segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Destemidos pioneiros vitorianos - Clássicos do Passado: Os Primeiros Homens na Lua (1964)

 


A luta de classes selenita

 

por Alexandre César 

(Postado em 17/ 10/ 2019)


 H. G. Wells e Ray Harryhausen em grande estilo

 

Um dos clássicos do "Dynamation", o método de filmagem de Harryhausen

 
O mundo deliciava-se enquanto uma missão conjunta das Nações Unidas chegava pela primeira vez à Lua, pelo menos é o que todos pensavam. Logo o entusiasmo dá lugar ao espanto quando os astronautas descobrem sobre uma pedra uma antiga bandeira da Inglaterra Vitoriana e um documento reclamando o satélite como possessão de sua majestade a Rainha Victoria provando que os astronautas não eram os primeiros homens na Lua.
 
 
O prólogo, quando uma missão das Nações Unidas pousa na Lua
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Tem início uma investigação procurando encontrar o último remanescente da tripulação vitoriana – encontrando num asilo, um agora envelhecido Arnold Bedford (Edward Judd) e ele lhes conta a história de como ele e a sua namorada, Katherine Callender (Martha Hyer), juntamante com o inventor, o Professor Joseph Cavor (Lionel Jeffries), realizaram a expedição em 1899. Cavor havia inventado a Cavorita, uma pasta que aplicada a qualquer superfície, quando exposta, possibilitava anular a ação da gravidade sobre esta.
 
Na Lua, os astronautas fazem uma incrível descoberta
 
Cavoro estava terminando a construção de uma esfera metálica com painéis retráteis embebidos por esta substância, que através de trilhos expunha-os e retraía-os podendo assim dirigir a trajetória da esfera em sua viagem da Terra ao seu satélite natural. Tendo Arnold e acidentalmente Katherine, eles vão aos trancos e barrancos ajustando a sua trajetória para o seu destino onde, para o seu total assombro, eles descobrem abrigos subterrâneos, onde uma população de aspecto insectóide, (os Selenitas) com uma avançada civilização que logo se interessa pelos inesperados visitantes da Terra, bem como pelas suas intenções...
 
 
A americana romântica Katherine Callender (Martha Hyer) e seu amado picareta AB (EJ) na paisagem rural inglesa


 Dirigido por Nathan Juran (Simbad e a Princesa de 1958, Jack, O Matador de Gigantes de 1962) , baseado na novela de H.G. Wells, Os Primeiros Homens na Lua (1964) é um clássico incontestável das matinês e das sessões da tarde dos canais de TV aberta nos anos de 1968 a final dos anos 1990, sendo a única incursão no universo de Wells do mestre dos efeitos especiais Ray Harryhausen, com a sua expertise na técnica do stop-motion nos presenteou com clássicos da fantasia como O Monstro do Mar (1953), que inspirou Godzilla, A Invasão dos Discos Voadores (1956), A Nova Viagem de Simbad (1973) entre vários clássicos da fantasia e ficção-cientifica escapista.
 
 
Bedford descobre que o seu vizinho, o Prof. Joseph Cavor (Lionel Jeffries) criou uma potencial "mina de ouro"


 O roteiro de Nigel Kneale (Uma Sepultura na Eternidade de 1967) e Jan Read (Jasão e o Velo de Ouro de 1963) adaptam as idéias básicas da obra de Wells, inserindo algumas atualizações, como o uso de escafandros (no livro de Wells a Lua tinha atmosfera) e deixando de lado as suas analogias políticas (no livro, a civilização selenita tinha uma extrema especialização de seus habitantes ao seu trabalho e função, até no aspecto físico, sendo uma crítica à estratificação da força de trabalho das populações inglesas) pois o objetivo era fazer um filme família com uma aventura colorida e fantástica, coisa que Harryhausen (com o produtor Charles H. Schneer), George Pall e Walt Disney faziam como ninguém.
 
 
Bedford convence Katherine a testemunhar a venda da propriedade (que ele dizia ser sua...) para Cavor, sendo intimada na justiça


 Filmado em locações de New Haw e Chertsey na província de Surrey e nos estúdios Shepperton, na Inglaterra, foi o único filme em que ele usou lentes anamórficas, o que o obrigou a fazer alguns dos modelos usados em cena com as dimensões distorcidas (mais achatados) para que ficassem com o aspecto correto em cena. 
 
Ela vai tomar satisfação na hora do lançamento da esfera, obrigando Bedford a puxá-la para dentro a fim de salvá-la da explosão


 Harryhausem e Schneer tinham a sua base de operações na Inglaterra desde o final da década de 1950, pois os custos de filmagem e produção inglesas eram bem menores do que as americanas, o que lhes permitia fazerem filmes de relativamente baixo orçamento e bons valores de produção (coisa similar acontecia aos clássicos de terror da Hammer Films).
 
 
"-Tally-hooo! Para a Lua!!!"- diria um inglês vitoriano e imperialista


 Como prova dos valores de produção temos a bela fotografia de Wikie Cooper (Pavor nos Bastidores de 1950) que embeleza as poucas cenas das paisagens campestres inglesas e os coloridos cenários das paisagens lunares, valorizando a Direção de Arte de Johhn Blezard (Quando os Dinossauros Dominavam a Terra de 1970) com cristais gigantes e um tom expressionista e os Figurinos de Olga Lehmann (Os Canhões de Navarone de 1961), em especial os trajes vitorianos dos personagens principais e em contraste, os trajes coloridos dos astronautas (Cada nação com uma cor, sendo que a dos russos, por incrível que pareça, não é vermelha...).
 
O peso adicional de Katherine obriga Cavor à recalcular a trajetória da esfera


 A direção de Juran é competente, aproveitando ao máximo o que o orçamento modesto lhe permitia, ajudado pela montagem de Maurice Rootes (Jasão e o Velo de Ouro) que dá um tom veloz a narrativa, mas permitindo algumas pausas no tom para respirarmos e podermos entender a história. O ritmo hoje em dia seria considerado lento... 
 
 
O trio admira as belezas do espaço em sua viagem...
 
 
A atmosfera é fornecida pela música de Laurie Johnson (Dr. Fantástico de 1964 substituindo Bernard Herrmann que exigiu um cachê proibitivo) com acordes iniciais bem dramáticos, uma suite romântica bem da época para os momentos do herói com a sua namorada e tons de fanfarra que valorizam graça e o pique da aventura escapista.



O "Mooncalf", uma das criaturas fantásticas do filme, sendo caçado pelos selenitas como fonte de alimento

 Quanto ao elenco, Judd é o herói improvável, um autor de teatro falido que vê na invenção do vizinho Cavor uma possibilidade de fazer fortuna, mas que na hora do aperto até que sabe se virar bem; Jeffries é o cientista idealista e capaz de coisas extraordinárias mas, ingênuo quanto às malícias do mundo, e Hyer é a noiva apaixonada e donzela em perigo (a personagem não existia no original de Wells, sendo criada como uma americana natural de Boston, talvez como alusão ao livro de Jules Verne Da Terra à Lua, cuja sede do Clube do Canhão se localizava nessa cidade).

 
Enquanto os homens exploram o território, os selenitas capturam e estudam a esfera

 
Como curiosidade temos Peter Finch (Oscar por Rede de Intrigas de 1976) numa participação não creditada como um oficial de justiça, pois estava filmando no estúdio ao lado Crescei e Multiplicai-vos de Jack Clayton, substituindo William Rushton, que debandou do filme em cima da hora.

A direção de arte é rica para um filme de baixo orçamento

Os selenitas são um show à parte , como todo ser animado d Harryhausen

 
O filme teve mate paintings de Bob Cuff (que faria clássicos como A Princesa Prometida de 1987 e As Aventuras do Barão de Munchausen de 1988) e feitos especiais adicionais de Les Bowie (dos clássicos de horror da Hammer) e Kit West (que futuramente faria Os Caçadores da Arca Perdida de 1981, Duna de 1984 entre muitos outros) mas o espetáculo é sem sombra de dúvida de Ray Harryhausen e seus seres fantásticos como o mooncalf, espécie de lagarta gigante, os selenitas da casta dominante (os soldados eram crianças em roupas de borracha) e as animações da esfera em sua viagem ao espaço e do módulo da nações unidas, que até tem algumas similaridades visuais com o Eagle do projeto Apolo.

O casal consegue voltar, mas a esfera se perde no mar. Cavoro fica mas o vírus da gripe que carregava destrói os selenitas, cuja civilização em ruínas é encontrada pelos astronautas, desabando em seguida
 
 
Visto hoje o filme se mostra um clássico ingênuo e descompromissado da época das matinês, e de uma era em que a Sessão da Tarde tinha uma grade de programação realmente boa, em contraste com a pálida amostra de agora, fruto do surgimento dos canais à cabo, que começaram a gradualmente ir segmentando a programação, eliminando filmes de perfil mais antigo para obrigar os interessados a fazer assinaturas, mas mesmo assim muita coisa atualmente está ausente das telas. Uma lástima.
 
A nova versão de 2010 dos realizadores das séries "Shrlock" e "Doctor Who"

 
Em 2010 foi feita uma nova versão, para a televisão pela BBC Four dirigido por Damon Thomas (Penny Dreadfull) com roteiro de Mark Gatiss (das séries Sherlock e Doctor Who) mais fiel ao original de Wells apesar do espírito meio irônico e de mesclar dados históricos como o projeto Apolo à trama, tendo como protagonistas Rory Kinnear (o Monstro de Frankenstein de Penny Dreadfull) como Bedford e Gatiss como Cavor.


Por melhor que seja o CGI, ele perde feio para os bonecos animados de Harryhausen


Em tempos de comemoração dos 50 anos da conquista da Lua (que muita gente "informada" diz ter sido feita num estúdio...) é uma boa pedida lembrarmos dessa época em que nas fantasias mais ingênuas os heróis eram homens de ciência que não acreditavam em besteiras e teorias conspiratória que servem apenas para travar o caminho da humanidade rumo a um patamar maior de uma realidade ampla e complexa que nos força a evoluir, e não à acomodação de uma visão de mundo simples, manipulada e plana...


"- E neste ano do nosso senhor, eu invoco este território como possessão de sua Alteza, a Rainha Victoria em nome de Deus e de São Jorge!!!"

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