segunda-feira, 14 de outubro de 2019

O retorno da bela de chifres - Crítica - Filmes: Malévola: Dona do Mal (2019)

Flertando com Game of Thrones...

 

por Alexandre César 

(Originalmente postado em 17/ 10/ 2019)


 Angelina Jolie e Michelle Pfeifer em duelo de divas


O primeiro filme de 2014 provou que uma mulher de chifres pode (e muito!) ser linda e cativante!!!

 
Nestes tempos de luta violenta por reafirmar as suas propriedades intelectuais em franquias lucrativas a Disney tem se deparado com as seguintes alternativas: Refilmar os seus clássicos mais populares da animação, muitas vezes sacrificando a expressividade da animação em função do uso de atores conhecidos encarnando seus personagens e de um fotorrealismo via CGI e captura de movimentos que, dependendo das forças criativas no roteiro e direção produziram resultados bem diversos fosse pelo mergulho no conceito clássico original (Cinderela de 2015 de Kenneth Branagh) fosse pela mera submissão à`tecnologia (O Rei Leão de 2019 de Jon Favreau), ou então, procurar criar uma linha narrativa distinta, como se fosse passado num universo paralelo ao dos clássicos da animação (como os elseworlds dos quadrinhos da Marvel e DC) subvertendo os cânones para olhar a trama sobre uma nova ótica, pautada em valores e problematizações mais contemporâneos, muitas vezes para horror dos mais puristas. Dentro desta linha posicionam-se Alice no País das Maravilhas (2010) de Tim Burton e Malévola (2014) de Robert Stromberg.


Passados 5 anos, a filhinha vai virando mulher, para o desespero da "mãe" (Angelina Jolie)

 
Fruto da roteirista Linda Woolverton (que roteirizou Alice, A Bela e a Fera, e O Rei Leão original) que reinterpretou a históra da “feiticeira má, muito má, muito má” que enfeitiçou “a linda rosa juvenil” (como dizia a musiquinha de roda da nossa infância caros velhos nerds...) tirando o peso do nome da protagonista como determinante de seu caráter*1, ficando este apenas por sua sonoridade, como se fosse um nome como outro qualquer e aliando de forma sutil a questão da pauta feminista às relações da cultura cristã e patriarcal que reescreve as narrativas, se apropriando de temas de origem pagã, determinando quem é bom ou mal de acordo com suas necessidades.


A bela Rainha Ingrith (Michelle Pfeifer) mãe de Felipe (Harris Dickinson) que ficaria mais à vontade em Westeros

 
Em que pese uma série de falhas estruturais do roteiro, a sua espetacular direção de arte, figurino e ótimos valores de produção caíram no gosto popular graças sobretudo ao carisma de sua protagonista , Angelina Jolie e a sua entrega ao papel que mostraram a toda uma geração de meninas que uma mulher, se for confiante de seu valor, pode seguir o seu caminho superando problemas como violência, o estupro e outros impedimentos colocados em seu caminho, sem ter de se sujeitar à vontade de um homem (a cena em que Stefan corta as suas asas, após lhe dar um boa noite cinderela” é uma ótima alegoria não só do estupro, como da mutilação genital praticada em muitos países islâmicos) e seguir em frente não tendo vergonha dos seus chifres, que aqui se tornaram um símbolo do seu orgulho e beleza. Parte da crítica e do público fundamentalista detestou, mas o sucesso, e seus U$ 758,5 milhões de bilheteria regaram a semente e era só uma questão de tempo até encontrarem uma forma de fazer a continuação de uma história que parecia fechada... ou não?


Aurora (Elle Fanning), Malévola e Diávolo (Sam Riley): Os representantes de Mohrs

 
 Dirigido por Joachim Rønning (Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar de 2017 e Expedição Kon Tiki de 2012, ambos com Espen Sandberg) Malévola: Dona do Mal (2019) traz novamente Angelina Jolie, cada vez mais diva e segura de si, ao papel que consagrou e cuja beleza para lá de exótica a toda uma legião conquistou, colocando a anti-heroína face a questões pontuais como a imposição da submissão da mulher à sociedade, o avanço do reacionarismo, a intolerância a até, as fake news que espalham o medo entre os povos, dividindo-os para depois, conquistá-los. É claro que como é um blockbuster da Disney não devemos esperar algo demasiadamente profundo e impactante, mas que a alegoria está lá, olha com atenção espectador, que está...



Como diz o título de um filme clássico: "Adivinhe quem vem para jantar?"

 
No roteiro de Woolverton (reescrito por Jez Butterworth em colaboração com Micah Fitzerman-Blue e Noah Harpster) já se passaram cindo anos, e a lenda da Bela Adormecida se espalhou por todos os reinos e para surpresa de Malévola, apesar de sua redenção pessoal, ela continua a ser retratada como uma bruxa maligna, indigna de simpatia. Neste contexto, a Princesa Aurora (Elle Fanning, fofa e cativante) regente do reino mágico de Mohrs é pedida em casamento pelo Príncipe Felipe (Harris Dickinson, substituindo Brenton Thwaites) e... finalmente ela aceita, para preocupação da super-protetora madrinha, por ainda não confiar plenamente nos humanos. Os regentes do reino vizinho, pais do noivo são o bonachão gente boa Rei John (Robert Lindsay) e a bela e ambiciosa Rainha Ingrith (Michelle Pfeifer, ótima no “modo Cersei Lannister de Game of Thrones) que rancorosa por confrontos passados de sua dinastia com Malévola, não vê a hora de por as mãos nas terras e recursos de Mohrs, depois é claro, de se livrar de todos as fadas e aqueles outros seres elementais incômodos, os “povos da floresta”... Familiar não???


O "tempo fecha" paraa a Senhora de Mohrs, graças às maquinações da Rainha

 
Auxiliada pelo fiel escudeiro Diávolo (Sam Riley) Malévola tenta polir seu trato social para causar um boa impressão na corte do noivo. Durante o jantar de apresentação, fica evidente o conflito iminente entre as duas casas, refletidos nos impecáveis trajes, atestando aqui a competência da figurinista Ellen Mirojnick (O Rei do Show, Minha Vida com Liberace, Tropas Estelares) que captam o luxo e ostentação com um toque demodê da nobreza, em contraste com a elegância sóbria e despojada dos povos mágicos. Apesar de seu esforço “diplomático” (de não “cair matando”...) tudo dá errado, colocando Malévola contra Aurora, e incriminando-a em um atentado para logo em seguida ser ferida em fuga, e depois ser resgatada inconsciente e levada a descobrir o santuário do seu povo, que há muito ela julgava perdido.
 


As aparências enganam: Conall (Chiwetel Ejiofor) o pacífico líder do povo alado, de onde Malévola se origina

 
Surge aqui uma interessantíssima adição à mitologia da personagem, que esperamos ser futuramente mais expandida: Os auto intitulados “Filhos das Trevas”, liderados pelo pacífico Conall (Chiwetel Ejiofor de O Rei Leão e Doutor Estranho) se constituem uma união de seres alados de várias partes do mundo, com grande diversidade racial nos traços, cor de pele, olhos, cabelos e formatos de chifres, que foram se afastando à medida que os reinos dos homens cresciam e se expandiam, sendo descendentes de um ser mítico chamado “Ave Fênix” (Bom, agora a Marvel é Disney não?!) da qual, por seus poderes de transmutação, Malévola é a descendente direta. Aqui devemos ressaltar a incrível trabalho do Design de Produção de Patrick Tatopoulos (Liga da Justiça, Eu, Robô, Cidade das Sombras) e da equipe de direção de arte e de caracterização dos personagens, bastante similares em termos de estrutura social aos Navihs de Avatar (2009) de James Cameron, e também tendo um quê”de O Paraíso Perdido de John Milton, pois estes seres alados tem o seu refúgio numa grande caverna subterrânea, parecendo uma reinterpretação do conceito de “anjos caídos” (os neopentecostais vão “adorar”...) temperados com um toque de ”United Colors of Bennethon”. Inclusão é pauta de ordem.
 


O guarda-roupas real é uma boa analogia aos "bons modos" que escondem atos e interesses escusos

 
 Aurora é acolhida pela futura sogra, e vai se submetendo às imposições dela para se tornar uma “bela e recatada do lar” até chegar o ponto de descobrir as maquinações da Rainha, cuja corrida armamentista e a campanha de caluniar a reputação de Malévola tem como objetivo a expansão territorial e dominar do reino de Mohrs, com direito inclusive a uma paródia (mais branda é claro...) do ”casamento vermelho” de Game of Thrones.
 


feminilidade tóxica: em contraste com a relação Malévola-Aurora, a Rainha Ingrith e Gerda (Jenn Murray) representam o lado negro das alianças femininas

 
Obviamente Malévola recupera sua força e há uma grande batalha entre os homens e sua tecnologia bélica e os “Seres das Trevas” alados e, tendo ao final a vitória das forças da justiça e do entendimento, culminando no casamento do príncipe e da princesa e, na fusão dos reinos estabelecendo a convivência pacífica dos povos (e você duvidava de que isso não fosse acontecer, não?).
 


Tal qual Felipe, O seu pai Rei John (Robert Lindsay) mostra um modelo de masculinidade mais acolhedora e amorosa

 
Os personagens falam e fazem o que o roteiro pede de forma básica, sendo assim, Felipe é o príncipe galante de boa índole numa mostra de masculinidade gentil, Diávolo, que agora tem menos espaço em cena do que no filme anterior continua sendo o equivalente ao amigo gay da heroína, caso estivéssemos diante de uma comédia de Julia Roberts ou Sandra Bullock, da mesma forma que o trio das fadas atrapalhadas Flittle (Lesley Manville), Thistlewit (Juno Temple) e Knotgrass (Imelda Stauton) são meros alívios cômicos, o Rei John é um regente amoroso que contrasta com a sua ambiciosa esposa (o que nos leva a questionar a sua competência por não notar as intrigas da Rainha correndo enbaixo de seu nariz...), embora outros deixem interrogações no ar como Gerda (Jenn Murray) a fiel escudeira da rainha, cujo visual um tanto andrógino remete à jovem Tilda Swinton em Orlando, A Mulher Imortal(1992) de Sally Potter ou Borra (Ed Skrein de Alita: Anjo de Combate e Deadpool) o impetuoso guerreiro alado com toques de William Wallace de Coração Valente (1995) de Mel Gibson cujas trocadas rápidas de olhar sugerem que futuramente, caso haja um terceiro filme, poderá haver match para Malévola, a solitária Senhora de Morhs.
 

Os "Seres das Trevas" são uma ótima adição à mitologia da história, pedindo um maior desenvolvimento futuro

 
A música de Geoff Zanelli (Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar) embala a trama eficientemente, e a fotografia de Henry Brahan (Guardiões da Galáxia Vol. 2, A Lenda de Tarzan) valoriza em belos closes a beleza de suas atrizes e os seus incríveis ambientes, aliada à edição de Laura Jennings (No Limite do Amanhã, 007 – Operação Skyfall) e Craig Wood (Homem-Formiga e a Vespa, A Grande Muralha) acertam o ritmo das cenas de ação eficientemente, aliados aos efeitos visuais da Moving Picture Conpany e da Mill Film que mostram bem a diferença de combate entre um povo avançado em tecnologia bélica e estratégia e de um que guerreia de forma instintiva, ainda que com maior força física e capacidade de vôo.
 

A Rainha vai a guerra com tudo!!!

Ao final, entre erros e acertos podemos afirmar sem sombra de dúvida, nestes tempos de personagens femininas fortes e de universos de super-heróis a seguinte frase:

Malévola, no auge da luta mostra porque é descendente da "Ave Fênix"...

- A Marvel têm a Viúva negra, a Vespa, a Capitã Marvel e a Feiticeira Escarlate (entre muitas outras...), A DC têm a Mulher-Maravilha, a Supergirl, a Batgirl, a Zatanna e a Mulher-Gato (entre muitas outras também...) e a Disney

- Ah! A Disney tem a Malévola, e está de bom tamanho!!!”

Ao final, só amor entre mãe e filha é o que conta...


"- Nos vemos em breve na sequência meus súditos!!!"

Notas:

*1: Malévola: Feminino de malévolo (Que possui uma péssima índole; que é mau; malvado. Que causa o mal a alguém; que tende a ser pernicioso;...) . O mesmo que: maia, perversa, malvada, maldosa, maléfica, malfazeja, maliciosa. Que possui... adj. (do dicionário online de Português)


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