por Alexandre César
No mar,Tom Hanks cuida dos seus
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Hanks estrela e escreve o roteiro deste filme, baseado num livro que lhe foi presenteado pela diretora Nora Ephron.... |
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1942: O Atlântico Norte no "Poço Negro", zona além da escolta aérea aos comboios, onde eles estavam por sua própria conta... |
Em meio à esta época em que a propagação do Novo Corona Vírus (COVID-19) além de ceifar vidas e de revelar, com a necessidade de impor regras rígidas de distanciamento social, a fragilidade de nossa sociedade e modo de vida, um dos meios mais afetados por isso tem sido o setor cultural, sendo o cinema um dos principais, levando os estúdios à adiarem lançamentos ou encaminhá-los diretamente ao streaming, tendência essa que se antes da pandemia já ocupava grande espaço, agora parece ser a única alternativa de veiculação fora os canais à cabo.
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O capitão Krause (Tom Hanks) lida com a tensão de lidar com as responsabilidades do comando e de não se deixar levar pela sua inexperiência... |
Produzido pela Sony Pictures, e veiculado pela APPLE TV+, e dirigido por Aaron Schneider (Segredos de um Funeral) o drama de guerra Greyhound: Na Mira do Inimigo (2020) traz Tom Hanks (Um Lindo Dia na Vizinhança) como o inexperiente Capitão Krause, no comando de um Destróier Classe Fletcher*que lidera o comboio aliado HX-25 no mês de fevereiro de 1942, durante a fase mais agressiva da Segunda Guerra Mundial, quando os U-Boats alemães massacravam os comboios que partiam com tropas e suprimentos em direção à Inglaterra, como parte do esforço de guerra, atravessando o Norte do Oceano Atlântico, no trecho conhecido como o “Poço Negro”onde os navios estavam além da alcance da escolta aérea, contando apenas com os seus próprios recursos para se defenderem de um inimigo implacável.
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Braço-Direito: O subcomandante Charlie Cole (Stephen Graham) ajuda Krause a manter as coisas funcionando à bordo... |
O roteiro do próprio Hanks baseado na novela ”The Good Shepherd”de C.S. Forester , autor de aventuras de temática militar, mais conhecido pela série de romances náuticos do Capitão Horatio Hornblower (personagem fictício que serviu de fonte de inspiração a um certo James Tiberius Kirk) se atém ao microcosmo e da tensão a que estão sujeitos os indivíduos que estão na ponte de comando, tendo de calcular cada passo meticulosa e concemtradamente, pois um passo mal calculado pode ser a diferença entre a vida e a morte, e portanto detalhes como a tendência a pigarrear ou tossir e um oficial que tem de repassar um comando de um setor a outro ou relatar um parecer pode ser problemático para o tempo de reação doo navio.
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Juventtude: O Tenente Nystrom (Matt Helm) é a perfeita encarnação de toda uma geração de garotos que foi para guerra, exibindo uma alegria infantil nos momentos de vitória... |
Hanks compõe o seu personagem de forma sóbria e contida: Krause é um líder que pegou o seu primeiro comando já tardiamente, e carrega o peso das vidas que deve proteger nas costas, mas como um cristão fervoroso, assume as suas responsabilidades, fazendo o seu trabalho mas não odiando o seu inimigo, aqui tal qual visto em Dunkirk como algo impessoal, pois vemos os submarinos, mas não os seus tripulantes, sendo fácil assim desumanizá-los, coisa que a música de Blake Neely (Flash) colabora, com soluções bem criativas como anexar cantos de baleias nas cenas em que aparecem os submarinos alemães espreitando o comboio e preparando o cerco, tal qual orcas que cercam uma presa ou, lobos que cercam um rebanho.
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Criatividade: A idéia de usar cantos de baleia (ou algo parecido) na trilha sonora dá uma personalidade predatória aos U-Boats, como se fossem animais marinhos... |
A direção de Schneider é competente, definindo bem os seus personagens, auxiliado pela fotografia de Shelly Johnson (No Olho do Furacão) de tons frios na maioria das cenas, e da edição de Mark Czyewski (JFK, a História Não Contada) e Sidney Wollinsky (A Forma da Água) que mantém o ritmo tenso desta narrativa tensa de jogo-de-gato-e-rato, em que não há lugar para grandes construções de personagens, a despeito do bom elenco, que define bem seus papéis como o subcomandante Charlie Cole (Stephen Graham de O Irlandês) que é o braço-direito do capitão e só, pois só precisamos saber disso para o filme andar, a despeito de duas, três ou mais licenças poéticas** em nome da dramaticidade.
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"Momento Frank Capra": A lembrança do encontro com Evelyn (Elisabeth Shue) dá forças para Krause não esmorecer... |
Nesta caracterização do protagonista, que mostra que Hanks se vivesse na década de 30 com certeza seria um ator que Frank Capra escolheria, temos para mostrar algo mais do que só cenas de batalha e a rotina da vida num navio, um flashback em cores mais quentes e aconchegantes, quando Krause, prestes a assumir o comando, no Natal de 1941, encontra-se com Evelyn (Elisabeth Shue de Despedida de Las Vegas) seu interesse romântico, cuja beleza é realçada pelo figurino de Julie Weiss (Meu Jantar com Hervé) e a quem propõe casamento, mas ela declina por causa do momento atual que o mundo está passando, e assim Krause tal qual um bom pastor (correto, e por que não dizer, casto), vai em frente, cuidando do seu rebanho, disciplinando de forma firme mas humana seus tripulantes e sendo o seu crítico mais severo, não demonstrando orgulho quando o seu trabalho chega às últimas consequências, sendo particularmente interessante a cena em que o jovem Tenente Nystrom (Matt Helm de Rainhas do Crime) o congratula dizendo: “- Parabéns capitão! É o seu primeiro U-Boat! São 50 alemães a menos!” e Krause responde sem muita empolgação: -” Sim. 50 almas.” e segue para continuar as manobras, não fazendo questão de passsar na área de detritos do submarino para pegar algum pedaço que ateste o afundamento, parecendo em alguns momentos uma versão naval do personagem vivido por Hanks em O Resgate do Soldado Ryan (1998) de Steven Spielberg.
O lado de guia moral e espiritual do personagem é bem traduzido numa sequência em que num momento de calmaria entre um combate e outro Krause prepara uma cerimônia rápida de funeral para os mortos pois ele não tem mais espaço para empilhá-los, e ao depositá-los no mar ele ordena a parada total do navio. Singelo e conciso.
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À medida que o tempo vai passando, Krause vai mostrando que mesmo inexperiente ele sabe lidar com o perigo... |
O visualmente correto desenho de produção de David Crank (Entre Facas e Segredos) aliado à direção de arte de Tom Frohling (O Protetor 2) e Lauren Rosenbloom (The Rookie) e a decoração de sets de Leonard R. Spears (Corra!) recria bem os espaços apertados e austeros das instalações e cômodos do navio, de cores monocromáticas e neutras de natureza funcional, destacando-se uma maior dramaticidade nos momentos em que se usa a luz vermelha nas cenas noturnas. Tecnicamente os efeitos visuis da Day For NIte, Double Negative (DNEG), Industrial Pixel VFX impressionam apesar de em alguns momentos pela natureza das sequências*** sentirmos um “quê” de videogame, por ter peso dramático, mas não muita verossimilhança****.
Nos créditos finais é relatado que durante a Batalha do Atlântico, cerca de 3.500 navios, carregando milhões de toneladas de carga foram afundados e 72.200 vidas foram perdidas. No conjunto, Greyhound: Na Mira do Inimigo é um filme correto, que perde muito por não ser exibido na tela grande, perdendo muito do impacto de suas cenas, narrando uma situação episódica típica a um conflito desssas proporções, mas que não coloca a possibilidade de se conhecer os dois lados desse mesmo conflito como por exemplo em A Raposa do Mar (1957) de Dick Powell que com muita habilidade coloca Robert Mitchum como um capitão de destróier americano e Curd Jürgens como um capitão de submarino alemão, mostrando que há seres humanos tanto de um lado quanto do outro de uma guerra, e a grande falha é não percebermos que o grande inimigo na verdade, é a guerra em si mesma...
NOTAS:
*:A Classe Fletcher foi uma classe de detróiers (ou contratorpedeiros) usada pelos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, tendo sido criada em 1939 como resultado com a insatisfação com as classes anteriores, a Portere a Somer. Algumas unidades dessa classe serviram durante as Guerras da Coréia e a do Vietnã.Eram navios de alta performance e longo alcance, atuando em guerra anti-submarinos e guerra anti-aérea, podendo cobrir as vastas distâncias necessárias pelas ações tanto no Atlântico quanto no Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. Posteriormente algumas unidades foram adquiridas pela Marinha Brasileira e incorporadas à Classe Pará.
**1: Temos a figura de dois taifeiros negros Cleveland (Rob Morgan de 12 Anos de Escravidão) e Pitts (Craig Tate de Demolidor) que servem as refeições do Capitão em seu posto de comando (que sempre acaba adiando comer por causa dos acontecimentos), coisa que na época não era a prática corrente, sendo os negros relegados à atividades longe da ponte de comando.
**2: Em certa altura o Greyhound capta uma mensagem de um comandante de um U-Boat tentando intimidá-lo, coisa absurda pois quebrando o silêncio de rádio os equipamentos do destróier facilmente poderiam triangular a sua posição, e afundá-lo.
***: Em outra sequência os U-Boats emergem próximos à superfície antes de atacar, quando na realidade eles ficavam a uma distância média de 3 quilômetros de seus alvos e lançavam uma saraivada de torpedos à profundidade de periscópio, para preservar a sua localização.
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"Toda a missão em que você sai do navio andando com as próprias pernas é uma missão bem-concluída!!!" |