sábado, 10 de outubro de 2020

Adeus, foi um prazer beber contigo... - Crítica - Séries: Jessica Jones – 3ª Temporada

 


O que te faz herói (e) ou vilão(?)...

 
por Alexandre César
(Originalmente postado em 20/ 11/ 2019 ) 

 Série se despede levantando questões pertinentes


Nas quebradas da vida Erik Gelden (Benjamin Walker) conhece Jessica Jones (Krysten Ritter) e bebe daqui, bebe dali...

 
 
E chegamos ao final da parceria Marvel/ Netflix agora na inesperada (e derradeira) 3ª temporada de Jessica Jones, que junto com Demolidor se tornam as únicas séries da casa das ideias na plataforma que conseguiram completar três temporadas. Um feito e tanto apesar de todos os incidentes de percalço.
 

Trish Walker (Rachael Taylor) e a sua versão dos quadrinhos Hellcat. Há inclusive, uma cena citando o uniforme no segundo episódio


A heroína desbocada, beberrona e adepta do sexo casual nunca foi (embora sua série Alias, escrita por Brian Michael Bendis, fosse aclamada, obtendo um público fiel) dentro da "Casa das Idéias" uma personagem muito famosa, ao contrário de outros personagens do segundo time da editora como seus colegas de microverso urbano Demolidor, Luke Cage, Justiceiro ou até Punho de Ferro sendo de certa forma, em que pese a sua abordagem noir, o corpo estranho do pacote, vencendo muitos desafios fosse nos quadrinhos, fosse na audiência do streaming, chegando ao fim de forma agridoce, seja pela trama seja pelas dificuldades dos bastidores.
 
 

Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss) dá uma oportunidade a Malcolm Ducasse (Eka Darville). O preço módico: Sua alma...

 
 
A pegada de lidar com superpoderes numa escala mais humana, onde seus grandes vilões, ao invés de destruir o mundo, representam o crime em sua forma cotidiana, aquela capaz de afetar de forma direta e visível a vida de cada um de nós, espectadores, foi o que garantiu o sucesso.desta empreitada, agora finalizada uma vez que em breve a Marvel irá produzir conteúdo para o futuro serviço de streaming da Disney, daí a descontinuação desta parceria com a Netflix.
 
 

Malcolm faz o que Jeri lhe manda fazer, evitando olhar a moralidade de seus atos

 
 
Nesta temporada Jessica Jones (Krysten Ritter, cativante como a antipática e pessimista detetive) faz um acerto de contas com o passado, retomando o tema que permeou toda a série, discutindo os diferentes conceitos de moralidade que a protagonista precisa encarar ao longo de suas investigações. Isso porque nas aventuras anteriores o trauma gerado por Killgrave, o Homem-Púrpura (David Tennant) e o drama envolvendo a sua mãe ditavam os rumos da narrativa. Mas agora, o roteiro foca o tempo presente, pois seguindo o desenlace da temporada anterior, Trish Walker (Rachael Taylor, surpreendendo) após matar a mãe biológica de Jessica e descobrir suas habilidades advindas da cirurgia que a colocou em coma, começa a trilhar o caminho que a tornaria a Gata do Inferno (Hellcat no original) dos quadrinhos.

Gregory Sallinger (Jeremy Bob) o vilão da vez odeia visceralmente todo super-humano

 
 
Embora na nona arte ela seja uma heroína que chegou a fazer parte dos Vingadores (da Costa Oeste, e não os originais), no seriado ela está decidida a ser uma vigilante fria e pragmática (abandonando o seu lado “Patsy” de mulher famosa e ex-atriz mirim traumatizada pelo início precoce no show business que aqui ganha a vida num canal de vendas tipo Polishop) que acredita estar fazendo o bem ao matar criminosos que a lei não deteve, algo nos moldes do Justiceiro, entrando aí no debate legal: Quando se trata de supostos heróis que decidem caçar ladrões comuns, a discussão jurídica se torna muito mais complicada. Afinal, os melhores vilões sempre encontram uma razão para justificar as suas ações, e o que os torna vilões é o fato de que essas ações são condenáveis independentemente de qualquer justificativa. Exceto em casos de legítima defesa, é necessário que a Lei condene agressão física; e mesmo em legítima defesa cabe se condenar excessos.
 

Sallinger usa de seu intelecto para de toda forma colocar Jessica na berlinda, forçando-a a decisões difíceis

 
 
Então, com seres superpoderosos vagando pelas ruas, o que diferencia esses heróis de qualquer vilão? Com esse confronto entre irmãs, com Trish, disposta a tomar as decisões que Jessica sempre receou confrontar, estabelecendo as novas dinâmicas em seu relacionamento, e nesse conceito ambíguo de moralidade que reside a maior força da temporada final de Jessica Jones, que acerta em cheio ao retomar o que criou o sucesso da série em sua estreia. Não há combates grandiosos, nem cenas de ação frequentes, nem mesmo uma ameaça capaz de colocar centenas de pessoas em risco. Jessica Jones voltou a ser uma série de investigação que discute a moralidade dos vigilantes, o limite da ação policial e a necessidade de confiar na Justiça. E é nessa temporada, mais do que em qualquer outra do microverso Marvel/Netflix, que essas questões ganham maior relevância. A entrada de um personagem como Erik (Benjamin Walker), por exemplo, que é capaz de “sentir” a “maldade” dentro das pessoas, proporciona argumentos interessantes como a definição de moralidade baseando-se em remorso ou consciência. E nunca deixamos de empatizar com a protagonista em sua cansativa jornada para ser uma “heroína” (ainda que ela nunca queira admitir seus esforços).
 
 

O "Lado Patsy": Grace (Jessica Francis Dukes) e Trish vendem quinquilharias na TV. "- LIGUE JÁ!!!"

 
 
Malcolm Ducasse (Eka Darville) cresce na companhia de advocacia de Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss, bela e gélida na medida) embora se ressinta das implicações morais de seu trabalho. Jeri, já sucumbindo aos sintomas iniciais da E.L.A. (Esclerose Lateral Amiotrófica, a síndrome degenerativa de Stephen Hawking) como mostra de sua luta obstinada contra a doença e de ter controle sobre a sua volta, retoma um relacionamento com uma antiga paixão, manipulando tudo e todos relacionados a Kith lyonne (Sarita Choudhury) sem medir consequências, que cobram o seu preço.
 

Dorothy Walker (Rebecca De Mornay): a obstinada e manipuladora mãe de Trish e sua busca do estrelato

 
Embora esta terceira temporada de Jessica Jones seja essencialmente, uma história sobre Trish Walker mostrando o quão importante a sua presença na vida da investigadora (inclusive tendo alguns episódios recontando passagens anteriores sob a perspectiva de Trish) as duas irmãs-agora antagonistas - têm que - mesmo que contra suas vontades - unir forças para enfrentar um novo vilão cruel e ardiloso, retomando brevemente a dinâmica de perseguição apreensiva da primeira temporada.
 

O detetive Eddy Costa (John Ventmiglia) troca informações com Erik para facilitar o seu trabalho e diminuir a ficha dele

 
Gregory Sallinger (Jeremy Bob, assustador) se revela um vilão arrogante e desagradável, sem o charme ou a imposição de Killgrave, mas se destaca como um mix de Moriarty (inimigo de Sherlock Holmes) e Hannibal Lecter, criando obstáculos suficientes para tornar o meio da temporada, bem mais envolvente, tendo em vista seu ódio contra pessoas aprimoradas como elas, o serial killer usa o seu intelecto para tornar um inferno a existência de Jessica, já que as dúvidas dela em relação ao seu papel de heroína serão ampliadas pois tanto Trish (a irmã) quanto Salinger (o vilão) são indivíduos cheios de certeza, que acreditam no propósito de sua missão e justificam suas ações, sendo Trish e Salinger, os dois lados da mesma moeda, opostos apenas pelos fins que almejam, transformando a série na disputa pela alma de Trish, cuja jornada se torna essencial para a discutir o vigilantismo e a necessidade dos sacrifícios que definiriam um “herói”...
 
 

Jeri na tentativa de reconquistar Kith Lyonne (Sarita Choudhury) ao fim descobre que "quem tudo quer..."

 
A fotografia contrastada de Manuel Bille e Petr Hlinomaz, a trilha sonora sombria de Sean Callery, e a narração deprimente da protagonista, se mostram eficazes para manter a atmosfera noir da série consistente e distinguível, revelando o potencial da série para tal qual O Justiceiro ser viável fora das adequações ao estilo do Universo Marvel. Em que pesem as referências ao universo dos comics (o próprio vilão possui uma versão nos quadrinhos), tais elementos estão longe de ser o prato principal da série neste terceiro ano.
 

Dor de Cabeça (literal): Erik ajuda Jessica com o seu poder de sentir "o mal das pessoas"...

 
Por fim, em sua despedida Jessica Jones cresce e amadurece, dando um fim digno à parceria Marvel/Netflix, além de dividir os holofotes com Trish Walker, discutindo os limites entre a responsabilidade dos poderosos e a necessidade de seguir a lei, um tema que ressoa em todos os arcos desenvolvidos nessa personagem que sempre caminhou pelas zonas cinzentas da legalidade, mas é aqui nesta terceira temporada que esta questão ganha o primeiro plano. Em que pesem as barrigas narrativas (os malditos 13 episódios obrigatórios do formato) o elenco brilha construindo relações impactantes e, fazem a temporada extremamente satisfatória, fora as participações vindas de outras séries-irmãs do universo de Os Defensores, que dá a vontade de acompanhar por mais tempo esses personagens além da investigadora particular em sua jornada, mostrando, mais uma vez, que é a melhor no que faz. Nada mal para aquela que poderia ser a “Rê Bordosa*1 da Marvel.
 

Mandando para a "Balsa" *2 : Luke Cage (Mike Coulter) aparece para aconselhar Jessica quanto a necesssidade de deter Trish...

Notas:
 
*1 : Personagem do quadrinista Angeli das revistas underground Chiclete com Banana
 
 
*2 : Prisão especial para criminosos super-poderosos, que aparece nos quadrinhos no desenho animado Os Vingadores: Os Super Heróis mais Poderosos da Terra e também no filme Capitão América: Guerra Civil (2016) dos Irmãos Russo

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