sábado, 31 de outubro de 2020

O Homem das Mil Faces - In Memorian: Lon Chaney Sr.

Transmorfo da aurora do cinema

por Alexandre César 
(Originalmente postado em 04/ 11/ 2018) 


  Um dos maiores (se não o maior) pioneiros da caracterização cinematográfica

#HorrorDaUniversal

"O Homem das Mil Faces", como era chamado Lon Chaney


 


O Cinema de Horror da Universal, chamado por alguns de “Cinema de Sangue”, herdou a sua estética do Expressionismo Alemão, movimento surgido ainda do período do cinema mudo. Era uma época pioneira em se aprendia a fazer cinema no processo de filmagem, descobrindo na marra o que funcionava ou não nas telas. Neste período fervilhante uma lenda se fez presente e até hoje é uma referência, embora boa parte de seu legado tenha se perdido na passagem do tempo. Seu nome é Lon Chaney, chamado por muitos de O Homem das Mil Faces.Como o lançador de faca Alonzo em O Monstro do Circo (1927).

Como o lançador de faca Alonzo em "O Monstro do Circo" (1927)

 Nascido Leonidas Frank Chaney, (⭐Colorado Springs, 1 de abril de 1883 - ✝Hollywood, 26 de agosto de 1930), Lon foi um ator norte-americano, cujos pais eram surdos e, tanto ele quanto os irmãos, desde cedo aprenderam a se comunicar também na linguagem dos sinais. Seus avós criaram a primeira escola de surdos do Colorado (Colorado School for the Education of Mutes) em 1874. Com toda essa experiência ele desenvolveu uma capacidade de percepção e sensibilidade que o ajudariam profundamente no futuro.
Em 1902, aos 19 anos, Lon Chaney estreava nos palcos. E foi lá que ele desenvolveu e aprendeu a maioria dos segredos e truques que levaria para as telas. No ano de 1904 colocou seu show na estrada em apresentações de vaudeville. Foi nesse período que conheceu a jovem Cleva Creighton, de 15 anos. Com sua belíssima voz, ela se apresentava como a garota com voz dourada e passou num teste para integrar a Companhia de Chaney, com quem se casou, quando ela, aos 16 anos, estava prestes a dar à luz ao único filho do casal, Creighton Tull Chaney, que posteriormente seria conhecido como Lon Chaney Jr. A paixão, porém, esvaneceu com tantas brigas. A maior delas ocorreu em 30 de abril de 1913. Na ocasião Cleva tomou um frasco de veneno enquanto seu marido se apresentava em um show. Não conseguiu se matar, mas as consequências foram fatais, já que o veneno danificou suas cordas vocais e ela não conseguiu mais cantar. O casamento também findara por ali. Eles se divorciaram e o filho do casal foi recolhido a uma instituição.

Cleva, a mãe de Lon Chaney Jr. Relacionamento tempestuoso.
 Cleva saiu nos jornais por sua tentativa de suicídio e se afastaria definitivamente dos palcos, vivendo o resto da vida de maneira modesta. E enquanto experimentava seu declínio, ela via seu ex-marido subir ao estrelato e passou anos sem conseguir ver seu filho. Chaney se casou com Hazel Hasting, colega do elenco de "Kolb and Dill", em 1915. Pouco se sabe sobre Hazel, exceto que seu casamento com Chaney era sólido. Após o casamento, o novo casal ganhou a custódia de Creighton em 1913. Chaney nunca mais mencionaria o nome da ex-esposa até que, poucos dias depois de sua morte Cleva soube que ele lhe deixou “um bilhete de um dólar para que ela gastasse como quisesse”. Ela gastou o dólar comprando flores e depositando-as sobre o túmulo do ex-marido.

Como o vilão Fagin de "Oliver Twist" (1922) de Frank Lloyd
 Entre os anos de 1912 e 1917, Chaney trabalhou sob contrato para a Universal Studios fazendo papéis variados. Sua habilidade com a maquiagem lhe garantiu muito espaço na altamente competitiva atmosfera da escalação de elenco. Neste período, Chaney tornou-se amigo do casal de diretores Joe De Grasse e Ida May Park, que lhe deram substanciais papéis em seus filmes, e encorajando-o a fazer personagens macabros.
Em 1917 a Universal apresentou o trio Chaney, Dorothy Phillips e William Stowell como o time de The Piper's Price (1917, de Joe De Grasse), o primeiro de uma série sucessiva de filmes bem sucedidos estrelados por eles, em que os homens se alternavam no papel de amante, vilão, ou marido da bela Phillips. Foram 14 filmes entre 1917 e 1919, a maioria dirigidos ora por De Grasse ora por sua esposa, Ida May. A maioria destes filmes está perdida, mas alguns - incluindo Triumph (1917, de Joe De Grasse) e Paid in Advance (1919, de Allen Hollubar) - sobrevivem em coleções privadas ou não-restauradas em arquivos Europeus ou Russos.

Com Ethel Grey como gangster sem perna de "The Penalty" (1920).

 Ainda em 1917, apesar de um proeminente ator da Universal, o salário de Chaney não refletia o seu status. Quando pediu um aumento para um executivo do estúdio, William Sistrom, este respondeu: "Você nunca será capaz de ganhar mais do que cem dólares por semana." Com isso, o ator decide deixar o contrato de exclusividade com o estúdio e tornar-se freelancer. Inicialmente ganhava cerca de 75 dólares por semana e, além da Universal, fazia filmes também para a MGM e Paramount. Com o tempo e sua fama crescente, seu salário aumentaria para 500 dólares por semana. Foi assim até 1918, quando atuou num papel substancial no filme de William S. Hart Riddle Gawne que o talento de Chaney como ator de tipos começou a ser reconhecido pela indústria.

Houve sequelas após "The Penalty", pois ao amarrar as pernas rompeu vasos sanguíneos.

 Em 1919, Chaney teve uma performance arrasadora como "The Frog" no filme de George Loane Tucker, The Miracle Man. O filme demonstrou não apenas a habilidade de Chaney na atuação, mas também o seu talento como mestre da maquiagem. Sucesso de crítica e de bilheteria, o filme lhe dá o título de maior ator de caracterização da América. Sua fama nesse sentido era tão grande que um jargão comum era dito por todos: “Não pise naquela aranha! Ela pode ser Lon Chaney!
Chaney exibiu grande adaptabilidade com a maquiagem em filmes de crime e de aventuras, como em The Penalty (1920, de Wallace Worsley), onde interpretou um gangster que tem as duas pernas amputadas. O ator apareceu em 10 filmes dirigidos por Tod Browning, frequentemente interpretando personagens disfarçados ou mutilados, incluindo Alonzo, o atirador de facas que não possui braços em O Monstro do Circo (1927), com Joan Crawford. Esta é considerada uma de suas mais impactantes atuações. Outro desses longa-metragens de Browning estrelados por Chaney é Vampiros da Meia Noite (1927), considerado um dos mais lendários filmes perdidos - não sobrou nenhuma de suas cópias, restando apenas fotos da produção. Seu último papel em Trindade Maldita (1930, de Jack Conway), um longa metragem que era um remake sonoro de um clássico filme mudo estrelado pelo próprio chaney, um da dezena de filmes de Borwning que ele estrelou. Este é o único longa metragem em que Chaney utilizou a sua poderosa e versátil voz. O ator assinou um certificado declarando que as cinco vozes chave do filme (o ventriloquista, a velha senhora, o papagaio, o boneco e a garota) eram variações da sua própria voz.
"Vampiros da Meia Noite" (1927), de Tod Browning: caracterização marcante em filme perdido


Uma revolução de um homem só na maquiagem

Como Quasímodo em "O Corcunda de Notre-Dame" (1923) de Wallace Worsley: Nove quilos nas costas nos três meses de filmagens
 A maquiagem nos primeiros anos do cinema era quase sem importância, com a exceção das barbas e bigodes para definir vilões. Muito do que os estúdios de Hollywood sabiam sobre filmes derivaram da experiência com a maquiagem teatral, mas isto nem sempre se transferia satisfatoriamente para a tela grande, especialmente a medida em que a qualidade dos filmes crescia. Assim, os departamentos de maquiagem ainda não estavam estabelecidos na produções cinematográficas na época que Chaney entrou no meio. Tanto que, no início dos anos 20, em geral os atores faziam sua própria maquiagem. Com isso, as habilidades de maquiagem artística de Chaney deram-lhe vantagem competitiva sobre outros atores. Durante a produção de qualquer filme que participava, ele sempre estava acompanhado de sua “maleta mágica”. Nela estavam guardados os artefatos que o poderiam transformá-lo em monstro, pirata, chinês, bandido ou vampiro. 

Chaney e sua maleta mágica: a "mãe" de todos os kits modernos de maquiagem

 Chaney era um pacote completo. Equipes de elenco sabiam que poderiam escalá-lo para qualquer personagem que precisassem. Em alguns filmes esta habilidade lhe permitiu inclusive fazer dois papéis. Um caso extremo foi no filme Fora da Lei (1920, de Tod Browning), em que interpretou um personagem que atira e mata outro, também interpretado por ele. 

Como o chinês Yen Sim em "Shadows" (1922), de Tom Forman
 Como Quasímodo, o tocador de sinos da Catedral de Notre Dame, e Erik, o "fantasma" da Ópera de Paris, Chaney criou dois dos mais grotescos e deformados personagens da história dos filmes. Entretanto, essas caracterizações traziam à tona um grau de simpatia e identificação entre os personagens e os espectadores, não aterrorizando ou causando repulsa pelas monstruosas desfigurações destas vítimas do destino. O estilo dos personagens, sua maquiagem e marcas, foram desenvolvidos exclusivamente por ele mesmo e de forma contínua durante toda a sua carreira.
Num artigo autobiográfico de 1925 para a revista Movie, Chaney escreveu, "Eu queria lembrar às pessoas que os tipos mais humildes e pobres da humanidade carregam dentro de si a capacidade suprema do auto-sacrifício. O aleijado, o mendigo das ruas pode ter os mais nobres ideais. A maioria dos meus papéis desde O Corcunda de Notre-Damecomo em O Fantasma da ÓperaIronia da Sorte(de Victor Sjöström) Trindade Maldita etc., tem carregado o tema do auto-sacrifício ou da renúncia. Estas são as histórias que eu desejo fazer." Chaney refere-se a sua expertise, tanto em maquiagem quanto na contorção do seu corpo para interpretar seus papéis, como extraordinárias caracterizações. Seus talentos estendiam-se além do gênero do terror e maquiagem cênica: também era habilidoso dançarino, cantor e comediante.
Chaney e sua segunda esposa Hazel tiveram uma vida privada discreta longe da cena social Hollywodiana. Ele fez um trabalho promocional mínimo para os seus filmes, adotando propositadamente uma imagem misteriosa, O ator comentou que, intencionalmente, evitava a cena social Hollywodiana.
"O Fantasma da Ópera" (1925) de Rupert Julian. Uma das suas mais marcantes interpretações

Os últimos anos
Nos últimos cinco anos de sua carreira cinematográfica (1925–1930), Chaney trabalhou exclusivamente sob contrato com a Metro-Goldwyn-Mayer, dando algumas de suas atuações mais memoráveis.
Sua performance como um rígido instrutor dos fuzileiros navais em Os Fuzileiros (1926, de George W. Hill), um dos seus filmes favoritos, ganhou o afeto do Corpo de Fuzileiros dos Estados Unidos e fez dele o primeiro membro honorário da corporação oriundo da indústria cinematográfica. Chaney, aliás, ganhou o respeito e a admiração de numerosos aspirantes a ator com quem trabalhou, a quem oferecia assistência. Entre os takes de gravação, sempre dividia suas observações profissionais com outros membros do elenco e com a equipe. Joan Crawford revelou que, durante a filmagem de O Monstro do Circo, aprendeu mais sobre interpretação observando Chaney trabalhar do que com qualquer outra pessoa em sua carreira. "Foi quando", ela disse, "eu comecei a distinguir pela primeira vez a diferença entre posar em frente à câmera e atuar."

Como o atirador de faca de "O Monstro do Circo" (1927), com a jovem Joan Crawford

 Durante a filmagem de O Trovão, de William Nigh, no verão de 1929, Chaney desenvolveu pneumonia. No final daquele ano foi diagnosticado que estava com câncer nos brônquios. A doença, que já existia antes, piorou quando a neve artificial usada nas filmagens, feita de cornflakes, alojou-se em sua garganta durante a filmagem e desenvolveu uma séria infecção. Apesar do tratamento agressivo visando a cura, sua condição gradualmente piorou e, sete semanas depois da realização do remake de Trindade Maldita, ele morreu devido a uma hemorragia na garganta. 
"Trindade Maldita" (1930), de Jack Conway: o último filme e o único falado

Seu funeral foi realizado em 28 de Agosto em Glendale, California. O Corpo de Fuzileiros dos Estados Unidos providenciou um capelão e guarda de honra para o enterro. Durante a condução de seu funeral, todos os estúdios e todos os escritórios da MGM observaram dois minutos de silêncio em sua honra. Chaney foi enterrado no Forest Lawn Memorial Park Cemetery em Glendale, próximo da cripta de seu pai. Sua esposa Hazel foi enterrada lá após a sua morte, em 1933. Por razões desconhecidas, a cripta de Chaney permanece sem identificação.
Num curto espaço de tempo entre 1913 e 1915, ele trabalhou em mais de 164 filmes. Pode ser que esse número tenha sido maior, já que muita coisa da época não foi documentada.
Homenagens

Com Loretta Young em “Ridi, Pagliacci!” (1928), de Herbert Brenon
 Em 1957, Chaney foi o objeto do filme biográfico O Homem de Mil Faces, de Joseph Pevney, no qual foi interpretado por James Cagney. O filme é uma grande ficcionalização, uma vez que, como já foi dito aqui, Chaney era notoriamente recluso e odiava o estilo de vida Hollywoodiano. Ele nunca revelou detalhes pessoais, sobre si mesmo ou sua família.
Chaney foi também objeto do documentário de 2000, Lon Chaney: A Thousand Faces. O filme foi produzido e dirigido pelo historiador do cinema mudo Kevin Brownlow e narrado por Kenneth Branagh. O ator tem uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood. Em 1994, uma caricatura de Chaney feita por Al Hirschfeld foi utilizada num selo comemorativo do Serviço Postal Americano.

Chaney como uma adorável velhinha. Mais um personagem seu em "Trindade Maldita" (1930)
 Em 1929, Lon Chaney construiu uma cabana de pedra na remota zona rural do leste de Sierra Nevada, perto de Big Pine, California, para o seu retiro. A cabana (projetada pelo arquiteto Paul Williams)existe até hoje e é preservada pelo Inyo National Forest Service. Após a sua morte, a sua famosa maleta de maquiagem foi doada para o Los Angeles County Museum por sua viúva, Hazel, sendo ocasionalmente exposta ao público. O teatro onde iniciou sua carreira, no Colorado Springs Civic Auditorium, foi renomeado com o nome do ator.
O escritor Ray Bradbury uma vez disse sobre Chaney: "Ele era alguém que atuava fora das nossas psiquês. De alguma forma penetrava nas sombras dentro de nossos corpos. Conseguia fisgar alguns dos nossos medos mais secretos e colocá-los nas telas. A história de Lon Chaney é a história dos amores não-realizados. Ele mostra que esta parte de você pode não aflorar, porque você teme não ser amado, você teme que nunca seja amado, você teme que que algo em você seja grotesco, e que o mundo lhe vire as costas."
O transmorfo que não era mutante...


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