sábado, 31 de outubro de 2020

Aprisionado pela própria capa - In Memorian: Bela Lugosi



Elegante, charmoso & letal
 
por Alexandre César 
(Originalmente postado em 16/ 11/ 2018) 


por gerações, o arquétipo do mais famoso vampiro

#HorrorDaUniversal

    Do início da década de 30 até a primeira metade do século XX sempre que se pensava no sinistro Conde Drácula, criação imortal (afinal, ele é um vampiro...) do escritor Bram Stoker, sempre nos vinha à mente a figura elegante, severa de olhar intenso e a voz poderosa do húngaro Bela Lugosi. 

Ainda na Hungria, interpretando Jesus Cristo

 



Nascido Béla Ferenc Dezsõ Blaskó, Béla Lugosi, (⭐Lugoj, 20 de Outubro de 1882 — ✝ Los Angeles, 16 de Agosto de 1956) nasceu no então Império Austro-Húngaro, na região do Banat, a apenas cerca de cinquenta quilômetros de distância da fronteira ocidental da Transilvânia e do Castelo Poenari, a lendária casa de Vlad, o Empalador, o Drácula histórico no qual Stocker baseou seu personagem. Aquele que Lugosi iria retratar com grande sucesso, no palco e na tela. 

No cinema mudo alemão, por volta de 1918...


 Sendo o mais jovem dos quatro irmãos, Bela Lugosi era uma criança temperamental e rebelde: "Eu era muito rebelde quando menino, muito fora de controle", admitiria mais tarde. "Era assim como Jekyll e Hyde, exceto que eu mudava a atitude de acordo com o sexo. Quer dizer, com os meninos eu era duro e brutal. Mas no momento em que entrei para a sociedade, convivendo também com meninas e mulheres, beijava suas mãos em sinal de delicadeza” .
O jovem Bela frequentou a escola secundária local em Lugos. No entanto, odiava a disciplina rigorosa e a formalidade do chamado Gymnnasium, o correspondente ao ensino secundário nos países germânicos, e, em 1897, fugiu de casa e da escola. Trabalhou nas minas e também como assistente de um maquinista em 1898.
Já como "Drácula" no teatro (por volta de 1927), onde fez fama e levou mulheres ao delírio

Na adolescência começou a atuar em pequenas companhias teatrais. Após ser liberado do serviço militar (uma versão dos fatos diz que ele conseguiu evitar o serviço se passando por louco), fez sua estreia nos palcos no final da adolescência, em 1900. Acabou indo parar no cinema mudo húngaro, atuando com o nome artístico de Arisztid Olt. Interpretava de tudo: de personagens de obras de Shakespeare a Jesus Cristo. Mais tarde faria parte do Teatro Nacional da Hungria.
Em 1917, Bela fez seu primeiro filme, Nászdal, de Alfréd Deésy, ainda com seu nome verdadeiro, e apareceu em vários filmes ao longo de dois anos. Porém, teve que interromper suas atividades no cinema graças à Primeira Guerra Mundial. Apesar dos atores serem dispensados do serviço militar, por patriotismo Bela foi lutar em 1914. Foi ferido em batalha e passou a sofrer por toda a vida de Ciatalgia (dor na perna causada pela compressão do nervo ciático). Há histórias de que ele tenha sido ferido três vezes na guerra, o que causou sua futura dependência em morfina para aliviar as dores que sentiu pelo resto da vida.
Foto promocional de "Drácula" (1931). Elegância, volúpia e magnetismo.

Bela teve uma trajetória conturbada. Em sequência fez cerca de 12 filmes, casou-se pela primeira de cinco vezes e saiu da Hungria por conta das suas opiniões políticas. Depois ele precisou deixar seu pais por ter defendido os opositores daqueles que chegaram ao poder no país estabelecendo a República Soviética Húngara. Se refugiou na Alemanha, onde trabalhou em vários filmes , como The Head of Janus (1920, de F.W. Murnau), uma adaptação cinematográfica - da qual não restou nenhuma cópia - da mais conhecida obra de Robert Louis Stevenson, o livro O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Depois de uma breve parada na Itália, emigrou para os Estados Unidos, chegando em Nova Orleans em 4 de dezembro de 1920.

 "A Marca do Vampiro" (1935) de Todd Browning: Um Drácula genérico


No novo país, Bela participou do teatro na comunidade húngaro-americana. O público americano viu pela primeira vez Bela Lugosi (seu novo nome artístico era um tributo à sua terra natal) como um agente inimigo no suspense The Silent Command (1923, de J. Gordon Edwards) e em The Girl Midnight (1925, de Wilfred Noy). 
Como o "Homem da Lei" de "A Ilha das Almas Selvagens" (1932), inspirado na obra de H. G. Wells
 Após algum tempo, o ator ganhou a oportunidade de interpretar Drácula numa adaptação teatral escrita por John Balderston. Ainda incapaz de se comunicar em inglês, Lugosi decorou suas falas foneticamente. Posteriormente usou a mesma técnica para a versão cinematográfica da história. Depois de um semestre em exibição na BroadwayDrácula viajou pelos Estados Unidos com muita celebração e elogios da crítica nos anos de 1928 e 1929. O Drácula de Lugosi foi diferente de quaisquer representações anteriores do papel. 
"O Monstro Humano" (1939), já na fase de Filmes B

Bonito, misterioso e sedutor, o seu Drácula foi ao mesmo tempo sexy e assombroso, engasgando as audiências (as femininas em particular) quando ele abria a boca pela primeira vez na peça para falar. Sua interpretação única e assustadora lhe abriu as portas para seu estrelato no cinema. O diretor Tod Browing o chamou para interpretar o vampiro em sua versão cinematográfica em 1931. A primeira escolha seria o ator Lon Chaney Sr., mas ele morrera repentinamente no ano anterior. Este papel lhe deu estrelato, ao mesmo tempo que o marcou como "um ator de um só papel".  
White Zombie (1932): um dos filmes independentes de terror, fora da Universal
 Bela fez vários outros filmes de horror, como também de outros gêneros. Dentre os de horror, merecem destaque Os Assassinos da Rua Morgue (1932, de Robert Florey e Edward Sutherland), White Zombie (1932, de Victor e Edward Halperin), A Ilha das Almas Selvagens (1932, de Erle C. Kanton), Torre de Babel (1933, de Edward Sutherland), O Corvo (1934, de Lew Landers), A Marca do Vampiro (1935) de Tod Browning, A Filha de Drácula (1936, de Lambert Hillyer), dentre outros. Porém, o ator não conseguiu estabilidade no cinema, pois a Universal Pictures, a maior produtora do gênero, mudou sua gerência em 1936. Por causa do banimento dos filmes de horror no Reino Unido, a demanda nos EUA para o gênero foi drasticamente reduzida, fazendo Lugosi ter sua carreira marcada apenas pelo seu trabalho em filmes B, interpretando monstros, assassinos e cientistas loucos.
"Estou definitivamente condenado a ser um expoente do mal", disse ele certa vez.  
Ao lado de Greta Garbo como um comissário soviético em "Ninotchka" (1939), de Ernest Lubitsch


Infelizmente esse tipo de trabalho raramente é notado pela Academia. Mesmo atuando em filmes independentes, teve de pedir dinheiro emprestado após o nascimento de seu único filho, Bela George Lugosi, em 1938. Já encontrava-se em estágio de dependência de drogas por causa das dores da ciatalgia.  
Como o corcunda Ygor, que interpretou em "O Filho de Frankenstein" (1939) e "A Alma de Frankenstein" (1942).
 Ainda conseguiu papéis bons, como em O Filho de Frankenstein (1939, de Rowland V. Lee) e A Alma de Frankenstein (1942, de Erle C. Kenton), filmes em que personificou o ajudante corcunda Ygor. Outros destaques foram o seu papel como a gigantesca criatura revivida pelo cientista em Frankenstein Encontra o Lobisomem (1943, de Roy William Neil) e em The Corpse Vanishes (1942, de Wallace Fox). Com o declínio dos filmes de terror no final da década de 40, quando os monstros clássicos da Universal protagonizavam filmes em que se enfrentavam, Lugosi interpretou pela última vez o vampiro que o notabilizou no filme Abbott e Costello encontram Frankenstein (1948, de Charles Barton) é considerado o final deste ciclo dos filmes de terror da Universal - apesar deste ter tido uma sobrevida na década seguinte com os filmes do Monstro da Lagoa Negra. Após isto, Bela ficou desempregado.
"Frankenstein Encontra o Lobisomem" (1943). Aqui ele faz o monstro, papel que havia desdenhado no passado

O ator foi redescoberto pelo diretor Ed Wood, que o convenceu a fazer alguns filmes com ele. Em condições quase amadoras, trabalhou como narrador do filme Glen ou Glenda (1953) e como o Dr. Eric Vornoff, um cientista louco numa paródia de Victor Frankenstein, em A Noiva do Monstro (1955).Wood arcou com vários custos de internação de Lugosi, que estava consumido pelo vício em morfina. Muito querido pela equipe, o valor arrecado na première do filme foi usado para pagar suas despesas hospitalares (Frank Sinatra também o teria ajudado nessa fase).
Lugosi & Karloff: rivais cordiais, mas não inimigos
No mesmo ano, casou-se pela quinta vez com Hope Lininger, uma fã de sua carreira que lhe escrevia cartas enquanto ele se recuperava no hospital. Pouco depois faria o seu último filme completo A Torre dos Monstros (1956, de Reginald Le Borg). Apesar da empolgação inicial por ter sido novamente lembrado para atuar num longa-metragem, decepcionou-se ao saber que seu papel não teria falas.
Em 1955, começou a trabalhar em um novo projeto de Wood - The Goul Goes West. Filmou somente por uma semana, na qual o diretor gravou poucas cenas - nas quais usava a famosa capa de Drácula. Não havia roteiro definido e todas as filmagens foram em frente ao seu apartamento. Estas gravações acabaram sendo usadas em Plan 9 from Outer Space (1957), considerado o pior filme de todos os tempos (ou a maior representante do cinema trash, dependendo de quem vem a opinião). As cenas adicionais de seu personagem em Plan 9 from Outer Space foram realizadas com um ator mais alto e magro que Lugosi, que não mostrava o rosto nas cenas, escondendo-o com a capa.
Lugosi faleceu durante o sono no dia 16 de agosto de 1956, aos 73 anos de idade, em seu pequeno apartamento em Los Angeles, Califórnia. Sua passagem se deu devido a um ataque cardíaco provocado pelo uso durante anos de medicamentos e morfina.

Internado por dependência química.


Para homenageá-lo, Lugosi foi sepultado com o traje de Drácula a pedido do seu filho, Bela Lugosi Jr., e da sua quarta esposa. O funeral foi pago anonimamente por Frank Sinatra e teve convidados notáveis, como os colegas Vincent Price e Peter Lorre.
Há uma famosa história que diz que Peter Lorre, ao observar o corpo do amigo vestido de Drácula, perguntou quando iriam colocar a estaca em seu coração. Não se sabe se é história ou lenda. Contrariando a crença popular, Lugosi nunca teria pedido para ser sepultado com o traje.
Lugosi Jr. tornou-se notório advogado. Ficou famoso em um processo defendendo sua família contra a Universal Pictures para tivessem os “direitos de personalidade” do pai, Venceu em primeira instância, mas perdeu na apelação por decisão da Suprema Corte da Califórnia. 
Cena póstumamente reciclada em "Plan 9 from Outer Space "

Essa disputa judicial foi a responsável pela criação do California Celebrities Right Act, lei que passou a garantir que esses direitos fossem repassados a família como herança por 70 anos após a morte de determinado artista, sendo decidido em 2007 que essa lei retroagiria para os herdeiros de todos os artistas mortos a partir de janeiro de 1938. Bela Lugosi Jr, aliás, nunca perdoou Wood por achar que ele explorava seu pai.

Martin Landau na sua performance mesmerizante (e premiada) de Lugosi em "Ed Wood" (1994)
 
Bela Lugosi foi interpretado no cinema por Martin Landau no filme Ed Wood (1994, de Tim Burton), que mostra a relação do diretor com o ator. Landau acabou ganhando no ano seguinte o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por esta interpretação.
Segundo Bela George Lugosi Jr. o filme inventou muitas mentiras sobre seu pai, como as cenas que o mostravam dormindo em caixões e afirmou que ele não falava palavrões, como se vê no filme. Também afirmou que o relacionamento do pai com Boris Karloff não era hostil. Embora não fossem os melhores amigos, sempre foram cordiais um com o outro, e fizeram oito filmes juntos, entre eles O Gato Preto (1934, de Edgar G.Ulmer), O Poder Invisível (1936, de Lambert Hillyer), Sexta-Feira 13 (1940, de Arthur Lubin) e O Túmulo Vazio (1945, de Robert Wise).
 
"Bela Lugosi is dead" "Undead! Undead! Undead! Undead!"

 Bela Lugosi tornou-se uma figura icônica no imaginário pop mundial, ganhando uma Estrela no Hollywood Walk of Fame, e tornando-se objeto de várias citações e homenagens, além de servir de referência para outras criações, das quais destacamos:
Busto no Castelo Vajdahunyad.

 
- Um busto de Lugosi pode ser vist0 hoje em um dos cantos do Castelo Vajdahunyad, em Budapeste.
- O ator foi tema de peça de teatro húngara Lugosi: A sombra do Vampiro.
- A capa que Lugosi usou no filme Drácula, sobrevive ainda hoje na posse da Universal Studios.
Chernabog de "Fantasia" (1940) e Lugosi: similaridades no DNA
 - Ele foi contratado para servir de dublê para as poses do demônio Chernabog na sequência da sombria canção Uma Noite no Monte Calvo (de Modest Mussorgsky) em Fantasia (1940), o clássico longa metragem de animação da Disney. Mais tarde o artista Bill Tytla diria que a filmagem de Lugosi não foi considerada boa e que eles acabaram utilizando outra pessoa como modelo. Só que olhando o monstro com asas de morcego na tela, percebemos que Bela definitivamente teve alguma influência no produto final.
- Em 1963, Andy Warhol fez uma pintura de telas de seda com imagens de Lugosi de um filme de Drácula. A pintura - retratada a partir da cena que estampa o topo desta nota - está na coleção do Museu Boijmans van Beuningen, tendo sido vendida por 800 mil dólares. 
"A Sombra Destemida" (1939): Filme trash adaptado como episódio de série de TV
- Três projetos cinematográficos com a presença de Lugosi foram destaque na comédia televisiva Mystery Science Theater 3000, em 1989. Os episódios procuravam apresentar filmes trash antigos de terros e ficção científica. Os filmes que apresentavam Lugosi no programa foram: The Corpse Vanishes (1942, de Wallace Fox), A Sombra Destemida (1939, de Ford Beebe) e A Noiva do Monstro (1955, de Ed Wood).
- A banda inglesa de rock Bauhaus lançou em 1979 seu primeiro single intitulado Bela Lugosi's Dead. É considerado por muitos o primeiro registro do rock gótico e acabou se tornado mais conhecida após a banda cantá-la na sequência de abertura do filme Fome de Viver (1983, de Tony Scott), estrelado por Catharine DeneuveDavid Bowie e Susan Sarandon. 
Galeria numismática.


- Em 1997, o Serviço Postal dos Estados Unidos lançou uma série de cinco monstros clássicos da Universal em selos postais. Os outros astros homenageados foram Lon Chaney (O Fantasma da Ópera), Lon Chaney Jr. (O Lobisomem), e Boris Karloff (Frankenstein e A Múmia). Lugosi apareceu caracterizado como o eterno Drácula.

Ao final podemos dizer que, postumamente, Lugosi alcançou a imortalidade, o que é nada mau para alguém considerado um “ator de um papel só"... 

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