sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Entre violinos e bolinhas de gude - Crítica - Filmes: Os Meninos que enganavam Nazistas (2017)

 


Brincando sobre o fio da navalha

 
por Alexandre César
(originalmente publicado em 05/ 08/ 2017)


Filme sólido e delicado sobre uma experiência dramática

 


Não se deixe levar pelo infame título em português para poder imergir na experiência narrativa do filme do canadense Christian Duguay (Hitler) que narra as experiências dos irmãos judeus Joseph e Maurice Joffo, de 10 e 12 anos, ao se separarem de sua família em fuga na França ocupada em 1941, durante a 2ª. Grande Guerra. O pai, Roman Joffo (Patrick Bruel), um barbeiro cujo negócio de família remonta às suas origens russas, logo percebe os rumos do conflito e coloca a sua família na estrada, rumo à zona desmilitarizada. Roman decide que devem viajar em grupos separados para garantir uma maior chance de sobrevivência. Os filhos mais velhos, Ferdinand e Henri (Kev Adams e César Domboy), vão na frente. Os menores recebem do pai dinheiro e um mapa da rota de fuga, por onde ele a mãe seguirão dias depois. 

 

O pai Roman Joffo (Patrick Bruel) entre seus jovens filhos Maurice,(Batyste Fleurial), o mais velho, e Joseph (Dorian Le Clech), o caçula


Calcado na dinâmica dos dois protagonistas mirins (Dorian Le Cleche e Batyste Fleurial, ótimos) vemos um rito de passagem da inocência da infância ao amadurecimento em face à dureza de um momento histórico cruel (como, aliás, o são todas as guerras). Os meninos desenvolvem grande malandragem e jogo de cintura para driblar as armadilhas do caminho, mantendo uma forte amizade e união como só aqueles de princípios sólidos costumam ter. 

 

Os valentes garotos partem em sua aventura

 

Baseado no livro autobiográfico de Joseph Joffo, o roteiro do filme enfatiza a questão do que é dito e o que não é dito como dado crucial para a sobrevivência dos meninos e de todo e qualquer fugitivo em situação semelhante. Em terreno hostil, o ato de revelar a própria identidade, de expor quem você realmente é, pode ser um caso de vida ou morte. É preciso saber apegar-se ao seu disfarce da melhor forma, doa o que doer.  

 

Joseph e Maurice jogam bolas de gude, entre outras brincadeiras esquecidas


Em contraponto, para refletir o apego do pequeno Joseph à sua vida e seus valores, temos a reconstituição de um mundo lúdico de brincadeiras muito distantes das crianças atuais, como correr, pique-esconde ou jogar bolinhas de gude (do título original Um Sac de Billes - “Um Saco de Bolinhas de Gude” seria uma tradução mais fiel). 

 

Perigo: A ocupação da França levou os meninos a uma aventura perigosa, enganando nazistas no caminho, sempre que necessário


Dizer que a fotografia é linda e as paisagens rurais da França são deslumbrantes (apesar de muitas sequências terem sido feitas na República Tcheca e no Canadá) é ser redundante. Elas servem para situar o local e a época dos acontecimentos, além de fornecer o contraste entre a beleza da natureza e o horror das ações do homem.

 

Era quase que impraticável ir de trem pois os alemães fiscalizavam cada parada

 

A trilha sonora de Armand Amar é eficiente - com longos solos de violino, como na cena do aniversário da mãe Anna (Elza Zylberstein) -, enfatizando as raízes culturais judaicas da família. Mas preenchem o filme totalmente. Talvez pudesse ter alguns momentos de silêncio para arejar o clima, mas isto não compromete a boa condução da trama e sua direção de atores, a maioria desconhecida do grande público. A grande exceção talvez seja Christian Clavier, que fez os filmes do Asterix, personagem de quadrinhos e símbolo da França. Aqui ele faz uma participação especial como um médico colaboracionista relutante.

 

 

Christian Clavier: astro com participação especial


Apesar da estrutura do filme ser similar a de muitos outros “baseados numa história real”, com a alegria da superação e as inevitáveis tristezas de se viver um momento histórico marcante e trágico, o filme não derrapa no sentimentalismo fácil. Seus protagonistas são tratados como indivíduos capazes de fazer escolhas e correr risco. Afinal crianças são seres inteligentes que, se receberem a correta orientação, são capazes de, na ocasião certa, colocar no seu devido lugar qualquer adulto obtuso.

 

O caçula Josefh chega a conhecer o amor na figura da bela Francoise (Coline Laclère)

 

Os Meninos que Enganavam Nazistas é um filme que, apesar do seu título em português nos remeter a um filme típico de Sessão da Tarde, passaria perfeitamente e com méritos na Sessão de Gala. Ele prova o amadurecimento técnico e narrativo de seu diretor, que conseguiu fazer um filme equilibrado e, apesar do tema denso, com um astral para cima e sem perder a inteligência.



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