Um Nicolas Cage para chamar de seu
O astro de cinema Nick Cage (Nicolas Cage de A Cor que Caiu do Espaço) passa por um momento difícil. Está criativamente insatisfeito e enfrentando a ruína financeira, sentindo-se estagnado tanto na carreira quanto na relação com sua filha Addy Cage (Lily Mo Sheen de Estão Todos Bem) e sua ex-esposa Olivia (Sharon Horgan de A Noite do Jogo). Tentando resolver as coisas, ele aceita a oferta de 1 milhão de dólares para marcar presença na festa de aniversário de um fanático fã: O apaixonado e perigoso Javi (o ótimo Pedro Pascal de O Mandaloriano). Só que as coisas tomam um rumo inesperado quando Cage é recrutado por Vivian, uma agente da CIA (Tiffany Haddish de Sócias em Guerra). Ele, sentindo-se entre a cruz e a espada, sente que tem de viver de acordo com a sua própria lenda, usando os ensinamentos dos seus personagens para salvar a si mesmo e aos que ama.
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Nick Cage (Nicolas Cage)é um astro em crise, com um grande potencial, mas estagnado em sua carreira e vida pessoal |
Dirigido por Tom Gormican (Namoro ou Liberdade), que também assina o roteiro ao lado de Kevin Etten (Workaholics), O Peso do Talento (2022) estabelece dois objetivos bem claros: fazer humor com essa situação absurda entre Nicolas Cage e seu fã máximo, e homenagear o ator. Gormican, obviamente fã confesso de Cage, sabe o carinho e a conexão que os fãs tem com o ator, fazendo um filme apaixonado (ainda que desigual entre proposta e resultado final) com a trama cheia de easter eggs e referências sobre o trabalho do astro, fazendo uma experiência de metalinguagem desde a primeira cena, indo de referências a Con-Air: Rota de Fuga (1997), e seu tema “How do I Live” por Trishia Yearwood, e passando por objetos de cena e diálogos marcantes de sua carreira.
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Little Nicky é o personagem imaginário que lhe relembra que ele é uma estrela, e lhe cobra para que aja como uma, resgatando seus anseios juvenis. |
Para quem está acostumado a ver Nicolas Cage em altíssimo nível de canastrice em “filmes” como Jiu-Jitsu (2020), Na Rota do Tráfico ou Instinto Predador (ambos de 2019) (entre muitos outros...) deve ser difícil imaginar o quanto que ele é um ótimo ator, que tinha tudo para ser um "Top de linha" de Hollywood. E olha que ele fez filmes que marcaram época. Lembremos dos tempos de Con-Air: Rota de Fuga, A Outra Face (ambos de 1997), A Rocha (1996). Isso sem contar filmes agradáveis e até poéticos como Feitiço da Lua (1987), Atraídos pelo Destino (1994) ou Peggy Sue, seu Passado a Espera (1986). Mas, como “a vida é uma caixinha de surpresas” e, por esses descaminhos do destino, o astro acabou seguindo por um caminho questionável, optando por dar prioridade à projetos duvidosos e filmes sem qualidade artística. Principalmente depois de alguns grandes fracassos (A Lenda do Tesouro Perdido: Livro dos Segredos de 2007 e O Aprendiz de Feiticeiro de 2010). Parecia que Cage estava fadado ao fracasso, até que, nos últimos anos, ele começou a dar a volta por cima, quando protagonizou o ousado, criativo e estranho Mandy: Sede de Vingança (2018) um filme que mexeu com cinéfilos ao redor do mundo, seguido com o ótimo A Cor que Caiu do Espaço (2019), o estranho e divertido Willy's Wonderland: Parque Maldito e o potente Pig: A Vingança (ambos de 2021), mostrando gradativamente que seu inferno astral estava passando.
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Nick topa um trampo para pagar as dívidas, mas no meio do caminho é abordado por Vivian, uma agente da CIA (Tiffany Haddish) e se vê numa senhora encrenca |
Agora, temos esta comédia de ação divertida, inesperada, e muito boa, misturando a homenagem à Cage e sua carreira com bom humor numa fórmula altamente eficiente, que ri das referências junto com Cage e com a audiência, apesar de desigual em sua totalidade.
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Nick encontra em Javi (Pedro Pascal) um fã apaixonado e perigoso, criando grande cumplicidade |
Não faltam referências aos mais diversos filmes de Cage, que se ajustam perfeitamente à história indo da cena da piscina de Despedida em Las Vegas (1995) até Os Croods 2: Uma Nova Era (2020) havendo assim, um Nicolas Cage para cada faixa etária de fã, havendo ainda o seu alter ego mais jovem, Little Nicky (com rejuvenescimento digital do ator) que é referenciado da época de Um Estranho Vampiro (1988). Nicky seria o seu “Grilo Falante”, a sua consciência que lhe relembra que ele é uma estrela, cobrando-lhe que aja como uma, rendendo deste embate ótimas cenas.
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A paródia a cenas e situações da filmografia de Cage corre solta |
Cage é o ponto central da narrativa, apesar da excelente participação de Pascal, que faz do grande fã Javi uma criança grande, fascinada ao se deparar com seu ídolo numa atuação corajosa, sem amarras, numa broderagem boba, mas divertida.
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O filme conta com astros como Demi Moore (como ela mesma) em cenas rápidas |
Contudo, apesar de um começo muito engraçado (com algumas sacadas realmente espirituosas) e extremamente promissor, a narrativa vai aos poucos, perdendo a força no meio inconsistente (apesar da hilária cena das drogas) e em seu terceiro ato, o filme se transforma totalmente, inserindo bem mais ação, tiroteio e investigações ao invés do humor propriamente dito, ficando com um tom que lembra aqueles filmes da Cannon Group Inc.*1 que passavam nas noites de domingo na Rede Globo na década passada, passando a estranha sensação de que o filme é um tanto quanto desconjuntado, sem conseguir se manter nas ideias iniciais (como muitos dos filmes que ironicamente fazem parte da filmografia de Nicholas Cage) terminando num final OK, mas que perde a força em comparação a seu início.
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Ao final, Nick só quer se acertar com sua filha Addy Cage (Lily Mo Sheen) e sua ex-esposa Olivia (Sharon Horgan) que ainda ama |
Dentre os coadjuvantes, se destacam A terapeuta de Nick (Joanna Bobin de Bridgerton), Gabriela (Alessandra Mastronardi de Carla), a jovem fã sequestrada e Richard Fink (Neil Patrick Harris de Matrix Ressurections) o agente de Nick Cage e ainda temos Demi Moore e o diretor David Gordon Green, que dirigiu Cage em Joe (2013), aparecendo como eles mesmos, no velho esquema do “filme dentro do filme”.
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No auge da crise, o astro percebe que "somente sendo Nicolas Cage" ele poderá escapar |
‘Vestindo a camisa’ da brincadeira que o filme é, a edição de Melissa Bretherton (A Dama e o Vagabundo) é eficiente, e dá a ligeireza que a direção pede, apoiada na fotografia de Nigel Bluck (True Detective), que capta a beleza das locações, acompanhada pela música de Mark Isham (Judas e o Messias Negro) que sublinha a narrativa, mas dando um “quê” de farsesco, traduzido em termos visuais, tanto pelo desenho de produção de Kevin Kavanaugh (John Wick 3: Parabellum) quanto pela direção de arte de Andres Cubillan (Apresentando os Ricardos), Zsuzsa Kismarty-Lechner (Operação Red Sparrow), Kristof Pataricza (Borderlands) e János Szárnyas (The Witcher); que têm o artificialismo típico de um “Filme B”, enfatizado pela decoração de sets de Jennifer M. Gentile (Station Eleven) Letizia Santucci (Casa Gucci), Zsuzanna Sipos (Duna) e Beth Wooke (None of the Above) e pelos figurinos cafonas de Paco Delgado (Morte no Nilo) dialogando com o tom de ”filme de Nicholas Cage” com que a película brinca, coroado pelos efeitos visuais de CoSA VFX, MAS, Pyrite, supervisionados por Jamison Goei (Navalny), Christopher Lance (Criando Dion), Adam Rowland (Landscapers), que são artificiais na medida certa.
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Um dos destaques é o uso do CGI para rejuvenescer o ator no personagem "Lttle Nicky" |
Desigual, divertido, ousado, e até disruptivo, O Peso do Talento é uma boa experiência em seu conjunto. O filme, que desde sua estreia se tornou uma vitória*2 para a carreira de Nicolas Cage, colocando o astro em outro nível, numa mostra de como ele está transformando sua imagem aos poucos. Afinal, apenas um ator bem humorado aceitaria fazer um filme em que Nicolas Cage vive Nicolas Cage, em um filme com Nicolas Cage...
O Peso do Talento está disponível no Google Play Filmes e TV, na Apple TV e no You Tube.
Notas:
*1: Cannon Group Corporation era uma produtora de filmes de baixo e médio orçamento, tendo como principais produtores os israelenses Menahen Golan e Yoran Globus. Na década de 80 as produções da Golan-Globus reinavam no mercado de VHS (aqui no Brasil pela América Vídeo e pela Warner Home Video), com filmes de Jean-Claude Van Damme, Chuck Norris, Charles Bronson, Dolph Lundgren, Michael Dudnikof, entre outros. Golan dizia que “- Os filmes de milhões de dólares nunca dão prejuízo!”.
*2: O Peso do Talento foi exibido no festival de cinema SXSW, nos EUA, conseguindo um índice de aprovação crítica de 100% no agregador Rotten Tomatoes. Segundo o The Hollywood Reporter, o longa é, até agora, a produção com melhor avaliação entre os mais de 100 filmes da carreira de Nicolas Cage.
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"- É doentio Javi você ter uma estátua minha, por isso quero comprá-la de você, para completar a minha coleção... " |
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