa polo justa e a bermudinha do Pacificador (e seu “traje de dormir” ), trazendo algumas das melhores gags do filme.
 
Kaiju: Starro, "O conquistador", na realidade é uma vítima da ambição humana


Os efeitos visuais das empresas Halon Entertainment, Framestore, Gentle Giant Studios, Legacy Effects, Proof, Scanline VFX, Srooggins Aviation, The Third Floor, Trixter, Weta Digital e fx3x, supervisionados por Kelvin Mcllwain (Aquaman), são de altíssima qualidade, criando personagens únicos como o Tubarão-Rei, Sebastian (o mascote da Caça-Ratos 2) e Starro, que aqui assume o seu lado kaiju, fazendo uma incrível destruição em larga escala numa comunidade carente, contrastando com os filmes de Godzilla, que costuma só destruir arranha-céus.

Nanaue, o Tubarão-Rei (voz de Sylvester Stallone) e o Pensador (Peter Capaldi) são outros dos personagens insólitos do filme

No final, Sanguinário assume a sua vocação para líder e a equipe (ou o que resta dela) decide enfrentar o monstro


 
No final, O Esquadrão Suicida é um novo começo, tanto para os personagens (os sobreviventes) quanto para a DC e o próprio Gunn (que já foi recontratado pela Marvel). Uma volta por cima grandiosa e explosiva, comprovando o acerto de sua visão para esses personagens, criando uma obra das mais malucas e bacanas que já passaram pelo gênero, sem abrir mão da controvérsia nos momentos certos. 

Nanaue, o Tubarão-Rei mostra que sabe repartir as coisas, ou os adversários...


Afinal, em alguns casos, é bom “saber ser escroto” da maneira certa...
 
Obs: o filme possui duas cenas pós-créditos.




Notas:

Corto Maltese, a criação maior de Hugo Pratt
 
*1: A ilha de Corto Maltese, foi introduzida no Universo DC por Frank Miller no seu clássico Batman: O Cavaleiro das Trevas (1985). O nome da ilha é uma homenagem ao personagem do mesmo nome e ao seu criador, o quadrinista italiano Hugo Pratt (1927-1995).

 
A estréia da Liga da Justiça

Os pacíficos alienígenas-estrela

*2: O personagem surgido nas páginas de The Brave and The Bold n°28, lançada entre fevereiro e março de 1960, teve seu visual inspirado nos alienígenas do filme japonês O Alerta do Espaço (1956, de Kôji Shima). Só que no filme, os alienígenas são pacíficos, querendo ajudar a humanidade e não conquistar a Terra. É um dos poucos filmes do gênero à fugir do clichê padrão de alienígena-invasor. Esta primeira história nos quadrinhos marca também a primeira aparição da Liga da Justiça, que confronta o alien.

    
"-Galera, acho que a missão melou..."


 

0 comentários:

Postar um comentário