A luta de classes selenita
por Alexandre César
(Postado em 17/ 10/ 2019)
H. G. Wells e Ray Harryhausen em grande estilo
![]() |
Um dos clássicos do "Dynamation", o método de filmagem de Harryhausen |
O mundo deliciava-se enquanto uma missão conjunta das Nações Unidas
chegava pela primeira vez à Lua, pelo menos é o que todos pensavam.
Logo o entusiasmo dá lugar ao espanto quando os astronautas descobrem
sobre uma pedra uma antiga bandeira da Inglaterra Vitoriana e um
documento reclamando o satélite como possessão de sua majestade a Rainha
Victoria provando que os astronautas não eram os primeiros homens na
Lua.

O prólogo, quando uma missão das Nações Unidas pousa na Lua
.
Tem início uma investigação procurando encontrar o último remanescente
da tripulação vitoriana – encontrando num asilo, um agora envelhecido
Arnold Bedford (Edward Judd) e ele lhes conta a história de como ele e a
sua namorada, Katherine Callender (Martha Hyer), juntamante com o
inventor, o Professor Joseph Cavor (Lionel Jeffries), realizaram a
expedição em 1899. Cavor havia inventado a Cavorita, uma pasta que aplicada a qualquer superfície, quando exposta, possibilitava anular a ação da gravidade sobre esta.

Na Lua, os astronautas fazem uma incrível descoberta
Cavoro estava terminando a construção de uma esfera metálica com
painéis retráteis embebidos por esta substância, que através de trilhos
expunha-os e retraía-os podendo assim dirigir a trajetória da esfera em
sua viagem da Terra ao seu satélite natural. Tendo Arnold e
acidentalmente Katherine, eles vão aos trancos e barrancos ajustando a
sua trajetória para o seu destino onde, para o seu total assombro, eles
descobrem abrigos subterrâneos, onde uma população de aspecto
insectóide, (os Selenitas) com uma avançada civilização que logo se interessa pelos inesperados visitantes da Terra, bem como pelas suas intenções...

A americana romântica Katherine Callender (Martha Hyer) e seu amado picareta AB (EJ) na paisagem rural inglesa
Dirigido por Nathan Juran (Simbad e a Princesa de 1958, Jack, O Matador de Gigantes de 1962) , baseado na novela de H.G. Wells, Os Primeiros Homens na Lua (1964)
é um clássico incontestável das matinês e das sessões da tarde dos
canais de TV aberta nos anos de 1968 a final dos anos 1990, sendo a
única incursão no universo de Wells do mestre dos efeitos especiais Ray
Harryhausen, com a sua expertise na técnica do stop-motion nos presenteou com clássicos da fantasia como O Monstro do Mar (1953), que inspirou Godzilla, A Invasão dos Discos Voadores (1956), A Nova Viagem de Simbad (1973) entre vários clássicos da fantasia e ficção-cientifica escapista.

Bedford descobre que o seu vizinho, o Prof. Joseph Cavor (Lionel Jeffries) criou uma potencial "mina de ouro"
O roteiro de Nigel Kneale (Uma Sepultura na Eternidade de 1967) e Jan Read (Jasão e o Velo de Ouro de
1963) adaptam as idéias básicas da obra de Wells, inserindo algumas
atualizações, como o uso de escafandros (no livro de Wells a Lua tinha
atmosfera) e deixando de lado as suas analogias políticas (no livro, a
civilização selenita tinha
uma extrema especialização de seus habitantes ao seu trabalho e função,
até no aspecto físico, sendo uma crítica à estratificação da força de
trabalho das populações inglesas) pois o objetivo era fazer um filme
família com uma aventura colorida e fantástica, coisa que Harryhausen
(com o produtor Charles H. Schneer), George Pall e Walt Disney faziam
como ninguém.

Bedford convence Katherine a testemunhar a venda da propriedade (que ele dizia ser sua...) para Cavor, sendo intimada na justiça
Filmado
em locações de New Haw e Chertsey na província de Surrey e nos
estúdios Shepperton, na Inglaterra, foi o único filme em que ele usou
lentes anamórficas, o que o obrigou a fazer alguns dos modelos usados em
cena com as dimensões distorcidas (mais achatados) para que ficassem
com o aspecto correto em cena.

Ela vai tomar satisfação na hora do lançamento da esfera, obrigando Bedford a puxá-la para dentro a fim de salvá-la da explosão
Harryhausem
e Schneer tinham a sua base de operações na Inglaterra desde o final da
década de 1950, pois os custos de filmagem e produção inglesas eram bem
menores do que as americanas, o que lhes permitia fazerem filmes de
relativamente baixo orçamento e bons valores de produção (coisa similar
acontecia aos clássicos de terror da Hammer Films).

"-Tally-hooo! Para a Lua!!!"- diria um inglês vitoriano e imperialista
Como prova dos valores de produção temos a bela fotografia de Wikie Cooper (Pavor nos Bastidores de
1950) que embeleza as poucas cenas das paisagens campestres inglesas e
os coloridos cenários das paisagens lunares, valorizando a Direção de
Arte de Johhn Blezard (Quando os Dinossauros Dominavam a Terra de 1970) com cristais gigantes e um tom expressionista e os Figurinos de Olga Lehmann (Os Canhões de Navarone de
1961), em especial os trajes vitorianos dos personagens principais e em
contraste, os trajes coloridos dos astronautas (Cada nação com uma cor,
sendo que a dos russos, por incrível que pareça, não é vermelha...).

O peso adicional de Katherine obriga Cavor à recalcular a trajetória da esfera
A
direção de Juran é competente, aproveitando ao máximo o que o orçamento
modesto lhe permitia, ajudado pela montagem de Maurice Rootes (Jasão e o Velo de Ouro)
que dá um tom veloz a narrativa, mas permitindo algumas pausas no tom
para respirarmos e podermos entender a história. O ritmo hoje em dia
seria considerado lento...

O trio admira as belezas do espaço em sua viagem...
A atmosfera é fornecida pela música de Laurie Johnson (Dr. Fantástico de
1964 substituindo Bernard Herrmann que exigiu um cachê proibitivo) com
acordes iniciais bem dramáticos, uma suite romântica bem da época para
os momentos do herói com a sua namorada e tons de fanfarra que
valorizam graça e o pique da aventura escapista.

O "Mooncalf", uma das criaturas fantásticas do filme, sendo caçado pelos selenitas como fonte de alimento
Quanto
ao elenco, Judd é o herói improvável, um autor de teatro falido que vê
na invenção do vizinho Cavor uma possibilidade de fazer fortuna, mas
que na hora do aperto até que sabe se virar bem; Jeffries é o
cientista idealista e capaz de coisas extraordinárias mas, ingênuo
quanto às malícias do mundo, e Hyer é a noiva apaixonada e donzela em
perigo (a personagem não existia no original de Wells, sendo criada
como uma americana natural de Boston, talvez como alusão ao livro de
Jules Verne Da Terra à Lua, cuja sede do Clube do Canhão se localizava nessa cidade).
Como curiosidade temos Peter Finch (Oscar por Rede de Intrigas de 1976) numa participação não creditada como um oficial de justiça, pois estava filmando no estúdio ao lado Crescei e Multiplicai-vos de Jack Clayton, substituindo William Rushton, que debandou do filme em cima da hora.
O filme teve mate paintings de Bob Cuff (que faria clássicos como A Princesa Prometida de 1987 e As Aventuras do Barão de Munchausen de 1988) e feitos especiais adicionais de Les Bowie (dos clássicos de horror da Hammer) e Kit West (que futuramente faria Os Caçadores da Arca Perdida de 1981, Duna de 1984 entre muitos outros) mas o espetáculo é sem sombra de dúvida de Ray Harryhausen e seus seres fantásticos como o mooncalf, espécie de lagarta gigante, os selenitas da
casta dominante (os soldados eram crianças em roupas de borracha) e as
animações da esfera em sua viagem ao espaço e do módulo da nações
unidas, que até tem algumas similaridades visuais com o Eagle do projeto Apolo.
Visto hoje o filme se mostra um clássico ingênuo e descompromissado da época das matinês, e de uma era em que a Sessão da Tarde tinha
uma grade de programação realmente boa, em contraste com a pálida
amostra de agora, fruto do surgimento dos canais à cabo, que começaram a
gradualmente ir segmentando a programação, eliminando filmes de perfil
mais antigo para obrigar os interessados a fazer assinaturas, mas mesmo
assim muita coisa atualmente está ausente das telas. Uma lástima.

A nova versão de 2010 dos realizadores das séries "Shrlock" e "Doctor Who"
Em 2010 foi feita uma nova versão, para a televisão pela BBC Four dirigido por Damon Thomas (Penny Dreadfull) com roteiro de Mark Gatiss (das séries Sherlock e Doctor Who)
mais fiel ao original de Wells apesar do espírito meio irônico e de
mesclar dados históricos como o projeto Apolo à trama, tendo como
protagonistas Rory Kinnear (o Monstro de Frankenstein de Penny Dreadfull) como Bedford e Gatiss como Cavor.
Em tempos de comemoração dos 50 anos da conquista da Lua (que muita gente "informada" diz
ter sido feita num estúdio...) é uma boa pedida lembrarmos dessa época
em que nas fantasias mais ingênuas os heróis eram homens de ciência que
não acreditavam em besteiras e teorias conspiratória que servem apenas
para travar o caminho da humanidade rumo a um patamar maior de uma
realidade ampla e complexa que nos força a evoluir, e não à acomodação
de uma visão de mundo simples, manipulada e plana...

.


Dirigido por Nathan Juran (Simbad e a Princesa de 1958, Jack, O Matador de Gigantes de 1962) , baseado na novela de H.G. Wells, Os Primeiros Homens na Lua (1964)
é um clássico incontestável das matinês e das sessões da tarde dos
canais de TV aberta nos anos de 1968 a final dos anos 1990, sendo a
única incursão no universo de Wells do mestre dos efeitos especiais Ray
Harryhausen, com a sua expertise na técnica do stop-motion nos presenteou com clássicos da fantasia como O Monstro do Mar (1953), que inspirou Godzilla, A Invasão dos Discos Voadores (1956), A Nova Viagem de Simbad (1973) entre vários clássicos da fantasia e ficção-cientifica escapista.
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Bedford descobre que o seu vizinho, o Prof. Joseph Cavor (Lionel Jeffries) criou uma potencial "mina de ouro" |
O roteiro de Nigel Kneale (Uma Sepultura na Eternidade de 1967) e Jan Read (Jasão e o Velo de Ouro de
1963) adaptam as idéias básicas da obra de Wells, inserindo algumas
atualizações, como o uso de escafandros (no livro de Wells a Lua tinha
atmosfera) e deixando de lado as suas analogias políticas (no livro, a
civilização selenita tinha
uma extrema especialização de seus habitantes ao seu trabalho e função,
até no aspecto físico, sendo uma crítica à estratificação da força de
trabalho das populações inglesas) pois o objetivo era fazer um filme
família com uma aventura colorida e fantástica, coisa que Harryhausen
(com o produtor Charles H. Schneer), George Pall e Walt Disney faziam
como ninguém.
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Bedford convence Katherine a testemunhar a venda da propriedade (que ele dizia ser sua...) para Cavor, sendo intimada na justiça |
Filmado
em locações de New Haw e Chertsey na província de Surrey e nos
estúdios Shepperton, na Inglaterra, foi o único filme em que ele usou
lentes anamórficas, o que o obrigou a fazer alguns dos modelos usados em
cena com as dimensões distorcidas (mais achatados) para que ficassem
com o aspecto correto em cena.
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Ela vai tomar satisfação na hora do lançamento da esfera, obrigando Bedford a puxá-la para dentro a fim de salvá-la da explosão |
Harryhausem
e Schneer tinham a sua base de operações na Inglaterra desde o final da
década de 1950, pois os custos de filmagem e produção inglesas eram bem
menores do que as americanas, o que lhes permitia fazerem filmes de
relativamente baixo orçamento e bons valores de produção (coisa similar
acontecia aos clássicos de terror da Hammer Films).
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"-Tally-hooo! Para a Lua!!!"- diria um inglês vitoriano e imperialista |
Como prova dos valores de produção temos a bela fotografia de Wikie Cooper (Pavor nos Bastidores de
1950) que embeleza as poucas cenas das paisagens campestres inglesas e
os coloridos cenários das paisagens lunares, valorizando a Direção de
Arte de Johhn Blezard (Quando os Dinossauros Dominavam a Terra de 1970) com cristais gigantes e um tom expressionista e os Figurinos de Olga Lehmann (Os Canhões de Navarone de
1961), em especial os trajes vitorianos dos personagens principais e em
contraste, os trajes coloridos dos astronautas (Cada nação com uma cor,
sendo que a dos russos, por incrível que pareça, não é vermelha...).
![]() |
O peso adicional de Katherine obriga Cavor à recalcular a trajetória da esfera |
A
direção de Juran é competente, aproveitando ao máximo o que o orçamento
modesto lhe permitia, ajudado pela montagem de Maurice Rootes (Jasão e o Velo de Ouro)
que dá um tom veloz a narrativa, mas permitindo algumas pausas no tom
para respirarmos e podermos entender a história. O ritmo hoje em dia
seria considerado lento...
![]() |
O trio admira as belezas do espaço em sua viagem... |
A atmosfera é fornecida pela música de Laurie Johnson (Dr. Fantástico de
1964 substituindo Bernard Herrmann que exigiu um cachê proibitivo) com
acordes iniciais bem dramáticos, uma suite romântica bem da época para
os momentos do herói com a sua namorada e tons de fanfarra que
valorizam graça e o pique da aventura escapista.
![]() |
O "Mooncalf", uma das criaturas fantásticas do filme, sendo caçado pelos selenitas como fonte de alimento |
Quanto
ao elenco, Judd é o herói improvável, um autor de teatro falido que vê
na invenção do vizinho Cavor uma possibilidade de fazer fortuna, mas
que na hora do aperto até que sabe se virar bem; Jeffries é o
cientista idealista e capaz de coisas extraordinárias mas, ingênuo
quanto às malícias do mundo, e Hyer é a noiva apaixonada e donzela em
perigo (a personagem não existia no original de Wells, sendo criada
como uma americana natural de Boston, talvez como alusão ao livro de
Jules Verne Da Terra à Lua, cuja sede do Clube do Canhão se localizava nessa cidade).
Como curiosidade temos Peter Finch (Oscar por Rede de Intrigas de 1976) numa participação não creditada como um oficial de justiça, pois estava filmando no estúdio ao lado Crescei e Multiplicai-vos de Jack Clayton, substituindo William Rushton, que debandou do filme em cima da hora.
O filme teve mate paintings de Bob Cuff (que faria clássicos como A Princesa Prometida de 1987 e As Aventuras do Barão de Munchausen de 1988) e feitos especiais adicionais de Les Bowie (dos clássicos de horror da Hammer) e Kit West (que futuramente faria Os Caçadores da Arca Perdida de 1981, Duna de 1984 entre muitos outros) mas o espetáculo é sem sombra de dúvida de Ray Harryhausen e seus seres fantásticos como o mooncalf, espécie de lagarta gigante, os selenitas da
casta dominante (os soldados eram crianças em roupas de borracha) e as
animações da esfera em sua viagem ao espaço e do módulo da nações
unidas, que até tem algumas similaridades visuais com o Eagle do projeto Apolo.
Visto hoje o filme se mostra um clássico ingênuo e descompromissado da época das matinês, e de uma era em que a Sessão da Tarde tinha
uma grade de programação realmente boa, em contraste com a pálida
amostra de agora, fruto do surgimento dos canais à cabo, que começaram a
gradualmente ir segmentando a programação, eliminando filmes de perfil
mais antigo para obrigar os interessados a fazer assinaturas, mas mesmo
assim muita coisa atualmente está ausente das telas. Uma lástima.
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A nova versão de 2010 dos realizadores das séries "Shrlock" e "Doctor Who" |
Em 2010 foi feita uma nova versão, para a televisão pela BBC Four dirigido por Damon Thomas (Penny Dreadfull) com roteiro de Mark Gatiss (das séries Sherlock e Doctor Who)
mais fiel ao original de Wells apesar do espírito meio irônico e de
mesclar dados históricos como o projeto Apolo à trama, tendo como
protagonistas Rory Kinnear (o Monstro de Frankenstein de Penny Dreadfull) como Bedford e Gatiss como Cavor.
Em tempos de comemoração dos 50 anos da conquista da Lua (que muita gente "informada" diz ter sido feita num estúdio...) é uma boa pedida lembrarmos dessa época em que nas fantasias mais ingênuas os heróis eram homens de ciência que não acreditavam em besteiras e teorias conspiratória que servem apenas para travar o caminho da humanidade rumo a um patamar maior de uma realidade ampla e complexa que nos força a evoluir, e não à acomodação de uma visão de mundo simples, manipulada e plana...
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