terça-feira, 10 de agosto de 2021

"Spice Girls" - Crítica - Filmes: Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa (2020)

 


Representatividade, Fetiche, Lacração

por Alexandre César

(Originalmente postado em 07/ 02/ 2020)


Arlequina e suas amigas mandam ver...


Tendo surgido na animação, Arlequina logo foi incorporada ao universo dos quadrinhos, fazendo dupla com a Hera Venenosa


Criada por Paul Dini e Bruce Timm para a série Batman Animated a Arlequina foi originariamente criada como uma ajudante do Coringa replicando as belas cúmplices da série televisiva dos anos 60 com Adam West. Seu jeito sapeca e visual de Pin-Up logo criou uma legião de fãs que fez a DC Comics a incorporá-la ao universo da editora, gerando entre várias histórias a premiada Louco Amor de 1994, ganhadora do Weisner Awards (o Oscar dos quadrinhos) que definia a sua origem, mostrando a sua ambição desde os tempos da Universidade, quando seduzia professores para tirar boas notas(aqui, seria a típica moça que faz psiquiatria para poder ter um receituário de remédios tarja preta) e a partir dessa formação moral dúbia acabar “caindo na vybe” do Palhaço do Crime e surgindo aí o seu amor doentio e a relação abusiva dele para com ela, sendo que seu relacionamento com Pâmela Isley a Hera Venenosa servia como uma ruptura desse ciclo de baixa auto-estima (nos quadrinhos elas se casaram). Posteriormente a sua ascenção no audio visual se consolidou no equivocado Esquadrão Suicida (2016) de David Ayer, graças à escalação da sua intérprete definitiva: Margot Robbie (Eu, Tonya) sendo a melhor coisa do filme e garantindo a atriz maior visibilidade e poder de fogo para novos voôs da personagem nas telas.


"Esquadrão Suicida" (2016): Filme fraco mas que trouxe visibilidade à personagem para o grande público, que a abraçou

Dirigido por Cathy Yan (Dead Pig) Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa (2020) se propõe a ser um conto distorcido narrado pela própria Arlequina, mostrando todos os acontecimentos a partir do seu ponto de vista único, sendo divertido e sem pudor, celebrando todas as formas do feminino em uma jornada de autorrealização num filme desigual mas que tem os seus méritos, apesar de suas contradições...
 

Arlequina (Margot Robbie) entre outros momentos, relembra seus tempos de "rolergirl"


Canário Negro (Jurnee Smollett-Bell) tem origem e visual reformulado, dando adeus à jaqueta, ao maiô e à meia-arrastão

O roteiro de Christina Hodson (Bumblebee) se propõe a mostrar que “Mulher forte” e “empoderada” (termo usado para descrever personagens femininas que desafiam os padrões da sociedade patriarcal) pode ser mais do que as visões idealizadas, masculinizadas ou hipersexualizadas, que os quadrinhos, o cinema e a TV costumam mostrar, que costumam ver a “força” embutida numa índole pura, curvas e bíceps definidos combinados com um decote profundo com uma metralhadora. Coisa que entra em contradição com a própria essência dos quadrinhos, que flerta com o fetichismo desde as suas origens. Do início até após a marca da metade, o roteiro tende a dar muitas voltas para estabelecer a conexão de Arlequina com cada uma das Aves de Rapina, abusando de flashbacks e narrativas em off, de forma que quando finalmente, as anti-heroínas se unem para salvar a pivete Cassandra Cass”Cain (Ella Jay Basco) temos a sensação de um primeiro ato desnecessariamente extenso. Se a edição de Jay Cassidy (O Lado Bom da Vida) e Evan Schiff (John Wick Capítulos 2 e 3) tivesse reduzido a metragem do filme aqui e ali, em uns 10 ou 13 minutos, teriam feito maravilhas no filme, alavancando mais ainda o seu pique narrativo...
 

A Caçadora (Mary Elizabeth Winstead) pedia um pouco mais de tempo de tela para ser melhor desenvolvida


Deu Match: Roman Sionis, o Máscara Negra (Ewan McGregor) e seu fiel capanga Victor Zsasz (Chris Messina)


Robbie (que também é uma das produtoras) domina a narrativa, ocupando o maior tempo de tela com os coloridos e extravagantes figurinos de Erin Benach (Nasce Uma Estrela) dando o espaço apenas necessários para que conheçamos o restante da equipe: Dinah Lance, a Canário Negro (Jurnee Smollett-Bell de True Blood) cujo visual repaginado e sua origem modernizada, ainda mantém o tom rebelde, desafiador e inconformista da personagem, além de ter uma fisicalidade impecável nas sequências de ação; a detetive Renee Montoya (Rosie Perez de A Escolha Perfeita 2) é a típica policial de seriados dos anos 70, que como a própria Arlequina diz ”- só resolve as coisas depois que recebe uma suspensão!” e aqui curiosamente não há qualquer insinuação a sua opção sexual (nos quadrinhos e no seriado Gothan sempre foi lésbica) e temos Helena Bertimelli, a Caçadora (Mary Elizabeth Winstead de Rua Cloverfield 10) que aparece um pouco menos do que deveria, sendo um bom alívio cômico (só se referem a ela como “a mulher que usa uma besta”), que satiriza o passado “sombrio e realista” do Universo Estendido da DC, com cenas que constroem sua origem e sua personalidade de forma concisa.
 
 

A policial Renee Montoya (Rosie Perez), diferente das HQs, aqui é sexualmente neutra


Não faltam momentos lisérgicos, em que a personagem se entope de bebida, sanduíche de ovo (chega a ser um fetiche) e outras "químicas"

E temos os vilões: Roman Sionis, o Máscara Negra (Ewan McGregor de Doutor Sono) o vilão mais narcisista de Gotham, tipicamente cartunesco, volátil e ameaçador, assumidamente caricato a nível narrativo desse realismo “fantabuloso”. Meritocrata de família rica, ele é a síntese do homem em busca de poder cuja relação com o seu zeloso braço direito, Victor Zsasz (Chris Messina de Argo), é mais a de amantes do que de patrão-e-capanga, refletindo um masoquismo que se submete sadicamente a qualquer um que tenha mais poder. Sinistro...
 
 

A pivete Cassandra "Cass" Cain ( Ella Jay Basco) encontra um cobiçado diamante e vira o "MacGuffin" que movimenta a trama


A narrativa usa de números musicais, animação e outros recursos para contar a história do ponto de vista alucinado de Harley Quinzel

 
Sionis e Zsasz têm como alvo a jovem Cass, que num de seus roubos se torna o MacGuffin da história, ligando os caminhos de Arlequina, Caçadora, Canário Negro e Renee Montoya unindo o improvável quarteto não tem escolha a não ser se unir para derrubar Roman enquanto a cidade fica de cabeça para baixo nesta procura insana (mas é Gothan, então tá limpo...).
 
 

Bruce, a hiena dá as caras, ou o focinho....


Cassandra e Arlequina assumem uma relação de aprendiz e mentora, embora as duas sejam igualmente destrambelhadas

 
Visualmente o filme é digno de nota, sendo a fotografia de Matthew Libatique (Venon) uma explosão de cores e texturas bregas e carnavalescas, assumindo o teor cartunesco da trama, sendo as decisões visuais do designer de produção K.K. Barrett (Ela) arrojadas, dando personalidade às heroínas e ainda fazendo belas referências às Hqs, além das boa sequências de ação, injetando harmonia entre câmera e dublês nas cenas, onde a direção de Yan reflete não só o estilo clean popularizado pela franquia John Wick, como também opta nestes momentos por escolhas que ecoam a breguice no uso da iluminação em  filmes de Batman de Joel Schumacher – com bons resultados! A música de Daniel Pemberton (Homem-Aranha: No Aranhaverso) recheada de hits dançantes clássicos e atuais farão a alegria das meninas festeiras.
 
 

No terço final as meninas se tornam uma força coesa, pronta para enfrentar os marginais


A direção de arte, figurinos e fotografia fazem a festa num caleidoscópio de cores, texturas e uma breguice bem estudada

 
No final, embora seja um pouco formulaico e atrapalhado no desenvolvimento de seu enredo, talvez fruto de uma necessidade de “lacrar” à toda hora, Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa merece crédito junto às outras produções recentes da DC por escolher uma forma diferenciada o suficiente para trazer esta história e estas personagens ao cinema. Para a DC, não é tanto uma questão do quê, e sim como. Gostemos ou não da proposta testada pela diretora, Arlequina descobriu que pode servir a si mesma, e não à um mestre, mesmo que se entupa de sanduíches de ovo e burritos ocasionalmente nos momentos de “fragilidade mulherzinha”, mas a emancipação apontada por Cathy Yan para o selo de quadrinhos no cinema agora tem um rumo definido quanto às próximas adaptações de suas HQs.


O próximo passo deverá ser "Sereias de Gothan" com Arlequina, Hera Venenosa e 
Mulher-Gato


"- E aí meninas? Vamos às compras???"


0 comentários:

Postar um comentário