Das estrelas... para o lixo.
por Alexandre César
(Originalmente postado em 21/ 08/ 2018)
Veículo icônico do Sci-Fi e seu final degradante
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Como o personagem mitológico, voou, voou até cair no mar |
Misto de projeto da Nasa e de foguete de Flash Gordon, a Liberty 1, mais tarde rebatizada em definitivo como Icarus, apareceu em poucas cenas dos três primeiros filmes da franquia O Planeta dos Macacos nos anos 60 e 70 (sobre os filmes, veja aqui), mas marcou o imaginário nerd com suas linhas puras e aspecto clean, tornando-se um veículo tão icônico da ficção-científica quanto a Júpiter 2 de de Perdidos no Espaço ou o shutlle Galileo da série clássica de da série clássica de Star Trek - aliás, outro veículo cenográfico cujo destino por pouco não foi tão trágico quanto o da Icarus.
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Concepções do veículo Dyna-Soar, que nunca foi construído. |
Ela foi projetada pelo designer de Produção William J. Creber e inspirada num projeto da McDonnell Douglas do que seria uma versão alada da Cápsula Gemini chamada Dyna-Soar - fora uma sutil inspiração nos designs de Alex Raymond em seus quadrinhos do Flash Gordon. Na realidade, como nunca vimos a nave inteira, só podemos presumir como era o seu aspecto completo.
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Concepção do fã Jan Rükr (2002) sobre como seria ela completa... |
Na trama, o veículo da ANSA (American National Space Administration - uma paródia da NASA) fazia parte de uma série de naves que iriam provar as teorias do Dr. Otto Haslein a respeito da viagem no espaço em velocidades próximas ou maiores do que a da luz e a diferença de passagem do tempo dentro veículo em movimento e fora dele durante a viagem.
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Aqui Jan Rükr especula como seriam os trens de pouso, apostando nas indicações de "De Volta ao Planeta dos Macacos". |
Vários fãs gastaram tempo e talento tentando decifrar qual seria o real aspecto da nave, destacando-se o trabalho de Jan Rükr, que desenvolveu vários designs dela - ora em croquis detalhados, ora em CGI - chegando a resultados interessantes. Mas, apesar de existirem kits de modelos para montar na configuração criada por Jan Rükr, nunca houve de fato uma versão oficial de como seria a Icarus inteira.
Outros desdobramentos da história da ANSA foram mostrados em livros e quadrinhos do universo expandido da franquia como em da franquia como em Conspiracy of the Planet of the Apes, de Drew Gaska e Matt Busch, com ilustrações de Jim Steranko.
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Para ela ficar nesta posição, deduzimos que a parte submersa tenha pelo menos o dobro do comprimento da parte emersa |
Outros desdobramentos da história da ANSA foram mostrados em livros e quadrinhos do universo expandido da franquia como em da franquia como em Conspiracy of the Planet of the Apes, de Drew Gaska e Matt Busch, com ilustrações de Jim Steranko.
Mas como o objeto deste artigo é a nave cenográfica usada no filme original de 1968, deixemos essas considerações nerds de lado e voltemos a rastrear o seu cruel destino.
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A Icarus aparece em "Uma Sombra Passou Por Aqui" (1969), baseado em "O Homem Ilustrado", de Ray Bradbury |
O modelo em tamanho natural (mockup) do filme foi construído em metal, sendo içada e ancorada numa estrutura de aço para parecer caída na cena do pouso no lago. A cena do naufrágio foi no Lago Powell, no Parque Nacional próximo de Page, no Arizona. O interior da nave foi feito em estúdio e a cena do afundamento final foi feita em estúdio com uma maquete.
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"De Volta ao Planeta dos Macacos" (1970). Reaproveitaram os trens de pouso da Júpiter 2 na construção da Liberty 2 |
A nave foi usada, toda coberta de terra e sob chuvas torrenciais em um dos episódios mais angustiantes do filme Uma Sombra Passou Por Aqui (1969, de Jack Smight). Com uma nova pintura e insígnias, ela aqui surge como uma nave naufragada dos Estados Unidos da Terra, não como uma nave da ANSA.
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"Fuga do Planeta dos Macacos" (1971). A Icarus retorna, toda chamuscada, no tempo |
Obviamente ela foi reciclada para ser usada como a Liberty 2, nave de Brent (James Franciscus) em De Volta ao Planeta dos Macacos (1970, de Ted Post). Aqui ela aparece chamuscada e em ruínas, usando entre algumas de suas peças, os trens de pouso da Júpiter 2 de Perdidos no Espaço (que, a essa altura, já havia partido dessa para uma melhor...) e algumas partes de tubos e sucatas de propulsores reais de foguetes, para dar um aspecto danificado, mas ainda não nos deixando uma ideia clara de como seria o seu aspecto integral.
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Piloto da série de TV (1974). O último adeus da Icarus |
Posteriormente, foi usada no terceiro filme da franquia - Fuga do Planeta dos Macacos (1971, de Don Taylor) -, com a sua parte de trás lisa, sem propulsores, como se fosse uma cápsula de reentrada que tivesse sido ejetada. A sequência de seu resgate foi filmada na praia de Malibu, na Califórnia, próximo da locação da cena final do filme original de 1968, quando Taylor (Charlton Heston) encontra a Estátua da Liberdade.
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Largada nos anos de 1970, no Fox Ranch. Mas o pior ainda viria para a bela dama... |
Em uma foto na década de 1970, vemos o mockup da Icarus largado no Fox Ranch, terreno em que ficavam encostados materiais cenográficos do estúdio. A medida que os itens iam se acumulando, os pedaços de cenários que não podiam ser reciclados costumavam ser vendidos ou simplesmente jogados fora. Coisa similar ocorre nos galpões das nossas Escolas de Samba.
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O trágico final de uma Diva Hollywoodiana... |
A Icarus acabou como poste de entrada de um motel de auto-estrada (no Arizona, provavelmente). Triste fim para um dos veículos mais icônicos da ficção-científica. Mas, infelizmente, este não foi um caso isolado. O triste destino é fruto da própria natureza efêmera das criações cenográficas, pois, terminadas as filmagens ou gravações, não se podem mantê-las indefinidamente estocadas.
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A maquete original do Júpiter 2 de "Perdidos no Espaço" também foi reciclada |
Um outro exemplo deste destino incerto dos veículos cenográficos após o final de seus filmes ou séries foi a batisfera do seriado Viagem ao Fundo do Mar (1964/68, de Irwin Allen), que acabou reciclada, decorando a fachada de uma companhia de equipamentos de mergulho na Califórnia.
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Este computador inclusive apareceu no setor de vigilância de "Inferno na Torre" (1974, de John Guillermin) |
Irwin Allen, aliás, era mestre em reaproveitar partes de cenários, maquetes, figurinos e fantasias de suas produções. Tanto que havia a máxima de que “os monstros que apareciam num episódio de Perdidos no Espaço apareceriam dentro de duas semanas num episódio de Viagem ao Fundo do Mar e vice-versa”. Isto se nota em seus laboratórios, que fossem americanos, russos, chineses ou alienígenas, sempre tinham um mesmo conjunto de computadores. Isto é que podemos chamar de “princípios tecnológicos comuns a qualquer civilização”...
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Ao final, o que sobrou foram as maquetes feitas para "2010: O Ano em que Faremos Contato" (1984), de tamanho menor. |
Outras naves e construções cenográficas também ficaram entregues a própria sorte após o término das filmagens que estavam nas mãos de outros produtores, como a Outras naves e construções cenográficas também ficaram entregues a própria sorte após o término das filmagens que estavam nas mãos de outros produtores, como a Discovery One de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968, de Stanley Kubrick). Para o filme foi usada uma maquete de 18 metros (no filme a espaçonave media mais de 140 metros) que ficou anos guardada num galpão, até o dono exigir o aumento do aluguel pelo seu uso. A Metro-Goldwyn-Mayer não concordou com o aumento e decidiu destruir a maquete. No seriado StarLost (1973/74) foi utilizado uma maquete da nave Ark que teve um destino muito semelhante. Mas, ao invés de ser destruída, foi doada a um maquetista que a desmontou e reaproveitou seus componentes (menos mal...).
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O que restou da maquete da estação espacial de "2001", alguns dias antes de sua total destruição |
A linda maquete original da estação orbital de 2001: Uma Odisseia no Espaço, ficou enfeitando e apodrecendo num jardim, não muito longe de onde foram realizadas as filmagens do longa-metragem. Acabou sendo totalmente destruída por crianças depois de alguns dias. Comparando, a Icarus teve sorte melhor!
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O Liparus, de "0007 - O Espião Que Me Amava": uma maquete tão grande que foi filmada no mar |
A maquete do superpetroleiro Liparus, que capturava submarinos nucleares no filme 007 - O Espião que Me Amava (1977, de Lewis Gilbert), que tinha mais de 19 metros, foi filmado no Mar de Nassau, nas Bahamas (famosa por suas águas cristalinas). Era grande assim para, ao ser filmado ao ar livre com a luz do sol - num trecho do mar onde as ondas eram pequenas -, parecer um grande navio de dimensões reais.
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Os submarinos eram pilotados cada um por um mergulhador. Eram movidos num sistema similar ao de pedalinhos |
Era pilotado por dois mergulhadores e, após filmarem a sequência do seu afundamento, acabou ficando por lá! Se por acaso você for mergulhar por aquelas paragens corre o risco de esbarrar nesta obra da equipe do mestre dos efeitos especiais Derek Meddings. Isso chega a ser poético comparado com o destino de outras estrelas cenográficas.
Mais detalhes sobre esse espetacular trabalho de miniaturas neste link:
http://www.modelshipsinthecinema.com/search/label/Derek%20Meddings?updated-max=2018-12-04T20:40:00%2B08:00&max-results=20&start=2&by-date=false
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A Millennium cenográfica original foi para a fogueira no início da década de 1990. Como os produtores têm as plantas técnicas, não tiveram problemas de refazê-la para os filmes atuais |
Até a Millennium Falcon cenográfica original (que estava desmontada e arquivada) foi destruída numa limpeza dos Estúdios Pinewood na década de 90, visto que não havia na época, previsão de novos filmes da franquia Star Wars e era necessário liberar espaço de estocagem de material cenográfico no estúdio. Sejamos realistas: era um trambolho grande que ocupava espaço e não tinha aplicabilidade prática. Construções cenográficas são coisas descartáveis por natureza. Então, terminou a filmagem, lá vai o pé de cabra desmontar tudo para liberar o espaço para o próximo cenário.
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"Star Wars - Ep. I: A Ameaça Fantasma": Pod da Discovery I entre a sucata espacial |
Aliás, o próprio George Lucas, ao fazer Star Wars - Episódio I: A Ameaça Fantasma (1999), colocou em um depósito de sucatas de Tatoinne - que aparece em uma cena ao ser atravessado por Quin-Gon-Jim (Lian Neeson) acompanhado do astuto Watto - um dos módulos da Discovery One, entre outras tranqueiras. Provavelmente foi um dos usados em 2010: O Ano em que Faremos Contato (1984, de Peter Hyans).
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Imagine andar no meio do deserto e de repente trombar com uma estrutura dessas... O que você pensaria? |
A estação Oberon, ou ou Calima, da reimaginação de Tim Burton de Planeta dos Macacos (2001), acabou abandonada na região da locação em Trona Pinnacles, Fish Rocks, na Califórnia, tornando-se o que parece ser conjunto de estruturas realmente as ruínas de uma antiga civilização há muito esquecida... Olha aí a dica de locação para quem quiser fazer um filme “Z“ de baixo orçamento!
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"Eclipse Mortal" (2000). Da Austrália para... Deixa pra lá! |
Destino similar foi o da nave auxiliar de fuga usada por Ridick (Vin Diesel) em Eclipse Mortal (2000, de David Twohy). Ela ficou largada após as filmagens em Coober Pedy, no sudeste da Austrália, uma região de minas que já serviu de locação para Mad Max Além da Cúpula do Trovão (1985, de George Miller e Goerge Ogilvie) e Planeta Vermelho (2000, de Antony Hoffman). O clima desértico ajuda a conservar as coisas e o ineditismo da peça deve ser um atrativo e tanto para torná-la um ponto turístico para quem por acaso se ver perdido naquela região. Coisa parecida acontece na Rússia com os galpões abandonados do ônibus espacial Buran e os Ekranoplanos, projetos de ponta da velha União Soviética.
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Galileo seven: No seriado, e como ficou após anos ao relento... |
A Galileo Seven teve mais sorte. Sinal da boa estrela de teve mais sorte. Sinal da boa estrela de Star Trek. Construída pelo reformador de carros Gene Winfield, a Galileo mede cerca de 7 metros de comprimento por 5,5 metros de altura e 1,7 m de altura do teto.
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... mas, apesar de tudo, resistiu bem a quase meio século de intempéries |
Ela foi basicamente feita de madeira pintada e chapa de metal sobre uma estrutura de aço. A enorme peça apareceu em sete episódios antes da série ser cancelada em 1969. Depois disso ela amargou um longo período num terreno baldio se deteriorando.
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As especificações técnicas, disponíveis graças a popularidade da série. |
Foi posteriormente encontrada em 1991 por um fã, Adam Schneider, que a comprou e, após reunir recursos, mandou restaurá-la seguindo fielmente os projetos originais. A Galileo Seven deixou de ser um pedaço de ferro velho e passou a residir desde 31 de julho de 2013 num stand do Centro Espacial Houston, Texas.
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Final feliz. A bela dama encontrou o seu local de justo repouso. |
Lá, ela é apresentada com outras relíquias da Era Espacial para ajudar a transmitir a história do programa espacial dos EUA. Pode-se ver aqui um vídeo de sua restauração: https://www.youtube.com/watch?f
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Não bastasse o xenomorfo, a Nostromo também penou anos e anos ao relento |
A maquete do Nostromo, a nave interestelar em que se desenvolve a trama do clássico Alien (1979), de Ridley Scott, foi doada, junto com outras peças do filme, para o colecionador Bob Burns, para decoração de uma de suas festa de Halloween e, por ser muito grande, e ele não ter onde guardar, ficou encostada num canto de um estacionamento, por cerca de 15 anos, até ser resgatada e devidamente restaurada. Inclusive, os restauradores encontraram em seu interior duas ossadas de gambás (não, não eram xenomorfos!!!). Anos mais tarde foi a leilão on-line entre 26 e 27 de agosto de 2020 por um valor entre US$ 300 mil e US$ 500 mil. Construída pela equipe chefiada por Martin Bower (maquetista veterano da série de Gerry Anderson Espaço 1999) em madeira e aço, a maquete, originalmente amarela (uma cor 'industrial') foi usada para tomadas exteriores filmadas pelo próprio Scott, que pediu que fosse “repintada de cinzo escuro e envelhecida extensivamente para reproduzir décadas de viagens ao espaço profundo”, explicou a organizadora do leilão, a Prop Store of London.
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A Nostromo, após a restauração |
Aqui temos um vídeo da longa e minuciosa restauração da maquete pela equipe de Jack Edjourian, Monty Shook e John Eaves da Grant MaCune Design Inc., fundada pelo lendário maquetista de Star Wars, entre muitos outros filmes.
https://www.youtube.com/watch?v=9NoCsZvYeEQ
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Brinquedo de gente grande: Batmóvel e Beleza Negra. Os carros ilustres sempre encontram dono |
Os automóveis e veículos automotivos geralmente têm mais sorte - talvez por poderem se locomover, facilitando a sua troca de lugar de repouso, talvez pela mística do carro como símbolo de poder. Normalmente seus finais não costumam ser tão tristes, pois, apesar de alguns casos tristes como a do veículo título de Ark II (que teve a sua carroceria de fibra de vidro canibalizada para construir outros veículos cenográficos), em geral este grupo de memorabilia sobrevive mais, vide que todos os Batmóveis e os Belezas Negras (o carro do O Besouro Verde) costumam sempre acabar ou em algum museu ou com algum colecionador particular.
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Disponível no YouTube, este fake documentary intitucional sobre a missão da Icarus, é bem intressante |
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