quinta-feira, 27 de maio de 2021

Armas que travam e a falta que um ator de verdade faz - Crítica - Filmes: 15h17 – Trem para Paris (2018)

 


Mirando... e errando o alvo!

 
por Alexandre César
(originalmente publicado em 09 de março de 2018)


Clint Eastwood dá a sua primeira derrapada em sua sólida carreira 
 
 

 

21 de agosto de 2015. Três amigos de longa data em férias pela Europa resolvem embarcar no trem de número 9364 que vai de Amsterdã para Paris para encerrar o seu rolé no continente com chave de ouro. Durante a viagem o caminho deles cruza com um terrorista do ISIS (Estado Islâmico) munido de uma versão do fuzil AK-47, pistola, farta munição e sangue nos olhos. Graças aos esforços dos rapazes americanos, e uma ajudinha do acaso, uma tragédia é impedida e vidas são salvas, com direito a homenagens e a receber cada um a medalha da Legião da Honra, a maior condecoração do governo francês.

 

Alek Skarlatos, Anthony Sadler e Spencer Stone: heróis interpretam a si mesmos


Este é o enredo de 15h17 – Trem para Paris (2018) dirigido pelo lendário Clint Eastwood, encerrando a sua “Trilogia sobre os Heróis da Vida Real”, que Incluem Sniper Americano (2014) e Sully, o Herói do Rio Hudson (2016), obras que se focavam em personagens reais, que vivenciaram com coragem e determinação situações extraordinárias. Tendo tido uma carreira irretocável nas telas, principalmente quando passou a dirigir, se esperava uma história com corpo e alma... Mas dessa vez o eterno protagonista de Os Imperdoáveis (1992) errou o alvo.

 

Bryce Gheisar, William Jennings e Paul-Mikel Williams: elenco infantil extraordinário

O filme tem um início promissor com bons atores (Jenna Fisher e Judy Greer, além de um elenco infantil extraordinário), onde vemos ser forjado o elo da amizade entre os três amigos na infância (quando eram párias sociais na escola), mostrando o porquê de eles serem o que são - lembrando inclusive o clássico Conta Comigo (1986, dirigido por Rob Reiner). Curiosamente, numa cena desse trecho, um deles mostra a seus amigos o seu imenso arsenal de armas de brinquedo (réplicas perfeitas de fuzis e metralhadoras reais que devem ter deixado Michael Moore de cabelos em pé). E damos graças a Deus pelo moleque ter entrado para as Forças Armadas, pois, caso ele não tivesse conseguido, talvez virasse um daqueles doidos que volta e meia sobem numa torre ou entram numa escola e tocam o terror. Agora, em que quarto de garoto americano obcecado com armas e vida militar encontramos na parede pôsteres de Nascido para Matar (1987, direção de Stanley Kubrick) e Cartas de Ivo Jima (2006, dirigido pelo próprio Eastwood)? Insólito.  

 

Adultos, Alek Skarlatos e Spencer Stone, seguem carreira militar, diferente de Anthony Sadler, mas os três compartilham o mesmo patriotismo


Quando a ação e a dramaturgia (?) pula para a fase mais adulta, vemos Alek Skarlatos e Spencer Stone (dois dos três garotos, agora interpretados por eles mesmos) entrarem para a carreira militar, ganhando finalmente a sensação de pertencimento de que sempre sentiram falta em suas vidas. Vemos então um enfadonho caminhar de sequências da vida deles, passando pelo treinamento e pela rotina de caserna, que culmina nas cenas de turismo pela Europa na companhia de Anthony Sadler (também interpretado por ele mesmo e com menos tempo de tela), tirando selfies e conversando sobre os rumos e os desafios da vida (Parem de falar mal de Dolph Lundgreen e Silvester Stallone). Porque não continuou com atores de verdade, como os garotos da primeira parte, Clint?

 

Stone e Sadler na reconstituição da tediosa viagem turística do trio

Apoiando-se no trio real de protagonistas dos acontecimentos, toda e qualquer possibilidade do filme cativar o público apresentando um drama real se dilui. Por não serem interpretados por atores de verdade, os protagonistas do filme não estão aptos a segurar o espectador e fazer com que este estabeleça uma identificação com eles.  

 

Quando finalmente o trio embarca no trem,  a vida volta (um pouco) ao filme, prenunciando a ação que deverá se desenrolar

 

A reconstituição do momento do atentado e o esforço dos três detendo o terrorista é feita de forma eficiente, quase documental. Mas o final do filme, aproveitando cenas reais da cerimônia da condecoração dos três amigos, apresenta furos de continuidade com as cenas filmadas reconstituindo o evento. Temos um bonito discurso do então Presidente François Hollande sobre os valores humanos, mas de boas intenções o inferno e o mau cinema estão cheios.

 

O terrorista Ben Zomerdyk (Ethan Rains): ação quase documental

Sorte deles que o terrorista (que parece um canivete suíço tal a quantidade de armas e objetos cortantes que ele vai soltando a cada golpe para imobilizá-lo) usava uma AK-M. Versão chinesa da AK-47 (e, por isso travou?!), ela é muito usada aqui pelos nossos traficantes. Usasse ele uma autêntica Kalishnikov russa, o filme não teria um final feliz. Aliás, nem existiria, afinal estamos falando de Hollywood!!!


Presidente François Hollande condecora os heróis americanos: bonito discurso




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