Imaginarium!!!
por Alexandre César
(Postado originalmente em 08/ 12/ 2018)
O universo mágico engata e referencia seu passado
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A fuga de Grindelwald. Ótima sequência de ação.
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O diretor David Yates, egresso de filmes de temática política, e que havia pousado no Universo de Harry Potter, com A Ordem da Fênix (2007) e tornado a série mais sombria a partir de então, ao retomar este universo no ótim Animais Fantásticos e Onde Habitam (2016), deu uma guinada no seu enfoque, iniciando uma nova etapa do mundo bruxo nos cinemas.
Através da viagem de Newt Scamander (Eddie Redmayne) aos Estados Unidos, J.K.Rowling (apesar de ter se baseado numa rala obra original, o tal livro Animais Fantásticos e Onde Habitam , escrito por Newt Scamander (que não deixa de parecer uma paródia do Doctor Who de Mat Smith) se manteve livre para criar em cima de sua própria criação, já que o livro fictício foi lançado, mas se resumia a uma série compilada dos animais do título, sem possuir uma trama que o abrigasse, e assim, ampliou as fronteiras do seu universo mágico estabelecendo, ainda que indiretamente, os pilares para uma nova série de filmes resultando num sucesso digno da obra original, repleto de frescor e “sense of wonder”.
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O kelpie, uma das insólitas criaturas mágicas...
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Os Crimes de Grindelwald (2018), o segundo filme dos cinco planejados, continua a narrativa dos acontecimentos que levarão ao nascimento de Harry Potter e torna evidente a forma nada convencional de Rowling contar essa história. A autora da nova franquia, trata cada filme como o capítulo de um livro. Seja para o bem ou para o mal...
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Alvo Dumbledore (Jude Law). Boa composição de personagem.
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Tal observação esclarece as muitas pontas soltas do primeiro Animais Fantásticos e
a estrutura não-cinematográfica da sua sequência. O primeiro filme foi o
livro de apresentação,concluído com o fim da viagem. Agora, temos um
segundo ato pleno de tramas paralelas introduzindo diversos conceitos
necessários para os próximos filmes, incorporando-os ao arco principal
(como o Obscurial e o próprio Grindelwald) mas sem necessariamente desenvolvê-los e, sem medo de usar de easter-eggs e de alterar seus próprio cânone de universo expandido na medida de suas necessidades.
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Grindelwald (Johnny Depp) e Cia. não estão para brincadeiras
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Diferente
dos outros filmes, não há aqui a necessidade de respeitar um livro
próprio, ainda que, muito do que se mostra, necessita de um conhecimento
mínimo deste universo, como saber que magia apresenta um raio verde ou
entender como funciona um bicho-papão, mesmo que o último quase se
explique no filme, pois da primeira à última cena, Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald é
feito para fãs. Não há espaço para o espectador de ocasião, pois não se
trata de um filme com início, meio e fim, apesar de explicações
pontuais sobre o que aconteceu antes serem incluídas para facilitar a
entrada de qualquer um que não tenha embarcado há muito tempo nesse
universo (mas suará um pouco...).
O filme, nas suas duas horas se divide entre muitos personagens e subtramas, sendo Newt o único a crescer, por suas atribuições de magizoologista, em detrimento do desenvolvimento dos demais (e também graças ao carisma de Redmayne). Leta Lestrange (Zoë Kravitz), cuja importância parecia ser enorme, tem todo o peso da sua relação com ele reduzida a uma grande cena de explicação sendo pouco explorada, nos poucos detalhes sobre como a bruxa teria tido um romance com Newt, mas acabou noiva de Theseus (Callum Turner). O seu irmão auror, servindo mais para mostrar a construção emocional do irmão e da sua relação com as políticas do mundo bruxo, sem maior aprofundamento.

Tina (Katherine Waterston) e Newt. Será que finalmente rola???
Tina (Katherine Waterston) e Newt. Será que finalmente rola???
Há também um esforço visível para manter os personagens do primeiro filme dentro da trama geral, com Queenie Goldstein (Alison Sudol) e Jacob Kowalski (Dan Fogler, alívio cômico digno de um Fred Flintstone) simplesmente aparecendo em Londres e sendo jogados de lá para cá sem outra motivação além de permanecerem na história. Tina (Katherine Waterston), embora tenha mais motivos para retornar, está lá mais para que Newt tenha com quem conversar.

Theseus (Callum Turner), Leta Lestrange (Zoë Kravitz) e Newt: Triângulo pouco explicado
Theseus (Callum Turner), Leta Lestrange (Zoë Kravitz) e Newt: Triângulo pouco explicado
Já Credence
(Ezra Miller) ao lado de Nagini (Claudia Kim, fazendo a personagem que
será a cobra gigante de Lord Voldemort...), continua sendo o manipulado
de plantão e é também, o grande “MacGuffin” (dispositivo narrativo, “aquilo que todos perseguem e procuram” como
dizia Hitchcoock) que serve para enviar todos a Paris, incluindo
Grindelwald, mas tem presença fugaz na narrativa. O jovem Dumbledore
(Jude Law), é uma grata surpresa entre tantas histórias paralelas, numa
atuação que mescla a calma e serenidade de Richard Harris (primeiro
intérprete do personagem) com a agilidade que Michael Gambon trouxe para
o papel,mostrando uma faceta nova e interessante do personagem, além de
sua complexa relação com o antagonista, revelando uma sutil conexão
romântica entre opostos que deve ser desenvolvida nos próximos
capítulos.
O esmero visual permanece inalterado, seja no design de produção de Stuart Craig ou nos figurinos de Colleen Atwood. O 3D é usado para tornar essa magia palpável, justificando seu uso em prol da fantasia, mas ao contrário dos EUA no primeiro longa, aqui a França é mero cenário, sem muita preocupação na apresentação das particularidades mágico-culturais do país.
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O pelúdio continua procurando coisas douradas, e aqui, quebra um galho para o herói
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Mas,
de todos os elementos, aquele que realmente se destaca (e o que muita
gente não queria...) é Johnny Depp, dando o tom certo para o personagem,
fugindo do maniqueísmo de Voldemort, Grindelwald mostra no seu discurso
final do que é capaz com seu carisma e inteligência, revelando-se um
vilão que, deveria ser uma ameaça menor do que o antagonista de Harry
Potter, mas pelo contrário, ele se mostra mais eficaz na magia e com
ainda mais seguidores do que jamais vimos Voldemort ter, o que poderá
criar um descompasso com a trama de Harry. Dentro do filme como peça
única, a personagem funciona muito bem e sabe justificar magnificamente
seu plano, usando a Primeira Guerra Mundial como argumento final em seu
plano de assumir o controle do mundo dos “trouxas”.
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Deep acerta o tom, deixando Jack Sparrow para trás, finalmente
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Nesse ponto, é muito interessante a analogia possível de se fazer entre
Grindelwald e os líderes fascistas da Segunda Guerra. Ainda, como todo o
envolto de sua cena principal traz referências ao nazismo alemão cuja
retórica envolvente, na entrega de um discurso politicamente tentador
sob uma voz calma e ameaçadora revelando uma personalidade
potencialmente mais forte (em ideias) do que a do próprio Lord
Voldemort, que era mais narcisista, egoísta e produto de traumas…
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"Eu não preciso e 'fake news', eu sou a própria!!!"
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Aqui Yates faz um paralelo com a escalada da extrema direita no mundo atual de forma clara, valorizada pelo trabalho do fotógrafo Philippe Rousselot que mantém a unidade e riqueza visuais de luz e cores, fazendo a imagem seguir com o seu papel de nos fazer sentir dentro de um mundo mágico, não havendo monocromatismo e nem preguiça representada no uso de filtros apenas para mostrar diferentes tons de uma mesma ambientação. Embora o filme tenha predominância de cinza e azul, isto é necessário pela proposta do enredo, casando bem com aquilo que o mundo bruxo sofre nesse momento: a ascensão de um líder muitíssimo poderoso, com um discurso que equilibra (pelo menos isso é bom, no roteiro!) a força política que denuncia a incessante busca pelo poder e capacidade destrutiva dos trouxas (-“outra guerra não!“ ) + uma linha mal-disfarçada de segregação e defesa de superioridade de uma família ou raça (magos e não-magos) sobre outra. Se alguém, por algum motivo, não tinha entendido a mensagem de Harry Potter e a Câmara Secreta (2002), aqui se revelam as bases desse pensamento ganhando força e, sentindo o gosto do poder.
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Queenie Goldstein (Alison Sudol). A impossibilidade de amar a quem quer aponta para uma direção inesperada
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A direção de David Yates, no comando de seu sexto filme do universo Harry Potter,
sabe que o show pertence à roteirista e produtora Rowling, e lida com
isso da melhor maneira, evitando dar um filme visualmente decepcionante.
Mas, como o cinema é a mídia do diretor, surge é claro, um descompasso,
por mais que se reinvente a forma de como dirigir cenas de ação e
composição de sequências com uso de magia, ou se injete uma maior
energia na interação entre bichos e bruxos, presença de “trouxas” e grandes confrontos de seres poderosos.Ao final, quando o filme termina, dando uma sensação de “Poxa, agora que a coisa vai começar de fato, ela é interrompida?!” vemos
evidenciado a visão do filme como se fosse um livro, sendo este,o
capítulo de preparação do conflito própriamente dito que só virá por
volta de 2020 no próximo capítulo/filme, e assim, esperemos que a “pentalogia” de Rowling comece a se desenhar de forma mais cinematográfica...

"Escolha um lado, mas escolha sabiamente..."

"Escolha um lado, mas escolha sabiamente..."
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