Dez mil “likes” ou a sua alma!
por Alexandre César
(Postado originalmente em 02/ 01/ 2019)
"Big Brother" do além
“Um
santuário remoto e sombrio perto de Berlim revela uma história cheia de
horror e crimes contra a humanidade. Um grupo de Youtubers acessa
ilegalmente o sinistro bloco de cirurgia do local, para um desafio de 24
horas com a intenção de que o desafio viralize nas redes. Equipados com
visão noturna e câmeras térmicas, os adolescentes viciados em
adrenalina perseguem os rumores de atividade paranormal no prédio em
decomposição, apenas para aprender cedo demais que não estão sozinhos
... e não são bem-vindos. Mas já é tarde demais para deixar o local com
vida”
![]() |
Betty, a patricinha, dá dicas de moda e de tudo relacionado ao "ser fashionista"... |
Se nos deixarmos levar pela sinopse de O Manicômio (2018) terror alemão dirigido por Michael David Pate (Gefallt mir de 2014) pensaremos estar diante de algo similar à Desafio do Além (1963) de Robert Wise ou A Casa da Noite Eterna
(1974) de John Hough, marcos do cinema de horror, onde uma boa
história aliada à uma boa direção e valores de produção nos transportava
para um mundo onde o “Além” é uma possibilidade tão palpável quanto letal. Coisa que não é o caso da película em questão.
![]() |
A equipe monta todo um conjunto de câmeras noturnas, infravermelhas etc...
|
Se o avanço do YouTube e outras plataformas de vídeo no nosso dia a dia parece ser uma boa idéia para um bom filme de terror no estilo found footage, afinal, vivemos com câmeras e celulares na mão quase o todo o tempo, porque não recriar o que funcionou em A Bruxa de Blair (1999)
de Daniel Myrick Eduardo Sánchez, que ao criar o clima de falso
documentário, quebrou paradigmas narrativos e criou novos, mais afinados
com a percepção das gerações atuais? O raciocínio faz sentido, mas a
execução...
A trama acompanha a dupla de Youtubers Charly
(Emilio Sakraya) e Finn (Timmi Trinks), débeis mentais (como uma boa
parcela deste nicho...) Betty (Nilam Farooq) a patricinha metida,
Vanessa (Farina Flebbe) a que não sabemos qual é a sua, e finalmente
Marnie (Sonja Gerhardt), a mocinha virginal que se propõe a encarar os
seus medos. Todos se propoem passar uma noite numa casa mal-assombrada,
para aumentar os Likes
de seus respectivos canais na web, e alavancar a sua audiência,
garantindo um bom retorno financeiro. Ajudados por Theo (Tim Oliver
Schultz), o certinho do grupo, vão para as sombrias ruínas da estância
de saúde Grabowsee, onde eram tratados casos de tuberculose pulmonar. Localizada a cerca de 30 km de Berlim, na cidade de Oranienburg, onde os Youtubers de
maior sucesso na Alemanha, entram ilegalmente para enfrentar um desafio
de 24 horas, que obviamente dará muito errado, tanto na trama como no
filme como um todo.
![]() |
Não podiam faltar cenas de visão noturna, para enfatizar o clima de "falso documentário" |
O roteiro de Pate, em parceria com Ecki Ziedrich (Singles de 2016) tenta tal qual em A Bruxa de Blair
explorar as novas tecnologias dentro do gênero, mas não chega perto em
termos de qualidade, mergulhando no piegas acreditando que estar sendo
revolucionário.
![]() |
E a contagem de corpos se inicia!!!
|
A
produção é muito boa, com a fotografia e a direção de arte criando uma
ótima ambientação da clínica em ruínas, onde os doentes de tuberculose
eram sacrificados durante o período nazista, mas além disso, os
personagens, por serem tão estereotipados, não criam identidade com o
público facilmente em função dessa bidimensionalidade. Se qualquer deles
morrer, o telespectador não será afetado por isso, afinal, não há um
elo afetivo.
![]() |
-" Hei gata, você é fútil, eu sou idiota, que tal formarmos um casal???"
|
Fora o fato do roteiro se achar mais inteligente do que realmente é, fazendo “reflexões” sobre o que consumimos na internet, ou uma “crítica” descarada aos criadores de conteúdos que só visam o “like” dos fãs, com diálogos como “…são pessoas como você que tornam os jovens idiotas”; uma
boa sacada, mas feita de forma tão superficial, que embora o grupo de
protagonistas, tenham uma química razoável entre si, no máximo arrancam
do espectador algumas risadas pelo jeito “qualquer-coisa” dessas críticas aos vloggeiros da atualidade.
![]() |
"- Pessoal, a boa notícia é que estamos presos às portas da morte, a má notícia é que ainda temos uma hora de filme!" |
No final temos ainda uma “reviravolta”
(sim temos uma!!!) que se propõe a mostrar o quanto a história é
original, jogando quase tudo da história do filme no lixo para mostrar
que fomos enganados e mudando tudo nos dez minutos finais, para nos dez segundos finais
(isso aí!!!) nos brindar com um gancho para uma possível e indigesta
continuação. Tudo isto fica potencializado pela dublagem da versão em
português da cópia a que assistimos (não que a dublagem estivesse ruim,
mas é que o falso da história acaba realçando o artificialismo do
recurso...)
E uma última observação, que quase ninguém reparou: Porque o título em português é“O Manicômio” se a instituição amaldiçoada é uma clínica que tratava de tuberculosos e não de doentes mentais???
0 comentários:
Postar um comentário