sábado, 31 de outubro de 2020

Entre castelos em despenhadeiros e árvores retorcidas - Recordando: O Horror da Universal

 


O reinado do gótico tenebrista

por Alexandre César 
(Originalmente postado em 31/ 10/ 2018) 


Refletindo as inseguranças do período entre guerras e da depressão, o gênero marcou gerações

#HorrorDaUniversal

"O Gabinete do Dr. Caligari" (1920) de Robert Wiene. Exemplo do Expressionismo Alemão


Filho do gênero cinematográfico que criou um estado de espírito de temor quanto ao amanhã e conhecido como Expressionismo Alemão (de onde importou artistas e técnicos ao término da Primeira Guerra Mundial), o chamado Cinema de Horror da Universal (também chamado por alguns de “Cinema de Sangue”) na verdade tem seu precursor ainda no cinema mudo com O Fantasma da Ópera (1925), filme com uma confraria de atores e diretores (Rupert Julian, Edward Sedegwick e Ernerst Laemmle) e lançou ao estrelato Lon Chaney Sr., que se tornou conhecido como o “Homem das Mil Faces”


Lon Chaney Sr. em "O Corcunda de Notre-Dame" e "O Fantasma da Ópera": pioneiro na caracterização


Filho de pais surdos-mudos, o que fez dele um ator versátil tanto na interpretação quanto na caracterização, Chaney cuidava da própria maquiagem. Usava para isto materiais básicos e inéditos, como a pele de peixe que usou para fazer a pele deformada do Fantasma da Ópera (imagine o cheiro...). O protagonista do filme é considerado o Primeiro Monstro da Universal Studios, produtora de cinema que financiou e distribuiu o longa-metragem. Antes, Chaney já havia mostrado o seu talento em outro filme da Universal: O Corcunda de Notre Dame (1923, de Wallace Worsley). 



Lon Chaney Sr.: O "Homem das Mil Faces" e a sua lendária maleta de utilidades


Rick Baker, o lendário maquiador premiado com o , o lendário maquiador premiado com o Oscar por Um Lobisomem Americano em Londres (1981) e em (1981) e em Ed Wood (1994), observa que a maleta de maquiagem de Channey foi a ancestral dos modernos kits de caracterização, usados por todos os maquiadores atuais.



Lon Chaney Sr. usou uma corcunda de gesso, pesando 25 kg. nas costas, para ser convincente como Quasímodo

 

Aqueles filmes estrelados por Chaney, de orçamento modesto e boa recepção de bilheteria, eram produzidos por Carl Laemmle, que posteriormente colocaria seu filho Carl Laemmle Jr. à frente da chefia da Universal Studios.

A grande depressão (1929-1940) destruiu grande parte da economia americana e global, criando legiões errantes de pobres desempregados desesperados. Apesar de ter arrasado a maioria das indústrias, o mercado cinematográfico sofreu menos, apesar de severas medidas de austeridade nas produções. Na época, a fantasia escapista atraía as massas, ajudando a suportar as dificuldades da vida dura. Eram musicais, faroestes, comédias românticas e aventuras de mil e uma noites e de capa-e-espada.

Lon Chaney Sr. em "Vampiros da Meia-Noite" (1927): filme que se perdeu, restando hoje em dia apenas algumas imagens


Carl Jr. intuiu que, se todos procuravam algo alegre para ter ânimo e enfrentar a dura realidade, porque não mostrar algo assustador para que todos possam ter que vivenciar no cinema uma experiência catártica de medo, vendo que a vida é dura mas não impossível de se encarar? Raciocínio ousado, mas que acreditava ser o certo, calcado no sucesso passado de O Fantasma da Ópera e de Vampiros da Meia-Noite (1927, de Tod Browning) - um filme da rival Metro-Goldwyn-Mayer também estrelado por Chaney - e pelO grande sucesso da Broadway da peça Drácula, de Hamilton Deane e John L. Balderston, baseada no romance original de Bram Stoker e com Bela Lugosi como protagonista.


Bela Lugosi em "Drácula" (1931): O conde-vampiro definitivo


Coube ao mesmo húngaro Bela Lugosi vestir a capa do conde vampiro no filme Drácula de 1931 que Carl Jr. produziu e foi dirigido por Tod Browning. Com isso, ele repetiu e ampliou o sucesso que já vivenciara por dois anos seguidos nos palcos. Um dos pontos altos do filme foi o trabalho do diretor de fotografia Karl Freund, que, lembrando de seus tempos em que trabalhou na produção de Metrópolis (1927, de Fritz Lang) e de outros clássicos do expressionismo alemão, usou iluminação baixa e contrastes fortes, aumentando a tensão das cenas e instituindo a estética dos filmes de horror posteriores. Esta técnica lembrava o Tenebrismo: velha escola de pintura que se caracterizava por obras em que a maior parte da cena retratada no quadro ficava na penumbra, sendo o elemento ou personagem central o mais iluminado. o pintor renascentista italiano Caravaggio foi um dos seus maiores expoentes. 

 

"São Jerônimo Escrevendo" (1606), de Caravaggio. Exemplo de Tenebrismo

Paralelo ao filme de Browning, que foi filmado de dia, a Universal filmou também uma versão em espanhol durante à noite, com os mesmos sets e figurinos, dirigida por George Melford. Está versão contou com Carlos Villarias (Conde Drácula) e Lupita Tovar (Eva Seward), pois era prática comum na época do cinema norte-americano de se produzir uma versão para o mercado interno e outra para o mercado exterior (espanhol, francês, alemão ou italiano).  

 


Drácula (Carlos Vilarias) e Eva Seward ( Lupita Tovar): versão em espanhol



Esta versão é mais longa (105 min.) do que a versão em inglês (75 min.) e tecnicamente superior, com travelings de câmera incríveis e uma narrativa mais dinâmica, mas não compensava a caracterização magnética e icônica de Lugosi. Ela ofuscou qualquer concorrência por um bom tempo, mas infelizmente acabou engessando-o com a fama de ser um "ator de um papel só", o que o levou nos anos vindouros a um triste fim, esquecido e na pobreza - veja o filme Ed Wood (1994, de Tim Burton), com Martin Landau genial como Lugosi, em atuação premiada com o Oscar de melhor ator coadjuvante além da maquiagem do mesmo por Rick Baker (também premiada).


A Direção de arte e a fotografia de "Drácula" (1931) criaram imagens que são, até hoje, referências iconográficas para muitas mídias



Drácula foi um sucesso absoluto, com filas dobrando as ruas para assistir o filme. Em algumas sessões haviam “médicos” e “enfermeiras” para assistir às pessoas que passassem mal nas salas durante a exibição, como as “jovens” que desmaiavam aterrorizadas - puro golpe publicitário do estúdio com atores encenando estes eventos e o público acreditando que era real. Isso era uma prática comum na época que ampliou a repercussão, criando um boca-a-boca que ajudou a consagrar o filme, abrindo as portas do estúdio para outros monstros. E pensar que, anos antes, a rival Paramount cogitou adaptar o romance do vampiro de Stoker para o cinema, mas descartou a ideia por considerá-la “maluquice de europeu”...

"Frankenstein" (1931) o início da parceria Karloff / Whale


Frankenstein, também de 1931 foi o filme seguinte do gênero produzido pela Universal. Baseado no clássico romance de Mary Shelley, o filme teve primeiramente seu papel principal oferecido a Lugosi, mas este recusou porque o personagem não tinha falas e o ator era muito vaidoso em relação a sua poderosa voz. Além disso, a maquiagem que teria de submeter o deixaria irreconhecível - algo inaceitável para ele. O roteiro foi reescrito e produção passou a contar com duas figuras vindas da Inglaterra que se tornariam ícones do gênero: o diretor James Whale e o até então desconhecido Boris Karloff.

 

O até então desconhecido Boris Karloff, e o início de sua caracterização como o monstro de Frankenstein



Karloff também seria associado por toda a vida a sua performance do monstro construído pelo cientista que ousa criar a vida, mas, felizmente para ele, isto não lhe fechou as portas, como aconteceu com Lugosi. Egresso do teatro europeu, Whale tinha uma narrativa mais dinâmica e moderna que se mesclava bem com a fotografia de Freund e, para dar forma a uma criatura única, tinha como aliado um mestre único.


Boris Karloff encarnado a mais icônica versão da criatura de Frankenstein: por mais que as mais recentes versões tentem fazer diferente, não se consegue esquecer de Karloff e da caracterização de Jack Pierce


O processo de caracterização de Karloff, elaborado pelo talentoso mestre da maquiagem Jack P. Pierce, além de dar ao ator mais 45 centímetros de altura, levava quase seis horas (ou mais) para ser aplicada, levando o ator a não retirá-la de um dia para o outro. Ele dormia em posição difícil para não danificar a maquiagem e usá-la novamente na filmagem do dia seguinte após pequenos ajustes. Mas o esforço valeu a pena, pois até hoje a primeira imagem que nos vem à cabeça quando ouvimos a palavra "Frankenstein" é a da cabeça quadrada de Karloff com os eletrodos no pescoço e seus olhos mortiços e, ao mesmo tempo, cheios de energia. 

 

Karloff e Lugosi em "O Gato Negro" (1934) de Edgar G. Ulmer: rivais nas telas e, dizem, na vida também


Ao contrário do conde vampiro,com seu ar blazé e altivo, nós nos identificamos com o incompreendido monstro e lamentamos o seu destino. Sua trajetória, anos mais tarde, serviria como uma das inspirações do roteirista Stan Lee para criar o Incrível Hulk nos quadrinhos da Marvel, em parceria com o ilustrador Jack Kirby

 

O maquiador Jack Pierce (aqui caracterizando Lon Chaney Jr.): nove entre dez monstros da Universal passaram por ele



Já em 1932, Laemmle Jr. lançou Os Assassinatos da Rua Morgue, dirigido por Robert Florey & Edward Sutherland - baseado no conto de Edgar Allan Poe e estrelado por Bela Lugosi, e A Casa Sinistra, com James Whale na direção e novamente estrelado por Boris Karloff. Este também protagonizaria, em 1933, A Múmia, outro clássico da Universal, dirigido pelo já citado Karl Freund.

A ´múmia vivida por Boris Karloff: mais um primoroso trabalho de caracterização de Jack Pierce



A Múmia foi inspirado nas escavações do Vale dos Reis pelo arqueólogo Howard Carter, na qual ele descobriu a tumba do Faraó Tutancâmon em 1922. Neste filme, Pierce novamente mostrava a sua maestria na caracterização de personagens icônicos. O longa metragem seria “refilmado” em 1999 por Stephen Sommers, (que faria também Van Helsing em 2003) com Brendan Fraser e Rachel Weisz como protagonistas e com Arnold Vooslo como o sacerdote egípcio, numa produção nos moldes dos clássicos filmes produzidos por George Lucas e Steven Spielberg estrelados por Indiana Jones. Esta nova versão do Horror da Universal - mais puxado para a comédia - ganhou duas continuações. 
 

Kenneth Strickfaden seria recrutado por Mel Brooks para a cenografia de "O Jovem Frankenstein" (1974)


Voltando ao filme Frankenstein, a direção de arte era tão impecável quanto em Drácula. Esta, somada à visão de Whale, criou imagens até hoje icônicas, como os equipamentos do laboratório, criados por Kenneth Strickfaden (para sempre referência quando se pensa em “Equipamentos de laboratório de Cientista Louco”). Esta é, juntamente com o visual do monstro, as maiores contribuições à narrativa, já que o livro de Mary Sheley é extremamente vago ao descrever a criatura e o equipamento que o Dr. Frankenstein usou para “criar vida”.

 
 

As influências do Expressionismo Alemão são óbvias


As cidades cenográficas retratando “algum lugar da Europa Central”, bem como os castelos no alto de penhascos, as florestas de galhos retorcidos e a névoa noturna, surgiram nestes filmes e são elementos consagrados da iconografia do cinema de horror. 

 

Boris Karloff como Fu Manchu: estereótipo do "Oriental Sinistro"


A esta altura, a concorrência já percebera o potencial dos filmes de horror e, no ano de 1932, a MGM produz A Máscara de Fu Manchu, de Charles Brabin, com o nosso conhecido Boris Karloff atuando como o terrível vilão dos romances pulps de Sax Rhomer e também lançou o polêmico e hoje cultuado Monstros, de Tod Browning. Enquanto isso, a Paramount lançou O Médico e o Monstro, com Frederich Marsh e dirigido por Rouben Mamoulian, baseado no livro de Robert Louis Stevenson. E a Warner lançou lançou Dr. X, de Michael Curtiz e estrelado por Lionel Atwill.

 

Claude Rains e Glória "Titanic" Stuart em "O Homem Invisível" (1933). Você o viu?


No ano de 1933, Laemmle Jr. lançaria O Homem Invisível, baseado na obra de ficção científica de H.G.Wells, que por incrível que pareça, é o personagem mais sanguinário do ciclo (no quesito contagem de corpos, sejam os vistos em cena, sejam os citados, ele é responsável por 122 mortes). Dirigido por James Whale, o filme conta com Claude Rains e Glória Stuart (mais lembrada por ser a velhinha que narra os acontecimentos em Titanic, de 1997, dirigido por James Cameron) e tem a contribuição do mestre de efeitos especiais John P. Fulton criando cenas marcantes. Mas, no mesmo ano, mais uma rival - a RKO - lançaria o marco dos efeitos especiais King Kong, de Merian C. Cooper e Ernest D. Schoedsack, criando o maior personagem fruto de efeitos especiais (sem um ator dentro). Ponto para o mestre da técnica do stop motion Willis O´Brien, futuro mentor de um tal de Ray Harryhausen. Mas sobre isso falaremos em uma outra ocasião... 

 

Boris Karloff e Elsa Lanchester em "A Noiva de Frankenstein" (1935): casal disfuncional


Em 1935 James Whale e Karloff retornariam a parceria com A Noiva de Frankenstein, com Elsa Lanchester como a noiva. Após reescrever o roteiro do zero, Whale realizou seu melhor filme, investindo no humor negro e marcando a sua despedida do gênero. É considerada uma das melhores continuações da história do cinema. O filme de Bill Condon, Deuses & Monstros (1999), com Ian Mc Kellen e Brendan Fraser, mostra alguns momentos da criação desse clássico. O sucesso deste segundo filme com Frankenstein e sua criatura, inspirou a Universal em produzir outras sequências, respondendo o que ocorreu a seguir com estes e outros de seus monstros. 

 

Glória Holden em cena com Marguerite Churchill em "A Filha de Drácula" (1936): lesbianismo nos olhares e no tom da interpretação


A Filha de Drácula (1936, de Lambert Hillyer) nos traz Glória Holden como a condessa Marya Zaleska, uma descendente direta do nefasto conde da Transilvânia que, inicialmente, quer livrar-se da maldição do vampirismo. O filme é feito como sequência direta de Drácula, com direito a Edward Van Sloan reprisando o papel do Prof. Van Helsing que fizera no filme original de 1931. Este novo longa metragem não fez sucesso nem de crítica, nem de bilheteria, mas atualmente ele é mais admirado. Foi o primeiro filme a ter como protagonista uma mulher-vampiro e a ter cenas com um teor lésbico implícito.


 

Karloff, Basil Rathbone e Lugosi em "O Filho de Frankenstein " (1939). Fonte de inspiração para Mel Brooks

Em 1939 temos O Filho de Frankenstein, dirigido por Rowland V. Lee e com Basil Rathbone (um dos mais marcantes Sherlock Holmes do cinema) como o Barão Wolf Von Frankenstein, filho do cientista dos filmes anteriores, e Boris Karloff voltando a interpretar o monstro pela última vez. Ainda temos Bela Lugosi como Ygor, o auxiliar corcunda do cientista, e Lionel Atwill como o Inspetor Krogh, que tem um braço mecânico. Caricaturas destes últimos dois personagens aparecem na paródia O Jovem Frankenstein (1974, de Mel Brooks). 

 

Lon Chaney Jr. interpretando a sua versão da múmia


Apesar do filme A Múmia de 1932 ter sido um sucesso, ele não gerou continuações, como ocorreu com outros longa-metragens de monstros da Universal. Neste caso a produtora decidiu fazer um remake em 1940, contando uma história semelhante, mas com algumas diferenças importantes e apresentado outros personagens. Em A Mão da Múmia (de Christy Cabanne) vemos a história de Kharis, uma múmia que também quer restaurar a vida sua amada. Este filme, sim, gerou continuações. Aqui o monstro é interpretado por Tom Tyler, mas nos outros filmes da franquia ele ficou a cargo de Lon Chaney Jr, filho do ator que deu o pontapé inicial do gênero, como visto no início deste texto. A primeira destas sequências é realizada já em 1942: O Túmulo da Múmia, de Harold Young. O argumento deste e do filme anterior foram adaptados por Jimmy Sangster para uma refilmagem da Hammer Film Productions em 1959, dirigido por Terence Fisher. O filme apresenta Christopher Lee como Kharis , Peter Cushing como o arqueólogo John Banning e Yvonne Furneaux como Ananka / Isobel Banning, esposa do arqueólogo.

 

Lon Chaney Jr. em "O Lobisomem" (1941): nova fase no ciclo


O Lobisomem (1941, de George Waggner) com Lon Chaney Jr. e Claude Rains, foi o primeiro Monstro da Universal após a saída de Whale e de Laemmle Jr. do estúdio. Este último se desligou após ter tomado decisões erradas na produção de outros filmes. O filme tem o roteiro de Curt Siodmak, cultuado escritor de terror e ficção científica, e conta com uma pequena participação de Bela Lugosi como o cigano licantropo que morde Laurence Talbot (Chaney Jr.), amaldiçoando-o a se tornar uma besta assassina nas noites de lua cheia. 

 

O panteão de monstros da Universal já contava com quatro ícones


Novamente Pierce usa a sua expertise para criar uma figura icônica, auxilado pela performance de Chaney Jr. que continua o legado do pai em criar tipos torturados. O filme ganharia uma refilmagem bastante fiel em 2010, dirigida por Joe Johnston com Benício Del Toro, Anthony Hopkins e Emily Blunt, com mais uma premiação na maquiagem para Rick Baker

 

Lon Chaney Jr. como "O Filho de Drácula" (1943). Mais um monstro na carreira


O Fantasma de Frankenstein (1942, de Erle C. Kenton) traz Cedric Hardwicke como Ludwig, mais um filho de Frankenstein, que é responsável por reviver a lendária criatura de seu pai mais uma vez. Agora, o monstro é interpretado por Lon Chaney Jr. Seu corpo havia sido resgatado por Ygor, o corcunda (de novo Bela Lugosi) para novas experiências.

No ano de 1943 surge O Filho de Drácula, de Robert Siodmak (irmão de Curt),no qual vemos Lon Chaney Jr. como o Conde Alucard (leia o nome do conde de trás para frente. Este mesmo recurso para “ocultar” a identidade do vampiro foi usado em várias produções posteriores - filmes, desenhos animados, séries...). Aqui, o vampiro se muda para o sul dos Estados Unidos (terra com muitas tradições no ocultismo) e seduz a bela, com uma queda pelo mórbido, Katherine “Kay” Caldwell (Louise Allbritton). Pela primeira vez no cinema vemos um vampiro virar morcego e névoa, graças aos efeitos visuais.

A esta altura está claro a tendência da Universal de querer instaurar uma “árvore genealógica” tanto para Drácula como para Frankenstein, a fim de facilitar sequências. Mas os resultados são mornos. Vale, porém, ressaltar um destaque: com este filme, Lon Chaney Jr. consegue a proeza de ser o ator a interpretar mais monstros da Universal - ele atuou como o Lobisomem, a Múmia, o monstro de Frankesntein e Drácula em diferentes filmes. Papai Chaney deve ter ficado orgulhoso do além ao ver a versatilidade do filho.

 

Claude Rains, como "O Fantasma da Ópera " (1943): Technicolor destoante


Temos, ainda em 1943, um remake de O Fantasma da Ópera, dirigido por Arthur Lubin, com Claude Rains como Erik, o personagem-título. A fotografia em technicolor do longa metragem o deixa deslocado entre os filmes de “Monstro da Universal” - até então todas as produções do estúdio no gênero eram em preto e branco. É o único filme em que vemos uma maquiagem de Pierce à cores. É um filme cujos diálogos bem construídos e a ótima química do elenco ainda rendem divertidos momentos de comédia romântica na disputa entre Garron (Nelson Eddy), o barítono, e o inspetor Raoul (Edgar Barrier) pela atenção da donzela em perigo Christine (Susanna Foster). É um longa metragem que pouco envelheceu em comparação com outros do ciclo.

 

Universo Compartilhado

 

Deste ponto em diante, como fruto da nova gerência do estúdio, começa a era do “universo compartilhado”, hoje tão familiar com as produções da Marvel Studios. Os filmes já haviam gerado continuações, mas, pela primeira vez, os monstros começam a se encontrar nas telas. Com seus personagens de horror, a Universal foi o primeiro estúdio a realizar crossovers entre personagens de filmes distintos que tinham cada qual sua própria franquia. Veio daí o conceito da “Transilvânia, o lugar mais perigoso do mundo. Lá todos são Vampiros, lobisomens, cientistas loucos e monstros, ou estão sob influência deles...” Coisa que ainda persiste no imaginário popular, notadamente relacionado ao humor. 

Esta tendência se inicia com Frankenstein encontra o Lobisomem (1943, de Roy William Neill) com Lon Chaney Jr (nosso conhecido Lawrence Talbot, o lobisomem) e Bela Lugosi (pela primeira vez no papel do monstro de Frankenstein). O filme é tanto uma sequencia dos longa-metragens anteriores do lobisomem como da criatura de Frankenstein, confirmando que fazem parte do mesmo universo cinematográfico. Tudo surgiu em um almoço, a partir de uma brincadeira de Curt Siodmak com o produtor George Waggner. O roteirista afirmou casualmente que já tinha um título para o próximo filme da Universal: "Frankenstein Wolfs The Meat Man" (um trocadilho intraduzível para “Frankenstein Meets The Wolf Man”, o título original do filme). Para sua surpresa, Waggner o chamou mais tarde e lhe disse para tocar aquela ideia em frente.

 

"Frankenstein encontra o Lobisomem" (1943) Lugosi virou o monstro que recusou anteriormente, e enfrentou Chaney Jr.


A história do crossover prossegue em A Casa de Frankenstein (1944, de Erle C. Kenton) com Boris Karloff, desta vez como um cientista que planeja apossar-se do legado de Frankenstein. Além dos dois monstros presentes no filme anterior, temos agora também o Conde Drácula (John Carradine) - o monstro de Frankenstein aqui é interpretado pelo gigante Glenn Strange. Este filme foi o último filme dos monstros da Universal a contar com Boris Karloff em seu elenco. Na proposta original, o filme teria ainda mais monstros - a múmia e dois outros, hoje quase esquecidos: o Abutre Humano (surgido em 1943 no filme O Abutre Humano, de James Hogan) e a mulher-gorila de A Mulher Fera (1943, de Edward Dmytryk). Esta última protagonizou mais dois filmes da Universal e é a provável inspiração para as mulheres-gorila que durante décadas eram facilmente encontradas em pequenos circos e parques de diversões na periferia das grandes cidades e pelo interior do Brasil.


A misteriosa Acquanetta, a mulher que se transforma em gorila em "A Mulher Fera" (1943): inspiradora da nossa "Konga, a Mulher Gorila"


A seguir tivemos mais duas sequências dos filmes da múmia de 1940 e 1942. Em julho de 1944 a Universal lança O Fantasma da Múmia (de Reginald Le Borg), ainda com Lon Chaney Jr. no papel do monstro tentando reencarnar sua amada Ananka (Ramsey Ames); A Praga da Múmia (de Leslie Goodwins) é lançada em dezembro daquele mesmo ano. Na despedida de Chaney Jr do papel de Kharis, ele continua procurando por sua amada Ananka (o pobre enfaixado apaixonado nunca aprende...). A rapidez com que o longa é produzido é facilmente percebida por ele reutilizar sequências inteiras dos filmes anteriores da múmia. A recepção morna do longa metragem é usada como justificativa para a decisão da Universal de interromper a franquia. 

 

John Carradine como o Conde e Martha O´Driscoll em "A Casa de Drácula" (1945)


 

A ideia do universo compartilhado prossegue em 1945, quando foi lançado A Casa de Drácula, onde o perverso conde se faz de arrependido para ganhar novas vítimas. O filme é dirigido por Erle C. Kenton e tem novamente John Carradine no papel do vampiro, Chaney Jr como o lobisomem e Glenn Strange como o monstro de Frankenstein. Apesar do sucesso do filme, o desgaste do formato era evidente.

 

"Abott & Costelo encontram Frankenstein" (1948). Os monstros agora provocavam risadas, não sustos


Em 1948, concluindo a aparição dos monstros nos filmes clássicos da Universal existentes até então - que, de tão explorados, se tornaram figuras mais cômicas do que assustadoras - tivemos Abott & Costelo Encontram Frankenstein (1948, de Charles Barton) com a dupla de comediantes interagindo com Bela Lugosi e Lon Chaney Jr. Aqui, eles mais parecem paródias de seus personagens célebres do que outra coisa. E temos Glenn Strange como o monstro de Frankenstein novamente. Com os atores e a própria produtora rindo de si mesmos, os tempos dos chamados “Monstros da Universal” parecia ter acabado...

 

O Monstro da Lagoa Negra : o Filho Temporão


 

"The Deadly Mantis" (1957) de Nathan Juran. Típico "Filme de Monstro" dos anos 50

 

A partir dos anos 50, com a paranoia da Guerra Fria, o medo da guerra atômica, a corrida espacial e os discos voadores no imaginário coletivo, o foco do cinema popular voltou-se para a ficção científica. Surgem filmes de monstros radioativos, alienígenas, animais gigantes e tudo o que pudesse ser feito com trajes de borracha ameaçadores, mulheres de trajes laminados e foguetes de caixa de cereal. Os novos anseios davam a entender que a antiga fórmula de filmes de monstros parecia relegada a década anterior. Ou será que não??

Encontrado nos confins do Amazonas, o “Homem-Guelra” de O Monstro da Lagoa Negra (1954, de Jack Arnold) surge como o último clássico “Monstro da Universal”: um ser que não era sobrenatural, mas fruto da biologia, o Elo Perdido entre a vida aquática e a terrestre. Solitário, por ser o último da sua espécie, ele apenas procura por uma companheira. Esta busca o leva a cercar uma bela jovem (Julie Adams) na melhor tradição de “a bela e a fera” (para o azar da coitada...).


 

O "Homem-Guelra": o Elo Perdido entre a vida aquática e a terrestre


O traje da criatura, criado pela equipe de Bud Westmore - que substituiu Jack Pierce na produtora - é de um visual sofisticado, extremamente bem executado para os padrões da época. Ele permite ao seu usuário nadar, andar, lutar e fazer outros movimentos com grande desenvoltura. Infelizmente Westmore não costumava dividir o crédito com a sua equipe - entre os membros dela estava a atriz, maquiadora e designer Millicent Patrick, que muitos creditam ser a verdadeira criadora do visual do “Homem Guelra”. Exibido em 3D no seu lançamento, o filme, por sua natureza trágica, cativou o público, como menciona a personagem de Marilyn Monroe em em O Pecado mora ao Lado (1955, de Billy Wilder), pouco antes da famosa cena do ventilador do metrô.

O longa metragem teve duas continuações. Em todos eles, a criatura foi interpretada por Ricou Browning em suas peripécias marinhas - em suas ações em terra, o traje ficou a cargo de outros atores. Browning era um acrobata expert em manobras subaquáticas e diretor especializado em filmagens submarinas. É um dos criadores do clássico seriado para TV Flipper e continua em atividade até hoje, atuando em documentários e coordenando cenas de acrobacias marinhas para filmes e episódios de séries de TV


"A Revanche do Monstro" (1955). Melhor filme da série


O filme seguinte da trilogia foi A Revanche do Monstro (1955), novamente dirigido por Arnold. Após ser capturado e transferido para o Seaquarium de Miami, a criatura se solta e deixa toda a Flórida em polvorosa. Este é o melhor filme da trilogia, com muita ação, luta e perseguição da criatura pelas autoridades, enquanto ela procura a sua “amada” (aqui, Lori Nelson). Temos direito em seu início a uma curta participação de um jovem Clint Eastwood. Também foi exibido em 3D. 

 

"A Caça do Monstro" (1956). Trágica conclusão da saga do "Homem-Guelra"

 

O Terceiro e último filme, O Terceiro e último filme, A Caça do Monstro (1956, de John Sherwood) tem uma proposta inovadora. Após uma extensa queimadura provocada por um incêndio, o monstro passa por uma cirurgia que o adapta da vida aquática para a terrestre. Uma transição com trágicas consequências. Diferente dos filmes anteriores, este não foi filmado em 3D. Depois do último filme do seu derradeiro monstro, a Universal encerrou afinal a fase desses seus longa-metragens de horror clássicos.

 

"A Festa do Monstro Maluco" (1967): bela homenagem aos monstros clássicos e, em particular, a Boris Karloff (o personagem que dublou - no alto, a esquerda, era uma caricatura dele)


Mas, na década seguinte, uma grande homenagem foi prestada a estes filmes e ao conceito de universo compartilhado que ele estabeleceu. Com o sucesso de séries como Família Adams e Os Monstros, a Rankin/Bass, uma produtora especializada em fazer especiais de animação em stopmotion para a TV, decidiu aproveitar o filão e fazer um longa musical e de humor estrelado por todos os monstros clássicos do cinema. Assim surgiu A Festa do Monstro Maluco (1967, de Jules Bass), que narra uma festa organizada pelo Barão Borin Von Frankestein (voz de Boris Karloff) em seu castelo numa ilha distante. Seu objetivo era reunir todos os monstros que lidera para apresentar sua recente descoberta - a fórmula da destruição total - e anunciar a sua aposentadoria. Além dos monstros clássicos da Universal que já haviam atuado juntos, também são convidados da festa a Múmia, o Homem Invisível, o Corcunda de Notre Dame, a Criatura da Lagoa Negra, o Dr. Jekyll (e sua contraparte, Mr. Hyde) e até o King Kong. Devido aos direitos autorais, os personagens que não estavam em domínio público não são chamados pelo seu nome (caso da Criatura da Lagoa Negra e do King Kong) . O longa em stopmotion é divertido e fez a alegria da garotada no Brasil em suas diversas represes na Sessão da Tarde nos anos 70. 

 

"Deu a Louca nos Monstros" (1987): de fãs para fãs


Findo o ciclo, por um bom tempo os monstros ficaram relegados ao culto de fãs nostálgicos e usados apenas como mera referência pop. Ocasionalmente eram homenageados por cineastas que os cultuavam, como Fred Dekker, que dirigiu em 1987 o cult Deu a Louca nos Monstros, com roteiro dele e de Shane Black, produzido por Peter Hyans, com efeitos especais de maquiagem do futuro super star do ramo Stan Winston e efeitos visuais de Richard Edlund (trilogia clássica de (trilogia clássica de Star Wars). Grandes valores de produção e humor esperto num filme “B” de “Bom”. De fã para fã.

Infelizmente o filme teve pouca expressão na bilheteria e crítica ruins na época do seu lançamento. Se tornou cult nas locadoras de vídeo e não muito mais do que que isto. Os monstros sobreviviam nos sonhos de indivíduos como Tim Burton, Peter Jackson, Rick Baker ou Guilhermo Del Toro.

 

Legado Atual

 

"Van Helsing" (2004). Tentativa frustrada de criar um universo compartilhado


Com o boom dos filmes da dos filmes da Marvel e seu universo compartilhado, a Universal chegou a criar o conceito do chegou a criar o conceito do Dark Universe, pretendendo revitalizar e repaginar para esta nova geração os seus monstros clássicos. O pontapé oficial foi dado com o remake de A Múmia (2017, de Alex Kurtzman) - estrelado por Tom Cruise e sem levar em conta os filmes da cinesérie anterior da produtora, protagonizados por Brendan Fraser. Longa metragens anteriores também fariam parte deste universo compartilhado - Van Helsing (2003, de Stephen Sommers), Frankenstein - entre Anjos e Demônios (2014, de Stuart Beattie) e Drácula - a História Não Contada (2014, de Gary Shore) - , mas a fraca recepção de público e da crítica os desconsideraram como canônicos. Acontece que a aventura de Cruise também fez feio, por isso o estúdio adiou indefinidamente a ideia, fazendo com que os envolvidos tocassem suas vidas e outros projetos mais imediatos.

 

Dark Universe. Uma iniciativa que não foi adiante


Mais uma vez os monstros hibernam. Uma pena, pois potencial existe. É preciso uma figura de proa que tenha poder de fogo para aguentar as pressões corporativas e entregar produtos de qualidade. A prova é o clipe anunciando o box com os Blue-Rays de todos os filmes do ciclo, já devidamente rebatizado de Dark Universe. É instigante, um trunfo da edição. Confira no link.

Recentemente, em 2017 Guilermo Del Toro realizou A Forma da Água, uma história que bebe na fonte de O Monstro da Lagoa Negra. Estrelado por Doug Jones como a criatura, um genérico do Homem-Guelra, o filme foi o grande campeão da entrega do Oscar em 2018 (ganhou as estatuetas de melhor filme, diretor, música e design de produção) e mostra que o cinema de gênero pode atingir um público mais amplo.

Agora, esperemos o que estará por vir e vejamos se haverá ou não de surgir, ou melhor, de ressuscitar a alvorada de um nova era cinematográfica, “ a alvorada de um nova era cinematográfica,plena de deuses e monstros...”.

 

Drácula (Bela Lugosi): a espera de uma nova Era de Horrores



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