quarta-feira, 12 de julho de 2023

O "esquisito" - In Memorian: Todd Browning

 


Sádico, irônico e criativo

por Alexandre César
(Originalmente postado em 14/ 04/ 2018) 

Um realizador e provocador, nato

#HorrorDaUniversal

 

Tod Browning: Passado circense e um olhar pessimista para o bizarro e o macabro


 

A sua carreira e a do cinema começaram quase na mesma época, pertencente a uma família bem situada no Kentucky, se apaixonou aos 16 anos por uma dançarina de um circo, fugindo de casa com a trupe, onde dando vazão ao seu talento performático, cantava, fugia de correntes no melhor estilo de Harry Houdini, cantava e ainda passava o dia enterrado em caixões para assombrar o público, ávido pelo bizarro. Seu nome: Charles Albert "Tod" Browning ( ⭐ Louisville, 12 de julho de 1880 — ✝ Hollywood, 6 de outubro de 1962) um realizador, argumentista, produtor e ator norte-americano que em sua época dividiu os críticos quanto ao seu trabalho. Uns viam nele um gênio. Outros, apenas um picareta de mau gosto.

 

"Puppets" (1916). curta metragem que já assinalava o gosto de seu autor para o bizarro


Após ter sido palhaço e diretor de um teatro de variedade,conheceu D.W. Griffith, de quem se tornou amigo, fazendo a sua estreia como ator em Intolerância (1916) trabalhando em filmes mudos, até que virou diretor, levando para as telas toda a bizarrice que tanto amava. Fez melodramas, comédias, suspense e filmes de terror, sempre com uma visão macabra e pessimista do mundo. Como diretor, dirigiu filmes como The Virgin of Stamboul, Fora da Lei  (ambos de 1920), Undert two Flags (1922), White Tiger, Confiança e Convicção (ambos de 1923), Silk Stocking Sal (1924), ele teve seu primeiro sucesso com A Trindade Maldita (1925), onde formou o seu estilo típico de mesclando fantasia, mistério e horror, tendo Lon Chaney e seu talento performático. 

 

Priscilla Dean e Lon Chaney em "The Wicked Darling" (1919). Browning e Chaney fizeram 10 filmes


Seguiram-se no mesmo ano Seguiram-se no mesmo ano Amor e Magia e Dollar Down. Em 1926 fêz com Chaney O Falcão Negro e Tirano e Mártir. 1927 foi a vez de No Domínio das Ilusões, com John Gilbert e Lionel BarrymoreO Monstro do Circo (bizarríssimo drama de horror onde o astro faz... um arremessador de facas sem braço, que lança facas com os pés!!! - digno dos filmes de kung fu - e tem um caso com a assistente, vivida por Joan Crawford, com 22 aninhos) e Vampiros da Meia Noite (primeiro filme de vampiros em inglês). Seguiram-se Piratas Modernos e No Oeste de Zanzibar (ambos de 1928), e Sedução (1929) todos os cinco com Chaney à frente, mostrando uma longa parceria com o ídolo das plateias da época, no melhor estilo Scorsese e De Niro, só que no cinema mudo.

 

"Vampiros da Meia Noite" (1927). Lon Chaney (como um "vampiro") e Marceline Day


Tendo sido educado no cinema mudo, Browning teve muita dificuldade para adaptar-se aos filmes sonoros. Lembremos que nesta época Hollywood estava à caça de diretores de teatro, que soubessem lidar com diálogos, para dirigir filmes falados, e muitos artistas viram suas carreiras descer ralo abaixo por não conseguirem se adaptar a esta nova tecnologia.

 

Browning, com Marceline Day e Lon Chaney num intervalo de "Vampiros da Meia Noite"



Browning foi um dos diretores que tentaram se modernizar, mas enfrentou muita dificuldade no processo. Em 1930 faria Fora da Lei, um remake de um filme policial seu (feito com Chaney) de 1920, com Edward G.Robinson como um gangster. Finalmente teria o seu maior sucesso com o clássico Drácula (1931), no qual ele aparece também como a voz do capitão do porto (embora fosse o seu filme mais conhecido, ele pessoalmente desprezava Bela Lugosi, com quem já havia trabalhado em The Thirteenth Chariot de 1929) um filme “B” de mistério.

 

Intervalo de "Drácula" (1931). Bela Lugosi, Helen Chandler e Tod Browning. Dos palcos para o mundo


Hollywood já pretendia adaptar o livro de Stoker há algum tempo, mas a queda da Bolsa e a Depressão econômica fizeram com que optassem por uma adaptação da peça, de Hamilton Deane e John Balderston, mais barata e rápida de filmar.  Vale lembrar que o livro já tinha duas versões para o cinema: o húngaro A Morte de Drácula (1921) de Károly Lajthay, filme obscuro e que pouco tinha a ver com a obra original; e o famoso alemão Nosferatu, de F.W. Murnau.

 

Lugosi arrebatou o mulherio com sua performance sedutora


Para a produção do primeiro filme de horror falado da história, foram escalados Paul Leni e Conrad Veidt, respectivamente para a cadeira de diretor e para o papel do Conde. Leni e Veidt haviam sido os responsáveis por O Homem que Ri, e pareciam ideais para os cargos. Entretanto, Leni morreu antes da produção começar, e Veidt, inseguro quanto ao seu sotaque alemão, abandonou o projeto (irônico, já que o sotaque era uma peça chave para a caracterização do vampiro) sendo Chaney escalado em seguida para o papel, mas faleceu logo em seguida por conta do câncer na garganta que adquirira durante as filmagens de O Trovão (1929) de William Nigh (filme considerado perdido), deixando o papel vago para Lugosi que já vinha interpretando o papel no teatro. 

 

Lugosi (o conde), David Manners (Jonathan Harker), Dwight Frye (Reinfield), Herbert Von Sloan (Van Helsing) e Helen Chandler (Mina): Fazendo o trabalho de casa


A figura de Drácula não foi criada apenas no livro de Bram Stoker, mas principalmente através de inúmeras adaptações cinematográficas, que foram, em sua maioria, influenciados por este filme, pois qualquer criança, atualmente, relaciona o nome Drácula à figura de Bela Lugosi. Os castelos em ruínas, a capa preta, caixões rangendo, empregadas fáceis de manipular, e, principalmente, o vampiro como uma figura sedutora e atraente, eram elementos que, mesmo se estivessem presentes no livro, foram bastante acentuados no filme de Browning, e, a partir daí, pela história do cinema em suas muitas encarnações, mas tudo vindo da versão de 1931. 

 

Lugosi e Frye: Os dois grandes trunfos do filme


Imaginemos, se Lon Chaney tivesse feito o papel do Conde. Inicialmente, ele com certeza elaboraria uma maquiagem pesada para encarnar a face de Drácula, tornando-o um monstro repulsivo tal qual o Nosferatu. Reza a lenda que durante as filmagens, no auge da depressão americana, Browning costumava sair apressado do estúdio e correr para os teatrinhos da Hollywood Boulevard, onde se extasiava assistindo a maratonas de dança – competições em que casais famintos varavam noites dançando até o limite de suas forças. No teatro apinhado, o cineasta e os outros espectadores apostavam nos casais como se fossem cavalos de corrida. Quem o conheceu melhor, como o escritor Budd Schulberg, garantia que ele era um sádico.

Após filmar o conde vampiro, fêz no mesmo ano Por uma Mulher drama de boxe com Lew Ayres e a “Vênus Platinada Jean Harlow para a MGM, de sucesso moderado.

 

"Monstros" (Freaks) de 1932. Elenco de aberrações circenses reais, sem efeitos especiais, que causou incômodo mundo afora, sendo banido por décadas


Embora Drácula tenha sido o seu maior sucesso, a sua obra-prima é mesmo Monstros (Freaks) de 1932, um dos filmes mais estranhos já bancados por um grande estúdio (no caso, a MGM). O filme se passa num circo, onde uma trapezista gostosona seduz um anão só para roubar seu dinheiro e é descoberta pelos “freaks” que trabalham no picadeiro: a mulher barbada, duas irmãs siamesas, o “Pinhead” (um homem de cabeça pequena e pontuda), o “Homem-Torso” e outros. Browning era tido como um sujeito esquisito e afeito a brincadeiras de gosto duvidoso, como quando entregou a um desavisado gerente da MGM a lista dos atores de Freaks que passariam a freqüentar o restaurante do estúdio, ao lado de astros como Clark Gable, Jean Harlow e Spencer Tracy (reza a lenda que Tracy foi um dos poucos a não se importar com as figuras do circo). O que incomodava nas suas pegadinhas era o fundo de verdade que revelavam. Afinal, por que os famosos não podiam dividir a mesa com deficientes físicos? Ninguém se atreveu a fazer a pergunta, mas um refeitório extra foi construído para servir ao elenco do filme. Ao usar cenas de apresentações circenses reais, o público surtou sentindo imediata repugnância pela película, considerada macabra demais por causa das deformidades físicas que mostrava. Na Inglaterra, Freaks foi banido por quase 30 anos, sendo Browning boicotado pelo então chefe de produção da MGM, Irving Thalberg

 

"A Marca do Vampiro" (1935). Remake turbinado que teve vários cortes, para atenuar subtextos sexuais, mas que tornou a trama bizarra


 Após filmar as aberrações, fêz Perdão Senhorita (1933) com John Gilbert e Robert Armstrong ainda pela MGM, mas a carreira de Browning parecia realmente ter chegado ao fim, já que seus filmes falados não faturavam alto nas bilheterias como antigamente. Foi então que alguém teve a ideia de refilmar Vampiros da Meia-Noite, trazendo, para o papel do vampiro, Bela Lugosi, que estava numa das melhores fases de sua carreira. E assim foi feito A Marca do Vampiro (1935). O papel do professor Burke (de Lon Chaney na versão original), foi dividido em três: Lionel Barrymore, grande astro da época, foi o professor Zelen, um hipnotista; Lionel Atwill, figurinha carimbada dos filmes de horror da Universal, como o Inspetor Neumann; e Bela Lugosi, obviamente, com o papel do vampiro.

 

"A Marca..." filme que começa como mistério, vira filme de horror, depois volta a ser de mistério, com um final que vira uma sátira aos filmes do gênero


Como em Como em Vampiros da Meia-Noite, a história se concentra ao redor da investigação do assassinato do nobre Sir Borotyn, contando ainda com a presença funesta do vampiro Conde Mora (Lugosi) e sua filha Luna (a linda Carrol Borland). Assistir A Marca do Vampiro é algo curioso, sendo recomendado que se assista primeiro Vampiros da Meia-Noite (a obra original) e Drácula

 

A bela Carol Borland virou uma figura icônica com a sua "Luna", definindo o look de todas as vampiras pelas gerações seguintes


Pois ao assistir esta refilmagem, é como se você começasse assistindo Vampiros…, depois, sem perceber começasse a assistir Drácula e no final voltasse para Vampiros… pois o filme começa com a investigação do assassinato (como em Vampiros…) e, dando uma guinada se transforma num filme de vampiros à moda antiga, como Drácula com castelos em ruínas, morcegos, marcas no pescoço e até uma figura parecida com Van Helsing, no caso, o professor Zelin (Lionel Barrymore) e, nos últimos momentos, voltamos para Vampiros…, quando descobrimos que tudo fazia parte de um plano do professor, que contratou os atores para se passarem por vampiros, a fim de desvendar o assassinato (Putz!!!). 

 

"A Boneca do Demônio" (1936). Horror "B" em um de seus últimos filmes


Em 1936 fêz A Boneca do Demônio, um filme de horror com Lionel Barrymore e Maureen O´Sullivan, de modesto retorno e ainda faria em 1939 O Vendedor de Milagres, com Robert Young e Florence Rice, um filme “B” de mistério cujo baixo retorno foi a sua despedida das telas. A reação por causa de Freaks foi tão ruim que o diretor passou a ter cada vez mais dificuldades para conseguir emprego e abandonou o cinema poucos anos depois, vivendo recluso em sua mansão em Malibu, onde gostava de cozinhar, além de criar patos e cachorros, morrendo aos 82 anos de causas naturais. 

 

O mistério "O Vendedor de Milagres" (1939). Filme de despedida


Nos anos 60, Freaks estava completamente esquecido, quando começou a ser exibido em sessões de filmes B na televisão e virou cult. Em 1977, os Ramones, fanáticos pelo filme, lançaram a faixa “Pinhead”, inspirada em Freaks e contendo o hoje clássico grito de “Gabba Gabba Hey!”(no filme, os freaks gritam “Gobble Gobble”), fora a referência direta na quarta temporada do seriado American Horror Story: Freak Show, que se passa num circo de aberrações, só que aqui as aberrações mostradas são produtos da mais moderna tecnologia em maquiagem prostética e CGI, o que por mais bizarro e realista que seja, não tem o mesmo impacto cru dos personagens reais de Browning, resultando num visual mais asséptico.

Imagine hoje em dia, uma sessão programa duplo com O Rei do Show, seguido de Freaks? Ainda hoje o sádico Browning sabe colocar o dedo na ferida da nossa hipocrisia para o diferente, o que não se enquadra no “belo”...

 

Sarah Paulson em "American Horror Story: Freak Show", a quarta temporada da antologia de histórias de horror se passa num circo de aberrações, só que aqui via CGI, com resultados bons, mas assépticos


 

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