sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Sobre segredos não ditos - Crítica - Filmes: Todos Já Sabem (2018)

 

 

Novelão sim, mas bem feito

por Ronald Lima

 (Originalmente postado em 21/ 02/ 2019)

Ashgar Farhadi entre as mentiras e "verdades" da vida

 

Penelope Cruz & Javier Bardem: Equivalentes à Brad Pitt & Angelina Jolie...
 
 
Tendo estreado no Festival de Cannes como o filme de abertura, Todos Já Sabem (2018) é o primeiro filme do diretor iraniano Asghar Farhadi fora de sua terra natal, produzido enquanto ele ainda colhia os frutos do premiado O Apartamento (Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2017) - prêmio que acabou não indo receber por conta da polêmica de Donald Trump com diversos países muçulmanos. Aqui, o diretor inseriu-se na cultura latina (representada por espanhóis e argentinos) e retratou-a usando as estruturas do gênero que está acostumado a contar suas histórias: o suspense de um thriller sobre sequestro.

Formalmente a trama é o clássico “mistério do quarto fechado”, um formato tão antigo quanto a própria narrativa policial. Temos um crime aparentemente impossível e um número claro e limitado de suspeitos. Essa estrutura tradicional, no entanto, é apenas o pontapé inicial para um drama familiar sobre segredos guardados e antigos ressentimentos, explorando as fissuras dos laços familiares quando estes ameaçam se romper, revelando novas rachaduras em lugares inesperados - algumas com mais impacto do que outras -, ainda que todas elas sejam apenas alegorias para ilustrar os perigos e as consequências da desinformação.  

Arriba! Arriba!


O filme, abusa de uma enorme latinidade, num tom novelesco e meio dramático que se torna convidativo. Inicia-se com a introdução da família espanhola, onde conhecemos todos os parentes da família de Laura (Penélope Cruz, ótima no papel), membros de uma pequena aristocracia local. Após sabermos disso, somos levados para o grande casamento da irmã de Laura, onde se reúnem todas as gerações dessa família numa recepção corrida e expressiva. Entre os felizes convidados, Laura reencontra seu antigo amor Paco (Javier Bardem), que era filho de empregados da família e hoje é dono de uma vinícola que comprou muito barato. Laura está casada com um homem mais velho e rico e se mudou para a Argentina onde criou seus dois filhos. Durante a festa de casamento, ocorre um apagão geral, e a filha de Laura, Irene (Carla Campra), desaparece. Irene é uma adolescente típica com muita disposição a experimentar de tudo, esbanjando vitalidade. 

A partir de então, iniciam-se as especulações de todos dentro da casa sobre o que aconteceu com ela, enquanto a mãe desesperada sofre, como uma boa personagem de novela, pelo desaparecimento da filha, tentando a todo custo obter alguma notícia. Outras peças do quebra-cabeça vão sendo dadas aos poucos, principalmente através do policial reformado (o ator José Angel Egido) que é amigo de Fernando (Eduard Fernández), tio da menina.

Irene "Curtindo a vida adoidado"
  


O marido argentino de Laura, Alejandro (o rei do cinema argentino Ricardo Darín), que surge na segunda metade do filme auxiliando na busca à filha, é tido como um empresário bem sucedido, mas na verdade está falido como toda a Argentina está. Aliás, a questão financeira pesa muito na trama e não só pelo alto valor do resgate exigido. Embora todos estejam felizes com suas vinícolas, percebe-se sobriedade no ambiente. Essa tapeçaria de segredos e suspeitas contribui para o clima de suspense por não sabermos, assim como a família, por onde começar a desfiar esse novelo.  
 
É preciso dizer: muito embora o diretor costume flertar com o mistério e já tenha exibido sua aptidão para o intercâmbio cultural,como visto em seu filme francês O Passado (2013), a sua segurança ao pisar sobre terrenos novos surpreende. Aqui, ele apresenta um suspense peculiar em praticamente tudo, extraindo mistério de belas paisagens iluminadas por uma intensa e aconchegante luz diurna que deveria esclarecer tantas questões a serem postas à claro. Só que não...
 

Eles não sabem...

 

Fahardi adota a praxis da linguagem europeia de cinema. O filme não tem aqueles diálogos expositivos que entregam a trama para o espectador, mas a sugestão dada pelo título é uma peça importante para a instauração do conflito. O diretor constrói a estrutura de uma família de origem aristocrática, ainda abastada e feliz, para desmontá-la aos poucos, levantando questões sobre o real significado da família e dos laços sanguíneos, expondo uma dura realidade inescapável: embora a família não seja sempre o grupo de acolhida perfeito, ela sempre será determinante em nossas vidas, seja pela herança genética ou a psicológica, incluindo os aspectos positivos e negativos que estas heranças implicam.


A ainda estonteante Penélope Cruz funciona como a personagem central e catalisador dos eventos no filme e Bardem é excelente como um típico cultivador de vinícola. Seus momentos com Cruz são os pontos chaves do filme, em seus closes tristes onde muito de seu personagem parece rodar em torno de uma decisão que afeta grande parte da história e que permeia todo o longa, tornando Paco um típico anti-herói do cinema de Farhadi, guiado por sua masculinidade no intuito de salvar o dia, (ainda que destrua a si mesmo no processo...).



Paco (Javier Bardem)

 

 Complementando isso, o talentoso Ricardo Darín, entra na jogada um pouco mais tarde, mas seu personagem Alejandro, o marido de Laura, é caprichado no mistério e cai como uma luva para o ator, que com seu semblante sério, acrescenta mais uma camada de dualidade para o desdobrar da trama. É muito boa a química entre ele e Bardem, representando dois homens que, apesar de terem tudo para entrarem em um embate sem fim, fazem o possível em prol do bem comum. Gente civilizada... 

O filme se revela uma grande panela de pressão que está à segundos de explodir, nos fazendo duvidar de todos os personagens à medida em que novas informações complicam a narrativa. Em um certo ponto deixamos de questionar se esta família pode conseguir resgatar a garota desaparecida, para nos perguntar: por que alguém sequer pensaria em levá-la embora em primeiro lugar, ora bolas!?

Laura (Penélope Cruz) e Alejandro (Ricardo Darín)


Então suspeitamos que qualquer um deles - desde do avô doente, à tia curiosa, e até mesmo dos próprios pais - podem estar envolvidos no desaparecimento da garota, criando uma grande paranoia coletiva, num grande e longo retrato psicológico dos membros da família que saem de uma grande festa de casamento para momentos de tensão e tristeza. 
 
 É verdade, que há um inchaço desnecessário na segunda metade do filme - com os personagens andando em círculos e repetindo as mesmas informações uns para outros, aumentando o tempo de projeção e tirando a força dos conflitos ao prolongá-los - e a estrutura narrativa é tão intrincada que a revelação dos reais culpados soa um tanto forçada fazendo a sua motivação soar frouxa para um crime tão específico (embora que, não exatamente inverossímil...). 
 

Diferenças...

 
 Embora não tenha agradado os críticos e o público na França, e alguns meses depois, tenha passando batido no Festival de Toronto, Todos Sabem, mesmo que longo, e um pouco cansativo, traz uma história provocativa que deverá deixar o espectador curioso para descobrir seu desfecho. Aliás, o final é genial por justamente deixar ao público com algumas das respostas ainda no ar. As boas atuações de Cruz e Bardem fazem o “novelão” valer a pena. Este é um eficiente drama familiar que lembra da impossibilidade de guardar segredos. Não deixe de conferir, principalmente se você gosta de um bom drama europeu, com uma boa trama focada em tragédias humanas e indo muito além de um mero suspense policial a ser decifrado.
 

 

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