Entre a tolice, a profundidade e a maestria
por Alexandre César
Shyamalan e mais uma obra que dividirá opiniões
O casal Guy (Gabriel García Bernal de Diários de Motocicleta) e Prisca (Vicky Krieps de Das Boot) estão a um passo da separação. Para dar uma última lembrança da família unida a seus filhos Trent (Nolan River de New Girl), um garoto de 6 anos e Maddox (Alexa Swinton de Billions), uma menina de 11, antes de oficializaram a separação e cada um seguir o seu caminho. Prisca aceita um convite de um resort numa ilha paradisíaca, e toda a família segue para férias memoráveis.
![]() |
Guy (Gabriel García Bernal) e Prisca (Vicky Krieps) estão ao ponto de separação e decidem dar à família um último momento juntos |
Chegando lá são recebidos por um caloroso comitê de recepção chefiado pelo gerente (Gustav Hammarsten de Kursk - A Última Missão) e sua assistente Madrid (Francesca Eastwood de Twin Peaks: O Retorno) que lhes apresentam as maravilhas do local. Passado um dia, o gerente lhes recomenda uma praia remota, isolada do resto da ilha, com um único acesso, pois eles e um pequeno grupo de hóspedes foram sorteados, sendo presenteados com este “acesso VIP”. No dia seguinte, a família é levada junto com o casal Patricia (Nikki Amuka-Bird de Avenue 5) e Jarin (Ken Leung de Lost), além da família de Charles (Rufus Sewell de Judy: Muito Além do Arco-Iris) cirurgião bem sucedido, com Chrystal (Abbey Lee de Lovecraft Country ) a sua vaidosa “esposa-troféu”, junto com sua filha Kara (Mikaya Fisher de Vida Roubada) de 11 anos e Agnes (Kathleen Chalfant de Hereditário) sua mãe idosa.
Deixados próximos à entrada da praia ( uma garganta rochosa que parece saída de 300) o grupo se maravilha com o local, descobrindo lá o rapper Mid-Sized Sedan (Aaron Pierre de Krypton) que havia chegado mais cedo, e logo, descobrem que se não encontrarem uma forma de sair de lá, terão vivido todo o seu ciclo de vida no período de um dia.
Escrito e dirigido por M.Night Shyamalan (Vidro, e aqui fazendo um personagem de fato, não apenas um tributo Hitchcockiano*1, Tempo (Old - 2021) é baseado na graphic novel “Sandcastle” de Pierre-Oscar Lévy (roteiro) e Frederick Peeters (desenhos), e mescla habilmente suspense, horror, pitadas de ficção científica e muita, mas muita alegoria, sobre a vida e suas “verdades”. Tendo sido rodado durante o auge da primeira onda da pandemia do COVID-19, o filme reflete os nossos medos da morte, do isolamento, além do temor quanto ao não termos uma certeza de que vivemos plenamente, ou não nossas vidas...
Shyamalan é daqueles cineastas que, independente do filme sair bom ou ruim, os espectadores ou amam ou odeiam. Como sou do primeiro time, pois mesmo nos seus piores trabalhos ainda consigo enxergar virtudes narrativas, com muito gosto que fui assistir a mais este exercício do diretor, que mostra o ele sabe fazer de melhor que é nos envolver com a história (seja ela boa ou ruim) com um sutil apuro visual e condução impecável de elenco.
Uma de suas principais qualidades é saber trabalhar com crianças, o que faz com maestria. Graças ao espetacular trabalho de Douglas Aibel (Historia de Um Casamento) na escalação de elenco pois ao longo do filme, as crianças crescem em ritmo acelerado, sendo extremamente crível a troca de atores, tal é a similaridade física e facial entre eles. A narrativa de Shyamalan, aliada à fotografia de Mike Gioulakis (Vidro) e ao Design de som de Sean Garnhart (Space Force) permite, graças à edição de Brett M. Reed (Servant) que a nossa visão subjetiva faça a transição da troca de atores, em planos elegantes, realçando a atmosfera de mistério da trama, realçada pela música de Trevor Gureckis (Kardec) de aspecto incidental e atmosférico, tendo apenas como destaque na trilha Remain cantada por Saleka Shyamalan.
O desenho de produção de Naaman Marshall (Mortal Kombat), junto com a direção de arte de Wilhem Perez (Gothan) e a decoração de sets de Karen Frick (Ameaça Profunda) criam espaços arquitetônicos típicos de resorts, valorizando as locações de Playa El Valle, na República Dominicana e os interiores, nos estúdios Pinewood. Complementando o aspecto geral, os efeitos visuais de Cadence Effects, Powerhouse VFX, Alkemy-X, Rogue One VFX, ampliam os espaços da paisagem, não chamando muita atenção para si.
![]() |
Jarin (Ken Leung), Charles (Rufus Sewell), Prisca, Mid-Sized Sedan e Guy constatam que o tempo não pára mesmo para os mortos... |
Os figurinos de Caroline Duncan (Servant) definem os personagens e Seus arquétipos, como a família central, com trajes típicos de turistas padrão classe média, ou os trajes de banho de Chrystal, sempre tirando selfies, ou o visual de Charles, que reflete o seu quadro de tensão e confusão mental que se reflete na sua insistência em perguntar se “algum de vocês lembra de um filme com Marlon Brando e Jack Nicholson??”*2.
A maquiagem de Tony Gardner (O Nevoeiro) trabalha as etapas de envelhecimento dos atores, de forma desigual, sendo o melhor resultado o de Vicky Krieps, cuja fisionomia de traços suaves permitem sutilmente caracteriza-se sem soterrar a atriz com apliques. Já no caso de Gabriel García Bernal, o resultado não é tão bom, pois o seu personagem não aparenta tanto assim o envelhecimento proposto. Talvez fosse o caso de fazer uma maquiagem digital, que possibilitaria mostrar mais a erosão do tempo, com a perda de massa muscular, atrofia dos ossos, e etc... coisa que Shyamalan não optou por questões de narrativa, para mostrar um envelhecimento com dignidade.
Ao final, Tempo, como boa parte da filmografia de Shyamalan, dividirá opiniões, seja por seus méritos narrativos, seja por suas derramadas na lógica, com cenas explicativas que provavelmente foram exigências do estúdio, fruto de exibições-teste, além do final meio questionável, que pede uma grande suspensão da descrença.
De qualquer modo, como na maioria de seus filmes, será visto, espezinhado por seus detratores, e depois de digerido, seja talvez reabilitado e irá gerar uma nova leva de fãs. Esta é a “regra Shyamalan”...
![]() |
A caracterização do envelhecimento dos atores é desigual, ficando Gael García Bernal enrugado, mas sem um fio de cabelo branco |
Notas:
*1: Alfred Hitchcock (1899 - 1980) famoso diretor inglês, conhecido como o “Mestre do Suspense”, tinha o hábito de fazer figuração em seus próprios filmes, virando uma assinatura pessoal, cujos fãs avidamente, sempre esperavam em cada película.
*2: O filme em questão é Duelo de Gigantes (The Missouri Breaks -1976) western de Michael Penn. A trama em si não tem nada a ver com a história do filme, sendo apenas uma brincadeira metalinguistica de Shyamalan.
![]() |
"♪♫ Porque o tempo não para... ♪♫ Não para! ♪♫ Não para... ♪♫ o tempo não para... ♪♫" |
0 comentários:
Postar um comentário