terça-feira, 23 de abril de 2019

Tédio em meio a chuva - Crítica - Filmes: Borrasca

 




“Ainda bem que eu piloto helicóptero....” 
 
por Ronald Lima  
 (Originalmente postado em 24 / 04 / 2019)

Adaptação da peça peca por não saber equilibrar naturalismo e "teatralidade"
 
 
Cartaz em estilo capa de HQ de André Kitagawa
 
 
Em A Tempestade*, a peça de teatro de Willian Shakespare, temos uma história de isolamento, dor e reconciliação. São também características do filme brasileiro Borrasca. O que poderia superar a traição senão a morte e o amor? Decisões precisam ser tomadas para se seguir com a vida, mesmo que a vida não tenha nada de bom a oferecer.
 
Por meio do relato de dois amigos vamos conhecendo a vida de um terceiro amigo ausente. Os dois amigos presentes são: o escritor misantropo Gabriel, interpretado pelo dramaturgo Mário Bortolotto (autor da peça que deu origem ao filme), e o tímido Diego - o ator Francisco Edo Mendes. Borrasca tem a direção de Francisco Garcia, um dos fundadores da produtora Kinosfera Filmes. O filme ganhou dois prêmios de melhor ator à Mário Bartolotto: um no Festival português de Santa Maria da Feira e o outro no Cine PE - Festival Audiovisual realizado todo ano em Recife, Pernambuco. 
 
O amigo ausente chama-se Enzo. Ele é o pretexto para essa extensa sucessão de reminiscências sobre a vida, a amizade, o amor e o sexo. Afinal, “as mulheres não conseguiam resistir ao Enzo...” . Ele parecia ser “O Cara” , o que não devia ser difícil em comparação a estas duas figuras que conversam tal e qual carpideiras remoendo as memórias e uma inveja não assumida. Deduzimos pelo diálogo que Enzo, errasse ou acertasse, correu os seus riscos e viveu. Viver não é para os fracos, nem para aqueles que decidem pautar as suas vidas pelas comparações com as vidas alheias...
 
Gabriel (Mário Bortolotto): o tom certo entre o teatral e o naturalismo.
 
 
Partindo desse fato e da ausência do amigo, eles reavaliam as suas vidas e percebemos que o modo de vida de Enzo era o que cada um deles desejaria ter tido. Na verdades eles também se dão conta disso, mas não assumem essa constatação.
 
Agora vamos ao que o filme nos apresenta. Toda a história se passa no minúsculo apartamento de Gabriel, que dá ao filme um ambiente para as confissões sem que os personagens tenham exatamente vontade de faze-las. O filme usa e abusa de tons azuis e verdes, muito contrastes e sombras, além ter belos movimentos e enquadramentos muito próximos dos atores, fazendo um quadro harmonioso (ponto para o diretor de fotografia) .
 
Mas, quanto a edição sonora, esqueceram-se da chuva, e no final esse detalhe fará diferença. A sonoplastia é daquelas que fazem questão de demonstrar nariz escorrendo, pés arrastando-se e copos sendo preenchidos por uísque, mas barulho de chuva que é bom... Mesmo procurando transmitir um ambiente de confessionário, não custava nada o filme permitir que déssemos uma olhada na janela para conferir a forte chuva que se mostra logo no início. Nem precisava mostrar a rua, já que o plano parece ser destacar o isolamento dos dois. Água escorrendo forte pelo vidro e algumas expressões de raiva ou surpresa bastavam. Afinal, o título do filme faz alusão a chuva torrencial que cai durante a história. Mas até esses sons ambientes vão sumindo aos poucos. Se ainda estão lá acabam sendo sufocados por tanto falatório. Um maior cuidado com a edição de som, intercalando esses sons ambientais - sendo destacados, por exemplo, nos momentos de pausas dos diálogos -, enfatizariam mais a sensação de alheamento dos personagens em relação ao mundo exterior, traduzindo melhor uma atmosfera de isolamento.
 
 
Dois amigos assumidamente derrotados pela vida. Um pouquinho de luz... Perceberam?
 
Portanto dureza mesmo foi aguentar frases de efeito procurando evocar qualidades e defeitos de cada um dos três amigos - principalmente de Enzo -, ora num tom intimista, ora aos gritos - esses últimos totalmente duros e à toa. A direção de atores peca por não equilibrar a interpretação dos atores - principalmente no caso de Diego que, de forma demasiadamente teatral, não consegue convencer que realmente está querendo dizer o que diz. Aliás, todas as falas, embora usem termos chulos, são muito articuladas, como se os atores estivessem no teatro e não em uma tela de cinema. Há uma 4ª pessoa também (quase) ausente no ambiente. Gabriel o cita várias vezes mas, em determinado momento, lhe é cobrado dizer o nome soletrado como se não o tivesse dito instantes antes. Nossa...
 
O roteiro mostra uma coleção de frases ditas que soam sem nenhuma conexão entre elas. Chegam a se contradizer, o que não seria problema em um texto que demonstrasse o fluxo contínuo de pensamento, mas isso pediria um roteiro mais elaborado.
 
Diego (Francisco Edo Mendes): Excesso de teatralidade na interpretação.
 
 
Algumas colocações são interessantes e legais, mas parece que todo o diálogo foi posto em pedaços de papel em um saco plástico e os personagens vão falando a medida que escolhem a esmo os papéis no saco para lerem.
- Aí... Que fracassado é você hein!?
- Somos todos... Mas o Enzo?! O Enzo? O Enzo Não! As mulheres não conseguiam resistir ao Enzo”
- Já disse isso não? (JÁ!!!) Então direi de novo de um modo que soe diferente agora tá certo? “As mulheres não conseguiam resistir ao Enzo” Porque ele é o Enzo... Entende?
- Alguns nascem assim e outros não, você não nasceu assim... Entende...? (Tá, entendi
Entendi que em toda patota tem um Alfa que, em momentos, pode ser o fator de desunião, mas que, de fato, é o agregador. (Acabou?)
A sensação é daquelas conversas que se ouve sem querer e o primeiro pensamento que lhe vem é: “-Meu Deus... ! Eu NÃO quero ouvir isso.”
 
Há uma tentativa em criar empatia em relação a Gabriel e Diego e tudo fica entre um tédio e alguns lampejos. Os dois transmitem uma sensação de fastio o tempo todo, principalmente Gabriel. Diego instiga mais o amigo, mas o espectador absorve muito mais o fastio e o tédio do que uma profunda relação de amor e ódio. Alguns minutos a menos na edição aliviariam com certeza o conjunto.
 
E assim vão os dois tecendo seus fracassos e arrependimentos sem se mostrarem arrependidos. Puro remorso, misantropia total. Ao final, querendo evocar a brevidade e os acasos da vida, Gabriel se surpreende com o término da forte e curta chuva, e nos dá um aviso bem insosso, mas procurando causar impacto: a tal chuva foi breve, uma borrasca apenas, mas que devemos estar prontos e alertas para quando vier uma tempestade. Que tempestade? Que chuva? Que borrasca? A do começo? Ah... Essa verborragia toda, a franqueza explícita de um sobre o outro, além do Enzo, não lhes foi tempestade suficiente? Então somente se o céu cair sob vossas cabeças, puxa vida... Vamos a um Big Mac? Não pode ser o Big Bob? Verdade, prefiro o Bobs.
 
É nessa penumbra assim mesmo com poucas variações  que o filme vai do princípio até quase ao fim
 
 

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