Mirando... e errando o alvo!
21 de agosto de 2015. Três amigos de longa data em férias pela Europa resolvem embarcar no trem de número 9364 que vai de Amsterdã para Paris para encerrar o seu rolé no continente com chave de ouro. Durante a viagem o caminho deles cruza com um terrorista do ISIS (Estado Islâmico) munido de uma versão do fuzil AK-47, pistola, farta munição e sangue nos olhos. Graças aos esforços dos rapazes americanos, e uma ajudinha do acaso, uma tragédia é impedida e vidas são salvas, com direito a homenagens e a receber cada um a medalha da Legião da Honra, a maior condecoração do governo francês.
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Alek Skarlatos, Anthony Sadler e Spencer Stone: heróis interpretam a si mesmos |
Este é o enredo de 15h17 – Trem para Paris (2018) dirigido pelo lendário Clint Eastwood, encerrando a sua “Trilogia sobre os Heróis da Vida Real”, que Incluem Sniper Americano (2014) e Sully, o Herói do Rio Hudson (2016), obras que se focavam em personagens reais, que vivenciaram com coragem e determinação situações extraordinárias. Tendo tido uma carreira irretocável nas telas, principalmente quando passou a dirigir, se esperava uma história com corpo e alma... Mas dessa vez o eterno protagonista de Os Imperdoáveis (1992) errou o alvo.
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Bryce Gheisar, William Jennings e Paul-Mikel Williams: elenco infantil extraordinário |
O filme tem um início promissor com bons atores (Jenna Fisher e Judy Greer, além de um elenco infantil extraordinário), onde vemos ser forjado o elo da amizade entre os três amigos na infância (quando eram párias sociais na escola), mostrando o porquê de eles serem o que são - lembrando inclusive o clássico Conta Comigo (1986, dirigido por Rob Reiner). Curiosamente, numa cena desse trecho, um deles mostra a seus amigos o seu imenso arsenal de armas de brinquedo (réplicas perfeitas de fuzis e metralhadoras reais que devem ter deixado Michael Moore de cabelos em pé). E damos graças a Deus pelo moleque ter entrado para as Forças Armadas, pois, caso ele não tivesse conseguido, talvez virasse um daqueles doidos que volta e meia sobem numa torre ou entram numa escola e tocam o terror. Agora, em que quarto de garoto americano obcecado com armas e vida militar encontramos na parede pôsteres de Nascido para Matar (1987, direção de Stanley Kubrick) e Cartas de Ivo Jima (2006, dirigido pelo próprio Eastwood)? Insólito.
Adultos, Alek Skarlatos e Spencer Stone, seguem carreira militar, diferente de Anthony Sadler, mas os três compartilham o mesmo patriotismo
Quando a ação e a dramaturgia (?) pula para a fase mais adulta, vemos Alek Skarlatos e Spencer Stone (dois dos três garotos, agora interpretados por eles mesmos) entrarem para a carreira militar, ganhando finalmente a sensação de pertencimento de que sempre sentiram falta em suas vidas. Vemos então um enfadonho caminhar de sequências da vida deles, passando pelo treinamento e pela rotina de caserna, que culmina nas cenas de turismo pela Europa na companhia de Anthony Sadler (também interpretado por ele mesmo e com menos tempo de tela), tirando selfies e conversando sobre os rumos e os desafios da vida (Parem de falar mal de Dolph Lundgreen e Silvester Stallone). Porque não continuou com atores de verdade, como os garotos da primeira parte, Clint?
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Stone e Sadler na reconstituição da tediosa viagem turística do trio |
Apoiando-se no trio real de protagonistas dos acontecimentos, toda e qualquer possibilidade do filme cativar o público apresentando um drama real se dilui. Por não serem interpretados por atores de verdade, os protagonistas do filme não estão aptos a segurar o espectador e fazer com que este estabeleça uma identificação com eles.
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Quando finalmente o trio embarca no trem, a vida volta (um pouco) ao filme, prenunciando a ação que deverá se desenrolar |
A reconstituição do momento do atentado e o esforço dos três detendo o terrorista é feita de forma eficiente, quase documental. Mas o final do filme, aproveitando cenas reais da cerimônia da condecoração dos três amigos, apresenta furos de continuidade com as cenas filmadas reconstituindo o evento. Temos um bonito discurso do então Presidente François Hollande sobre os valores humanos, mas de boas intenções o inferno e o mau cinema estão cheios.
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O terrorista Ben Zomerdyk (Ethan Rains): ação quase documental |
Sorte deles que o terrorista (que parece um canivete suíço tal a quantidade de armas e objetos cortantes que ele vai soltando a cada golpe para imobilizá-lo) usava uma AK-M. Versão chinesa da AK-47 (e, por isso travou?!), ela é muito usada aqui pelos nossos traficantes. Usasse ele uma autêntica Kalishnikov russa, o filme não teria um final feliz. Aliás, nem existiria, afinal estamos falando de Hollywood!!!
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Presidente François Hollande condecora os heróis americanos: bonito discurso |
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