sábado, 22 de julho de 2023

Acima de tudo um gentleman - In Memorian: James Whale

 

 
Genialmente maldito

por Alexandre César
(Originalmente postado em 07/ 05/ 2019 ) 

O cineasta mais completo do ciclo

#HorrorDaUniversal

 

James Whale: Criatividade, elegância e iconoclastia, tudo no mesmo pacote


Talentoso, ireverente e sem medo de chocar as instituições e a hipocrisia da sociedade, tendo uma história de vida bem agitada, James Whale ( ⭐ Dudley, Inglaterra, 22 de julho de 1889 –  ✝ Los Angeles, 29 de maio, 1957) foi um cineasta britânico radicado nos Estados Unidos da América, melhor conhecido pelo seu trabalho em filmes de horror, principalmente Frankenstein (1931), A noiva de Frankenstein (1935)  e O homem invisível (1933), feitos para a Universal Pictures e todos grande sucessos de bilheteria.

 

Douglass Montgomery e Mae Clarke em "A Ponte de Waterloo" (1931). Filme também produzido por Carl Laemmle, Jr


Nascido em Dudley, Inglaterra, como o sexto de um total de sete filhos, seu pai era um operador de fornalha e a mãe era enfermeira num típico reduto operário inglês . Ele não era muito forte para trabalhar na indústria como seus irmãos mais velhos, então arranjou um emprego de sapateiro, retendo os pregos que eram retirados das solas trocadas e vendendo em seguida como sucata para ganhar um dinheiro a mais. James tinha algum talento como compositor e usou essa renda extra para pagar seus estudos na Escola de Artes de Dudley (Dudley School of Arts and Crafts).

 

"Journey´s End" (1930).Versão da peça com Colin Clive, futuro Dr. Frankenstein


Em outubro de 1915, com o início da I Guerra Mundial, James Whale se alistou no exército e esteve no regimento de Worcestershire em julho de 1916. Foi feito prisoneiro de guerra em agosto de 1917, enquanto liderava um ataque a uma fazenda fortificada de Flandres, ele passou 15 meses no campo de prisioneiros de guerra de Holzminden, na Baixa Saxônia, na Alemanha, e permaneceu vivo fazendo apresentações regulares de teatro para serem apresentadas para os guardas e companheiros de cela, continuando a desenhar e escrever, descobrindo seu talento para as produções teatrais. Em Holzminden embora nutrisse ódio pelos alemães, desenvolveu seu gosto pelo drama e, ironicamente, pelo Expressionismo Alemão. Curiosamente, também foi na prisão que Whale aprendeu a jogar pôquer, ganhou muitas apostas e depois da guerra foi cobrar seus companheiros de cela e fazer um pé-de-meia. 

 

Whale e o desconhecido Boris Karloff, que ele escolheu pessoalmente para fazer o monstro


Depois do armistício ele voltou para Birmingham e se tornou profissional do teatro. Em 1928 teve a oportunidade de dirigir peça do então desconhecido autor R. C. Sherriff, Journey's End, com Laurence Olivier em início de carreira. A peça foi bem sucedida e eles se mudaram para o teatro de West End (agora com o ator Colin Clive no papel principal). A peça foi exibida em 600 ocasiões. Whale dirigiu a versão para a Broadway e a adaptação para o cinema feita por Hollywood. Clive repetiu seu papel no filme.

Whale recebeu influência do cinema mudo alemão, particularmente dos filmes de F. W. Murnau e seus movimentos de câmera. Seus filmes estabeleceram as carreiras americanas de Gloria Stuart, Colin Clive, Elsa Lanchester, Boris Karloff e Claude Rains, atores que ele conhecia da Inglaterra e que graças a isso criara papéis adequados para as respectivas personalidades.

 

Criador e criatura: a influência do expressionismo alemão é nítida no design de produção e fotografia do filme


Whale teve seu grande momento em Hollywood quando o chefe do estúdio Carl Laemmle ofereceu ao diretor a chance de comandar qualquer filme cujos direitos estavam com a Universal. Whale escolheu Frankenstein principalmente porque nenhuma das outras propriedades da Universal lhe interessavam e ele queria realizar uma película de guerra. 

 

Cena controversa, em que o monstro brinca com uma garotinha, e no take seguinte, ele olha para o lago e vemos que a alguma coisa afundou, e ela não está mais em cena...


Whale chamou para o elenco Colin Clive – conhecido do diretor por causa da peça Journey’s End – para o papel do barão e cientista, e Mae Clark como sua noiva Elizabeth. Porém, para representar o monstro, Whale ofereceu o papel para um ator desconhecido chamado Boris Karloff (reza a lenda que Bela Lugosi era a primeira escolha do estúdio, mas não aceitou porque o papel não possuía falas). As filmagens começaram em 24 de agosto de 1931, estendendo-se até 3 de outubro. Já no dia 29 de outubro foram feitas as pré-estreias com lançamento em 21 de novembro. Instantaneamente a resposta do público e crítica foi aclamar o novo clássico, que estourou os recordes de bilheteria por todo o país, rendendo ao estúdio 12 milhões de dólares no primeiro lançamento. Frankenstein custou 291 mil dólares e se tornaria o mais importante cartão de visitas de seu diretor. 

 

Desde então, cientista louco que se preza, tem que ter um vicioso assistente corcunda


Seguiu-se Seguiu-se A Donzela Impaciente, um drama estrelado por Lew Ayres e Mae Clark, baseado na novela “The Impatient Virgin”, de Donald Henderson Clarke, e A Casa Sinistra (The Old Dark House), ambos de 1932, sendo esta última creditada como uma reinvenção dos filmes de horror envolvendo casas sombrias e misteriosas. Para a produção, mais uma vez Boris Karloff foi chamado para o papel principal. Depois que o filme foi retirado de circulação The Old Dark House foi considerado perdido por muitos anos até que nos anos 60 o cineasta Curtis Harrington encontrou um negativo nos arquivos da Universal e levou-o para restauração. O famoso produtor e diretor William Castle realizou um remake homônimo em 1963. 

 

Karloff e Gloria Stuart em "A Casa Sinistra" (1932). Uma reinterpretação do conceito de filme de horror


Em 1933 Whale dirigiu O Beijo Diante do Espelho, um drama de suspense estrelado por Nancy Carroll, Frank Morgan, Gloria Stuart e Walter Pidgeon, que foi bem recebido pela crítica mas fracassou nas bilheterias. Porém, logo Whale recuperaria as atenções do público com O Homem Invisível, com um roteiro mais próximo do material escrito por H. G. Wells depois que sofreu 14 revisões de roteiro até ser considerado possível de ser realizado. A mistura de horror, humor e os excelentes efeitos visuais capturaram de imediato a imaginação do público que nunca tinha visto nada parecido até aquele momento, resultando no vilão mais sanguinário de todo o ciclo da Universal: 122 mortes, sendo quatro assassinatos vistos em cena, mais dezoito membros de um grupo de buscas que desaparece e um trem que ele faz descarrilar, matando cem pessoas. Curiosamente, Karloff representaria o papel principal de acordo com a preferência do estúdio, mas Whale queria uma voz mais “intelectual” e menos soturna para o personagem e sua primeira escolha foi o ator Claude Rains, que pegou o trabalho, da comédia romântica Quando a Luz Se Apaga, estrelada por Elissa Landi e Paul Lukas e também produzida em 1933.

 

Whale, com Gloria Stuart e equipe num intervalo de filmagens de "A Casa Sinistra"


O filme seguinte de Whale foi o drama Estigma Libertador (1934), uma adaptação da novela de mesmo nome de John Galsworthy, sobre uma mulher tentando escapar de um casamento com um abusivo membro da aristocracia inglesa. Foi o primeiro filme de Whale produzido sob o Código de Produção, o que provocou diversos problemas para adaptar o texto ao novo código por conta dos elementos de sadismo e sexualidade implícitos na história. 

 

Filmagem de "O Homem Invisível" (1933). -"Claude, você ainda não entrou no personagem!!!"


A sequência A Noiva de Frankenstein (1935), ele aceitou dirigir apesar de sua resistência em realizar uma continuação de seu mais lucrativo filme e ficar para sempre estigmatizado como diretor de filmes de horror. Aproveitando-se de um episódio da novela de Mary Shelley no qual o barão se comprometia a criar uma companheira para a sua criação, o filme chamou de volta o mesmo elenco principal de Frankenstein, contudo a famosa história ganharia traços mais humanos e sombrios e a maestria com que foi realizado fez dele um caso raro no cinema em que uma continuação conseguia ser ainda melhor do que o filme original. 

 

O Dr. Jack Griffin (Claude Rains) acreditem, é o "Monstro da Universal" que mais vítimas fêz por filme!!!


No corte original, 21 pessoas morriam, mas depois de pressões da censura o número caiu para dez mortes – e o roteiro introduziu um vilão que conseguiu engolir o personagem principal, o Dr. Pretorius, interpretado de forma brilhante por Ernest Thesiger. A audiência recebeu muito bem esta continuação, embora não tanto quanto o original. A Noiva de Frankenstein custou 397 mil dólares e rendeu cerca de 2 milhões até 1943. Alardeado como o mais importante filme da era clássica do horror, mesmo depois de todos os cortes e mudanças que precisou fazer por conta da imposição dos códigos de produção da época, A Noiva de Frankenstein é o trabalho de mestre de James Whale e elevou a reputação do diretor as alturas. Laemmle ficou ansioso para colocar Whale para dirigir A Filha de Drácula, a continuação do primeiro grande sucesso de horror da Universal (que terminou nas mãos de Lambert Hillyer). 

 

Karl (Dwight Frye), Dr. Pretorius (Ernest Thesiger) e Henry Frankenstein (Colin Clive) em "A Noiva de Frankenstein" (1935)


Outros filmes bem sucedidos de Whale foram Anjos do Inferno (1930) co-dirigido com Howard Hughes, (1930), A Ponte de Waterloo (1931) e Magnólia - O Barco das Ilusões (1936), estes dois produzidos por Carl Laemmle, Jr. Também realizou The Man in the Iron Mask, para o produtor independente Edward Small.

Pela Universal, Whale dirigiu The Road Back (1937),  pensado como uma sequência para Sem novidades no Front (1930) de Liwes Milestone. Sob os protestos de Whale, The Road Back foi reeditado e cortado após o lançamento, o que resultou em fracasso de público. 

 

"A Noiva..." Karloff retorna ao papel que o consagrou sob a batuta de Whale


Whale então foi relegado aos filmes B da Universal. Em 1937 ele filmou O Grande Garrick da Warner Brothers - seu único filme por este estúdio. Apesar da cuidada ambientação do século XVIII, o filme foi outro fracasso. Ele dirigiu O Porto dos Sete Mares (1938) para a MGM e Esposas Sob Suspeita (1938) seu último filme para a Universal, um remake do sucesso anterior The Kiss Before the Mirror

 

Colin Clive, Elsa Lanchester e Whale num intervalo de filmagem de "A Noiva..."


Nessa fase Whale conseguiu sucesso apenas com O Homem da Máscara de Ferro (1939), estrelado por Louis Hayward e Joan Bennett, Inferno Verde (1940), um filme comum de aventura na selva com Douglas Fairbanks Jr., Joan Bennett e Vincent Price, foi seu último filme de longa-metragem lançado. Nos anos de 1940 ele fez uma adaptação para uma peça de William Saroyan e depois Hello-out there!, que não conseguiu lançar. Após essa experiência, nunca mais dirigiu para o cinema.

 

Irene Dunne e Allan Jones em "Magnólia - O Barco das Ilusões" (1936). Musical de sucesso


Ele morou com o produtor David Lewis quando sob efeito da depressão, se suicidou em sua casa na Califórnia, ao se afogar na piscina, em 29 de maio de 1957, com 67 anos de idade.

Whale é mencionado na novela  Father of Frankenstein de Christopher Bram que foi adaptada para o filme Deuses e Monstros (1998) de Bil Condon . Este filme, que venceu o Oscar de melhor roteiro adaptado, teve Ian McKellen interpretando o cineasta. Biografias de Whale foram escritas por Mark Gatiss (James Whale: A Biography ou James Whale: the Would-Be Gentleman) e James Curtis (James Whale: A New World of Gods and Monsters).

 

John Emery e Richard Cromwell em "The Road Back" (1937). Filme que demarcou o início do declínio de Whale


No filme, Whale é mostrado como abertamente homossexual, além de destacar seu trabalho como pintor amador, sua saúde e estado mental debilitados, além da sua condição emocional.

Embora tivesse uma piscina, Whale não sabia nadar e tinha pavor de água. Seu corpo foi cremado a seu pedido e suas cinzas foram enterradas na cidade de Glendale, California. Uma nota de suicídio ficou na posse de David Lewis por muitas décadas, até pouco antes de sua própria morte em 1987, o que fez suspeitar até então que a morte de Whale tinha sido um afogamento acidental:

 

Brian Aherne e Olivia de Havilland em "O Grande Garrick" (1937). único filme que fêz na Warner Bros. Fracasso, apesar da produção caprichada


“Para todos que eu amo,

Não chorem por mim. Meus nervos estão destruídos e por todo o ano que passou eu estive agonizando dia e noite – exceto quando as pílulas para dormir faziam efeito – e toda paz que eu tenho todo dia é quando estou sob efeito delas.

Eu tive uma vida maravilhosa, mas ela acabou e meus nervos pioraram e eu tenho medo de que irão me levar embora. Por favor, me perdoem todos aqueles que eu amo e que Deus possa me perdoar também. Mas eu não posso suportar a agonia e é melhor para todos esse caminho.

O futuro é apenas velhice, doença e dor. Adeus e obrigado a todos pelo seu amor. Eu preciso ter paz e esta é a única maneira.

Jimmy”

 

"Deuses e Monstros" (1998) de Bil Condon. Ian McKellen e Brendan Fraser numa relação de amizade similar à de "O Carteiro e o Poeta"(1994) de Michael Radford


Uma estátua em sua homenagem foi erigida em 2002 na cidade natal de Dudley. A obra reproduz um rolo de filme com o rosto de Frankenstein, sua realização mais famosa. 

 

Ian McKellen ficou bem parecido com Whale na sua fase final


Em 2012 foi realizada uma exposição de arte no museu de sua cidade natal chamada Horror em Hollywood: A História de James Whale. Assim como cartuns, pinturas e ilustrações inéditos, que inclui um modelo gráfico da cena com a qual Whale estará sempre mais associada - O Monstro de Boris Karloff sendo operado por Henry Frankenstein (Colin Clive) do filme de 1931, Frankenstein.

 

Cena de "Deuses e Monstros" reconstituindo as filmagens de "A Noiva de Frankenstein"


O breve trabalho de James Whale no cinema foi suficiente para deixar um legado de grande valor para o público, fazendo justiça ao homem que trouxe o icônico monstro de Mary Shelley para a sétima arte, mudando a face do cinema de horror para sempre.

 

James Whale: O distinto gentleman do horror



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