Homo Surrealis
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Os saltimbancos Antony Quinn e Julieta Massima em "A Estrada da Vida" (1954) |
Há
mais de um século atrás nascia um garoto na cidade de Rimini, na costa
do Mar Adriático, que imaginativo, sonhava com as histórias de Flash Gordon e os filmes de Hollywood, viu na sua infância as pantomimas autoritárias do fascismo e de seu bufão maior Il Duce,
mas a sua cidadezinha era pequena para os seu sonhos, e aos 18 anos foi
em busca de fortuna como cartunista e desenhista, estudando jornalismo
em Florença e virou profissional em Roma, na revista de humor Marco Aurélio.
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Fellini e o futuro Alm. Nelson (Richard Basehart) em "A Estrada da Vida" |
Foi a devassa e luminosa Roma, o lugar que esculpiu o rapaz de Rimini, que escreveu roteiros de fotonovelas - chamadas de fumetti -, fez rádio-teatro e chegou ao cinema e escreveu roteiros junto com um mestre neorrealista, Roberto Rossellini. Mas as lembranças da cidade da costa adriática de telhados vermelhos e vendedoras de cigarro voluptuosas permaneciam. Era um enxame de lembranças mágicas e desconexas que reconfigurou em Amarcord (1973), em Os Boas-vidas (1953) e em A Estrada da Vida (1954). A verdadeira pátria deste jovem sonhador, que no entanto, nunca teve fronteiras, e ele soube mantê-la escondida entre as quatro paredes do Estúdio 5 de Cinecittà, onde construiu a maioria dos seus devaneios.
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Marcelo Mastroiani e a Anita Ekberg em "La Dolce Vita" (1963). Aqui, diferente do seu habitual, Fellini optou por filmar em locação real na Fontana di Trevi |
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Checando se sua diva Anita Ekberg estava suficientemente voluptuosa... |
Federico Fellini (Rimini, ⭐ 20 de janeiro de 1920 - ✝ Roma, 31 de outubro de 1993) foi um diretor e roteirista de cinema italiano como poucos. Conhecido por seu estilo distinto, que mistura fantasia e imagens barrocas com ”terridez”, é reconhecido como um dos maiores e mais influentes cineastas de todos os tempos.
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Giulieta Massima como a cortesã em busca do amor em "Noites de Cabíria" (1957) |
Seus filmes foram classificados, em pesquisas como Cahiers du cinéma e Sight & Sound, como alguns dos melhores e mais insólitos filmes produzidos na Itália e fundou uma nova maneira de contar o mundo a partir dos sonhos e do lado mais grotesco de suas próprias memórias. Um século depois de seu nascimento, o big bang estético criado durante os anos em que viveu em Roma continua permanecendo no imaginário Pop de forma firme e indelével.
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O visual ligérgico com muita estética gay de "Satyricon" (1969) |
Em uma carreira de quase cinquenta anos, ganhou a Palma de Ouro por por La Dolce Vita (1963), foi indicado a doze Oscars e ganhou quatro na categoria de melhor filme em língua estrangeira, o melhor para qualquer diretor da história da Academia. No Oscar de 1993, em Los Angeles, ele recebeu um prêmio honorário. Além de La Dolce Vita (1960) e 8½ (1963), seus outros filmes conhecidos incluem A Estrada (1954), Noites de Cabíria (1957), Julieta dos Espíritos (1965), Satyricon (1969), Amarcord (1973), Casanova de Fellini (1976), Ensaio de Orquestra (1979), A Cidade das Mulheres (1980) E la nave va (1983), Ginger e Fred (1986) e A Voz da Lua (1990).
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"Satyricon" é um filme que dificilmente seria tão bem acolhido se fosse feito hoje em dia |
Seus filmes renderam vários prêmios, dentre eles: Quatro Oscars, dois Leões de Prata, uma Palma de Ouro, o prêmio do Festival Internacional de Filmes de Moscou e, em 1990, o prestigiado Prêmio Imperial concedido pela Associação de Arte do Japão, que é considerado como um , que é considerado como um Prêmio Nobel.
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As lembranças de sua infância em Rimini, durante o fascismo foram a matéria-prima de "Amarcord"(1973) |
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As bonitonas de Rimini de "Amarcord" |
Este prêmio, cobre cinco disciplinas: pintura, escultura, arquitetura, música e teatro/filme. Com este prêmio, Fellini juntou-se a nomes como Akira Kurosawa, David Hockney, Balthus, Pina Bausch, e Maurice Béjart, o que mostra que o “Maestro de Rimini”, como se referiam a ele, está em muitíssima boa companhia...
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"Amarcord": O maestro e seu elenco tendo o transatlântico "Rex" ao fundo. Na realidade um recorte pintado em perspectiva que o traveling da câmera dava a ilusão de movimento |
Com uma combinação única de memória, sonhos, fantasia e desejo, os filmes de Fellini têm uma profunda visão pessoal da sociedade, não raramente colocando as pessoas em situações bizarras. Existe um termo "Felliniano", que é empregado para descrever qualquer cena que tenha imagens alucinógenas que invadam uma situação comum, sendo também felliniano, o adjetivo que descreve um universo estético, social e político impregnado da tensão entre o homem moderno e os rudimentos do passado, mesclando sonhos eróticos de dominação e poder de um machismo caricatural ou a estranha mistura de crítica e paixão simultânea por uma sociedade do espetáculo, que acabou se tornando uma indústria publicitária de práticas odiosas, pois “o show não pode parar”, criando um “moedor de carne” humano de suas estrelas e dos aspirantes ao estrelato.
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Criador e Criatura: Fellini e Marcelo Mastroiani, que muitas vezes foi o "alter ego" do diretor em seus filmes, e uma amizade duradoura |
Grandes cineastas como Wood Allen, David Linch, Girish Kasaravalli, David Cronenberg, Stanley Kubrick, Martin Scorsese, Tim Burton, Pedro Almodóvar, Terry Gilliam e Emir Kusturica já disseram ter grandes influências de Fellini em seus trabalhos. Woody Allen, em particular, já usou o imaginário e temas de Fellini em vários de seus filmes: Memórias(1980) evoca 8½, e A Era do Rádio (1987) é remanescente de Amarcord, enquanto Broadway Danny Rose (1984) e A Rosa Púrpura do Cairo (1985) inspirados em Mulheres e Luzes (1950) e Abismo de um Sonho (1952) respectivamente.
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A voluptuosa Sandra Milo em "Julieta dos Espíritos" (1965). As mulheres de Fellini são voluptuosas como as dos desenhista Milo Manara, com quem trabalhou na graphic novel "Viagem a Tulum (1991)" |
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"A Cidade das Mulheres" (1980) Mastroiani (e Fellini) encaram a revolução feminina |
O cineasta polonês Wojciech Has, autor dos filmes O manuscrito encontrado em Saragoça (1965) e Sanatorium Pod Klepsydrą (The Hour-Glass Sanatorium de 1973), são notáveis exemplos de fantasia modernista e foi comparado à Fellini pela "Luxúria pura de suas imagens".
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"E La Nave Va" (1983): Fellini e o rinoceronte no seu "Titanic" |
O cantor escocês de rock progressivo O cantor escocês de rock progressivo Fish lançou em 2001 um álbum de nome “Fellini Days”, com letras e músicas totalmente inspiradas nos seus filmes.
O trabalho de Fellini inspirou fortemente musicalmente e visualmente a banda B-52’’s. Eles citaram que o estilo de cabelos bufantes e de roupas futuristas e retrô vem de filmes como 8½, por exemplo. A inspiração em Fellini vem também no último álbum da banda, intitulado "Funplex", (2008) com uma música que leva o nome de um de seus filmes "Juliet of the Spirits", ou, Julieta dos Espíritos (Giulietta Degli Spiriti, 1965).
Em 1993, recebeu um Em 1993, recebeu um Oscar Honorário em reconhecimento ao conjunto de sua obra que ao longo dos anos chocaram e divertiram audiências mundo afora. No mesmo ano ele morreu em Roma, aos 73 anos (um dia depois de completar cinquenta anos de casado) de um ataque cardíaco. Sua esposa, Giulietta, morreu seis meses depois em 23 de março de 1994 de câncer de pulmão.
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Giulieta e Mastroiani em "Ginger e Fred" (1986) uma ode nostálgica a "Era de Ouro" do cinema |
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"Ensaio de Orquestra" (1979): obra sobre o insólito no cotidiano, como tudo em Fellini |
Giulietta e Fellini estão enterrados no mesmo túmulo de bronze esculpido pelo escultor Arnaldo Pomodoro. Em formato de barco, o túmulo está localizado na entrada do cemitério de Rimini – sua cidade natal, cujo aeroporto também recebeu seu nome. Entre seus amigos e admiradores estavam os escritores Jorge Amado e Georges Simenon.
Ao final de todo esse século desde o seu nascimento podemos dizer que Fellini foi o que melhor definiu que “a arte é uma mentira usada para contar uma verdade”...
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"-E rema, rema, rema..." |
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