domingo, 10 de março de 2019

Abandono, sensualidade, apelação - Tidelands - 1ª Temp.


Por Alexandre César





  

  Primeira série australiana da Netflix cria novelão mitológico


 Austrália: Terra dos cangurus, do Mad Max e das belas praias e grandes ondas! Talvez por isso a sua televisão seja uma das mais incipientes em matéria de grade de programação, onde abundam os reality shows sobre qualquer atividade e, tal qual era aqui no Brasil de um tempo atrás, uma série chegava ao ar já com uns 2, 3 anos depois de encerrada. Australianos raramente ficam dentro de casa (você já viu um australiano realmente gordo, molenga?). Australiano gosta mesmo é de sair e pegar uma praia ou alguma coisa que seja relacionado ao viver, trocando facilmente a TV e a Internet pelo ar livre! (talvez devêssemos aprender com eles...) sendo o audiovisual uma distração de secundária, que não domina a vida deles como a nossa aqui à Oeste. Essa é a cultura aussie, fruto da vida ao ar livre, mas agora o quadro está querendo mudar, explorando-se temas conhecidos com um tempero local, coisa que quando bem feita (buscar uma nova abordagem de uma mitologia,brincando com conceitos estabelecidos e pouco aproveitados) geram produtos interessantes. Esta é a proposta da Netflix com a série australiana Tidelands, série de orçamento modesto, se comparada a outros títulos, e com um elenco quase todo desconhecido, a série chega ao catálogo, trazendo uma ótica interessante sobre a mitologia das sereias. 

 
 
Augie (Aaron Jakubenko) o mano de Call. 
Negócios escusos.


A tradução do título pode ser definida como terras das marés, pois estas são um fluxo que alterna e se modifica, e nunca se sabe “para onde a maré poderá te levar”, pois ao invés de romantizar esses seres, o roteiro manteve o mistério sobre seu comportamento e reais intenções, focando nos Tidelanders, filhos das sereias com os homens, que são abandonados nas praias e recifes, sendo eles uma comunidade fechada - L’Attente – um santuário meio hippie, meio quilombo, com um jeitão de rave, e, para atrair e cativar a audiência, o show usa e abusa de clichês, elementos fantásticos e um envolvente jogo de sedução, com resultados irregulares, apesar de seu potencial. 


 
Adrielle Cuthbert (Elsa Pataky) a rainha dos "Tidelanders": 
Bela, sedutora e cruel, digna das nossas novelas...


A trama da 1ª temporada gira em torno de Calliope McTeer (Charlotte Best) retornando à pequena cidade de Orphelin Bay (habitada em sua maior parte por pescadores) como persona non grata após passar dez anos na prisão por matar um policial (óbviamente, um crime que não cometeu). No seu lar desestruturado, Rosa (Caroline Brazier) a mãe (alcoólatra) prefere vê-la longe ou morta e seu irmão Augie (Aaron Jakubenko) está à frente dos negócios da família, sendo o traficante local cheio de segredos além do que a cidade a odeia pelo crime cometido apesar de terem os seus próprios crimes, segredos e mentiras. Cal, descobre que o seu pai, Pat McTeer (Dustin Clare, o Gannicus da série Spartacus), desaparecido misteriosamente, era envolvido no mesmo inusitado esquema de trafico de drogas, relacionado com os Tidelanders: um povo antigo, belo, poderoso, perverso e encantador, (que jamais choram ou tem remorso de seus atos, por mais cruéis que nos pareçam) metade humanos, metade sereias que vivem em L’Attente, liderada pela rainha Adrielle Cuthbert (Elsa Pataky), uma mulher que esbanja sensualidade e provocação. Obstinada e manipuladora, a personagem cumpre o seu papel (parecendo uma versão australiana da nossa Letícia Spiller, apesar da atriz ser espanhola). O mergulho no passado e no mistério fará Cal questionar suas origens, e os perigos escondidos na pequena Orphelin Bay


Dylan ( Marco Pigossi) Bom domínio do inglês 
e atuação consistente, além de cenas "calientes"...


No decorrer dos episódios, vamos conhecendo mais desse povo híbrido de humanos e sereias, que compartilham um sentimento de abandono em relação à suas mães, ansiando por reencontrá-las, o que se reflete nas maquinações de Adrielle, pois ela esconde segredos antigos de seus protegidos e o dinheiro do tráfico é usado para adquirir peças de um artefato esquecido por homens e pelos Tidelanders, que ajudará no seu auxilio de conquistar tudo o que deseja e entrar em contato com suas verdadeiras mães, as Sereias, dando um toque freudiano à vilã e à sua sociedade matriarcal.

 
Dylan, Adrielle e os "Tidelanders": Um povo belo, cruel e envolvente. 
Todo cuidado é pouco.


Como destaque dessa 1ª temporada temos Bill Sentelle (Peter O’Brien) amigo da família McTeer que apresenta um trabalho natural e marcante, mesmo que aparecendo muito pouco, e a presença de Dylan (o ex-ator global Marco Pigossi, num inglês muito bem pronunciado) com boa atuação junto às protagonistas, cujo arco narrativo contrasta e dialoga perfeitamente com o de Cal, entregando a dualidade necessária para tornar o personagem palpável. 

 
O policial Corey Welch (Mattias Inwood) e Call:
 Paixão de infância que ainda balança...


A produção criada por Stephen M. Irwin e Leigh McGrath apresenta grande variedade de elementos, sendo tudo (sexo, magia, violência, corrupção) bem dosado de forma a não ficar gratuito ao ser aplicado em tela e talvez esse seja o grande acerto da produção, apesar de acabar tendo um   “quê” de novela (em especial os “paraísos tropicias” 
 da Rede Globo), pois tal qual numa novela ou série convencional, temos uma narrativa com um ritmo calcado em ganchos e arcos dentro de arcos, com subtramas convergindo ao longo dos episódios para culminar numa apoteose, tudo convergindo para os personagens e suas ações, somadas as de Cal em prol de se encontrar, sendo a jovem ex-presidiária o foco de toda a trama, pois existem segredos envolta de sua origem que nem mesmo ela sabe, trazendo angustia e morte em seu caminho.


Adrielle coloca os homens aos seus pés,
 literalmente.
A concepção de sociedade, regras, leis e estrutura hierárquica são bem definidas em suas minúcias, bem como a concepção visual do santuário (ponto para o design de produção de Matthew Putland, que trabalhou bem com o orçamento modesto), que se complementa com as belas paisagens australianas, (fotografadas por Bruce Young, Robert Humphreys e Katie Milwright) embaladas pela boa trilha sonora de Matteo Zingales. Merecem destaque os takes embaixo d’água que mostrando a respiração na água sem parecer falso ou um afogamento.



A direção de arte trabalhou bem com as limitações orçamentárias da série.



Como ponto baixo além das cenas de luta, que pediam melhor coreografia e personagens secundários mal desenvolvidos, como os pescadores/traficantes que trabalham com Augie ou a sociedade secreta das viúvas, a qual Rosa faz parte, que guardam registros sobre os homens vítimas das sereias(que devem ganhar mais espaço numa eventual 2ª temporada) além do fato de não conhecermos realmente o povo de Orphelin Bay, que aparece apenas em alguns momentos que pedem multidão, sumindo em outros, como numa cena de luta no necrotério da cidade durante o dia, em que morrem dois personagens, o mesmo se encontra vazio e num momento seguinte já existem policiais isolando a cena de crime. A pegunta que não quer calar: Era horário de almoço? Até do porteiro? (esse personagem que não existe na maioria dos filmes e séries...) além do fato que é incrível como em séries e novelas não importa um o quanto os personagens estejam passando por um momento streesante e perigoso, todos fazem sexo com uma facilidade em qualquer canto sem nenhum problema! Ôoo, inveja... 



A última cena é arrepiante, no bom sentido...

 

No cômputo geral, entre altos e baixos, apesar e um tom novelesco Tidelands apresenta em sua primeira temporada uma historia que empolga e termina de forma dinâmica, arredondando o conjunto de ideias de tal maneira que fica inevitável não sentir o mínimo de curiosidade com a aproximação do final da temporada, em especial, seus três episódios finais. Esperamos que as falhas existentes sejam sanadas e o passado de L’Attente e suas rainhas/mães sejam mostradas, porque deixaram um ótimo gancho para a próxima temporada da série dando vontade de curtir as próximas.

 
Uma das "Mães" de todos...

 

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