terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Preparando o próximo passo - Crítica - Séries: Cobra Kai – 4ª Temporada

 




Briga de duplas...

por Alexandre César


  Drama adolescente-oitentista da Netflix se firma

 




Desde que surgiu, em 2018, originalmente veiculada no YouTube e agora assumida pela Netflix, o drama nostálgico-adolescente oitentista Cobra Kai, percorreu um bom caminho retomando o universo narrativo do clássico Karatê Kid: A Hora da Verdade (1984) de John G. Avilsen (Rock, Um Lutador). Desde que sua premissa foi casualmente proferida numa piada de How I Met Your Mother*1, a piada pronta se tornou o novelão produzido pela Sony Pictures Television, que soube surfar na onda nostálgica, resgatando estrategicamente e no momento certo, personagens do passado da franquia, honrando seu legado. A série usa disso para problematizar questões relevantes da atualidade, como a polarização política, o avança da extrema-direita, as questões da convivência de pais e filhos e de legado. 
 
 
Água e Óleo: Daniel Larusso (Ralph Machio) e Johnny Lawrence (William Zabcka) unem esforços e as equipes.

 
Dito isto, a quarta temporada avança  expandindo a narrativa e seu microcosmo, seguindo as jornadas de seus personagens e pavimentando seus caminhos. Um dia, com certeza, estes caminhos terminarão, mas por enquanto é melhor não prever quando e como será esse desfecho (talvez na próxima temporada...) e só torcer para que seja apoteótico, ou pelo menos memorável. Janete Clair (e Dias Gomes, provavelmente) adorariam esse folhetim, pois Cobra Kai sabe honrar essa tradição novelesca na medida certa para agradar seu público.
 
 
     John Kreese (Martin Kove, de costas) procura Terry Silver (Thomas Ian Griffith) e traz de volta o amigo para o "Lado Negro da Força".


 
Começando do final da temporada anterior, quando Daniel Larusso (Ralph Machio, de Vidas sem Rumo) e Johnny Lawrence (William Zabcka, de A Ressaca) fazem uma trégua em virtude do avanço daninho de John Kreese (Martin Kove, de Rambo II: A Missão). O antigo e abusivo sensei de Lawrence havia lhe tomado o Cobra Kai e estendeu sua influência sobre os jovens alunos de West Valley
 
 
Samantha Larusso (Mary Mouser), Demetri (Gianni Decenzo, acima dela), Hawk (Jacob Bertrand) e seu cabelo moicano, e Miguel Diaz (Xolo Maridueña, de púrpura) observam com amigos os oponentes de seus senseis.


 
Boa parte da temporada mostra essa dificuldade de conciliação entre os dois senseis (e seus métodos de ensino) que, tal qual água e óleo, tem abordagens conflitantes sobre o que é ensinar karatê. Elas remontam às suas questões não-resolvidas nos últimos trinta e cinco anos à época de sua disputa no torneio de karatê, vencida por Larusso no clássico Karatê Kid: A Hora da Verdade (1984). Até que os dois grupos de jovens - que começam unidos para depois se separarem e mais tarde aprenderem a mesclar as duas abordagens, rolando uma boa dose de dramas e impasses - assumem o trabalho de criar pontes entre os dois rivais/aliados (e, porque não dizer, amigos não-assumidos) e, de quebra, a nova geração rompe o ciclo de erros da anterior.
 
 
No passado,Terry Silver (Thomas Ian Griffith) aliciou e traumatizou Daniel Larusso tentando quebrá-lo psicologicamente.


Assim, Samantha (Mary Mouser, de Room 104), a meiga filha adolescente de Larusso, percebe vantagens de incorporar o método reativo de Lawrence em sua técnica de combate, enquanto Miguel Diaz (Xolo Maridueña, de Parenthood: Uma História de Família), pupilo de Lawrence, estreita seus laços com Daniel Larusso (provocando ciúmes no seu estourado sensei).
 
 
Kreese e Silver unem esforços numa dupla dinâmica do mal

 
Mas, como todo drama para funcionar bem precisa de um vilão, John Kreese, vendo a união de seus opositores, vai em busca de reforços. Ele traz de volta Terry Silver (Thomas Ian Griffith, de Vampiros, de John Carpenter) que cultivava uma vida de empresário liberal-progressista, deixando aquela vida para trás. Ele até havia aposentado o seu antigo rabo de cavalo. Kreese insiste, usando sua influência de “Darth Sidious Karateca”, e pronto: Silver volta a ser o canalha que havia esquecido e que gostava de ser, surpreendendo o próprio Kreese, pois, como diz um jovem: “Ele parece um “Highlander*2, e só poderá haver um!”
 
 
A bela e perigosa Tory (Peyton List) tem um arco de humanização ao ser exposto o seu quadro familiar difícil

 
Kreese e Silver intensificam sua estratégia de manipulação dos jovens, cujos expoentes são Robby Keene (Tanner Buchanan, de Desginated Survivor) - o filho revoltado de Johnny Lawrence que começa a ter questionamentos sobre a ideologia do Cobra Kai - e a bela, problemática e perigosa Tory (Peyton List, de Acampados, revelando grande domínio de cena), de quem agora começamos a conhecer os problemas pessoais. Isso a leva a uma identificação inesperada com Amanda Larusso (Courtney Henggeler, de The Big Bang Theory - ela é a irmã de Sheldon Cooper), a esposa companheira de Daniel. Descobrimos coisas de sua juventude, que enfatiza a importância de descobrirmos os ciclos que levam jovens marginalizados, por não terem um ombro amigo, à caírem nas mãos de figuras inescrupulosas (como Kreese e Silver). Estas, ao lhes dar um senso de pertencimento, os usam em grupos (quadrilhas, milícias) para intimidar aqueles considerados como “o inimigo”, coisa tão comum no Brasil atual. É essencial detectar esses ciclos e saber como quebrá-los, abrindo novos rumos.
 
 
O caçula Anthony Larusso (Griffin Santopietro) cresceu e agora se revela um praticante de Cyber bullying...

 
Neste espírito, Hawk (Jacob Bertrand, de Jogador Nº1), o ex-nerd magrelo de lábio leporino transmutado num “quebrador” e valentão, tem o seu arco de redenção, reatando com seu amigo, o neurótico Demetri (Gianni Decenzo, de Fartcopter).
Johnny Lawrence reconhece que Ali Mills (Elisabeth Shue, em rápida participação na temporada anterior) é só uma lembrança, e assume o romance com a mãe de Miguel, Carmen Diaz (Vanessa Rubio, de O Mundo Sombrio de Sabrina), para a alegria da avó Rosa (Rose Bianco, de Power), que sempre gostou do louro estourado mas de bom coração.
 
 
...contra o novato Kenny (Dallas Young), que acaba acolhido por Robby Keane (Tanner Buchanan), filho de Lawrence.
 

 
Já na contramão deste espírito, o caçula Anthony Larusso (Griffin Santopietro, de Lá Vêm os Pais, que cresceu e esticou!) se revela, junto com seus colegas, um praticante costumaz de cyber-bullying, ao pegar no pé do novato Kenny (Dallas Young, de The Big Show Show), irmão de um colega de reformatório de Robby. Este o acolhe no Cobra Kai, e ele acaba se tornando de vítima a agressor, fazendo o filho de Lawrence abrir seus olhos sobre o que realmente está acontecendo. Enquanto isso vão acontecendo os preparativos da nova edição do campeonato juvenil de Karatê de West Valley. Neste turbilhão reaparecem rostos familiares do início da série, como Aisha (a iniciante Nicole Brown), antiga amiga de Samantha Larusso, e Raymond, o “Stinger” (Paul Walter Hauser, de Eu,Tonya), cuja necessidade de pertencimento para com o Cobra Kai tem importância pivotal nas tramóias de Terry Silver. Este encara a guerra dos dojôs como uma oportunidade comercial e, com seu senso de oportunidade, vai malandramente movendo as peças no seu tabuleiro...
 
 
Rostos familiares: voltam Aisha (Nicole Brown), amiga de Samantha Larusso e Raymond, o “Stinger” (Paul Walter Hauser). Ela, para matar saudades, ele, para marcar presença.

 
A produção continua afiada em seus valores, dentro dos custos orçamentários de um seriado televisivo, sabendo, de forma competente, fazer o barato parecer caro.
 
Miguel se prepara para o Baile da Escola, para a alegria de sua mãe Carmen Diaz (Vanessa Rubio), e sua avó Rosa (Rose Bianco).
 
 
O desenho de produção de Ryan Berg (Die Hart), a direção de arte de Eric Berg (Better Things) e Jonathan Diaz (The Resident), a decoração de sets de Liz Chatov e Andrea Ferguson (Lovestruck), mostram a diferença de classes sociais entre a casa moderna, sofisticada e luxuosa de Terry Silver, e a simplicidade dos condomínios populares onde moram Miguel e Johnny Lawrence (e até em relação a residência dos bem sucedidos Larusso). Eles também amplia as instalações do Miyagi-Do, em contraste com o galpão do Presas de Águia, que parece saído de um videoclipe dos anos 80/90.
 
No baile, a curtição de Miguel e Samantha é abalada pela chegada de seus ex Tory e Robby Keene, que são um casal difícil de ignorar.
 

 
A edição de Zack Arnold (Burn Notice), Spencer Houck (Cost of Living), Bartholomew Burcham (The Gifted), Dexter N. Adriano (Incorporated) e Bari Winter (No Escuro) - que, junto com os enquadramentos da fotografia de Paul Varrier (The Walking Dead) - criam bons momentos, como quando Johnny Lawrence e Daniel Larusso, como os dois lados e uma mesma moeda, finalmente medem forças (se equivalendo em suas diferenças) e ainda dão à ação um mix de coreografia de lutas com dança numa sequência do baile de formatura da escola. O baile, onde os casais Samantha-Miguel e Tory-Robby não se bicam, é um momento à parte. Os figurinos de Frank Helmer (A Rainha do Sul) enfatizam a diferença entre os elegantes jovens, como no contraste entre a meiguinha (mas que não leva desaforo para casa) Samantha e a Femme Fatale adolescente Tory (se a Marvel, quando reativar os X-Men, não a chamar para ser uma nova versão da jovem Jean Grey/ Fênix, será um desperdício!!!).
 
 
Robby e Tory demonstram grande desenvoltura tanto na dança, quanto na luta, inclusive mesclando as duas em suas coreografias.

 
 
A música de Leo Birenberg (Pretty People) e Zach Robinson (Homem-Formiga) continua de forma competente recheando a trilha de hits dos anos 80 e 90, como com o tema “Burning Heart” de Rocky IV, na marcante performance do grupo Survivor.
 
 
Chega o Torneio All Valley de Karatê Sub-18, onde a sorte dos dojôs é posta à prova com Samantha dando o seu melhor.

 
Ao final, tanto Daniel Larusso, o campeão do Miyagi-Dô, quanto Johnny Lawrence, o “herói quebrado”, encaram novos desafios, com um senso de dispersão de seus grupos em face aos avanços do Cobra Kai. Mas isso abre espaço para novos personagens e a volta de outros da franquia, como Julie Pierce (Hilary Swank, de Karatê Kid 4: A Nova Aventura) no que poderá ser (ou não) o fechamento da série. Pois a tendência após uma quinta temporada será o inevitável desgaste do programa, caindo na auto-paródia. Coisa que decididamente Cobra Kai não merece.


" - Mestre Miyagi, a coisa melou novamente..."



Notas:
 


*1: No seriado How I Met Your Mother o personagem Barney (Neil Patrick Harris, de Matrix Ressurrections) sempre demonstrou uma visão, digamos, deturpada sobre certas coisas. No episódio 15 da quarta temporada ele joga constantemente com isso, especialmente quando diz que torcia para Johnny Lawrence nos filmes de Karate Kid. Para Barney, Lawrence teve sua vida atrapalhada pelo jovem Daniel San, que chegou do nada na cidade e roubou sua namorada. A brincadeira fez tanto sucesso que, na penúltima temporada do seriado, os próprios Ralph Macchio e William Zabka fizeram uma participação. O que começou como uma brincadeira começou a tomar proporções maiores quando começaram a surgir teorias na internet de que, de fato, Daniel San seria o vilão dessa história. Surgiu inclusive um vídeo, que repassa toda a história dos filmes afirmando que Johnny estava em busca de deixar os erros no passado e começar uma nova vida ao lado de sua amada Ellie. E tudo isso teria dado errado com a chegada do violento Daniel Larusso à cidade. 
 
Confira: https://www.youtube.com/watch?v=C_Gz_iTuRMM&t=267s
 
 

*2: Highlander: o Guerreiro Imortal (1986), de Russell Mulcahy (O Sombra), foi um clássico de aventura fantástica tendo como protagonista Connor MacLeod (Christopher Lambert), um guerreiro escocês do século XVI que descobre ser imortal após sobreviver a um grave ferimento durante uma batalha. Expulso da sua vila sob suspeita de bruxaria, ele encontra um nobre espanhol chamado Juan Ramirez (Sean Connery), imortal como ele. Ramirez que lhe explica a casta que ambos pertencem e o ensina a manejar uma espada, pois a única forma de matar um imortal é cortando sua cabeça. Séculos depois, em 1986, MacLeod precisa enfrentar a batalha final contra um perigoso inimigo igualmente imortal.


 

"´É cara, parece que pisamos na bola em mais uma temporada..."

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