sábado, 31 de outubro de 2020

Cicatrizes, parafusos e ataduras - In Memorian: Boris Karloff



Monstro com coração

por Alexandre César 
(Originalmente postado em 03/ 12/ 2018) 


  O mais famoso ser de "cabeça chata" das telas

Boris Karloff sem pseudônimo: o jovem William Henry Pratt, ou "Billy", a "ovelha negra" da família

    #HorrorDaUniversal

    Cabeça quadrada, andar bamboleante, olhos mortiços fitando o nada... Não, não estamos falando de um usuário de crack, mas daquela que ainda é considerada por muitos a versão cinematográfica definitiva da criatura da novela clássica de Mary Shelley: Frankenstein, ou O Novo Prometeu”. Falamos de Boris Karloff, cuja performance em Frankenstein (1931, dirigido por James Whale) fez dele uma estrela. Estar soterrado por grossa maquiagem, com próteses sufocantes e calçando pesados sapatos recheados de asfalto que lhe davam um andar oscilante, foram os meios usados para criar um ícone do terror. Por ironia, Karloff nunca esperou que este fosse apenas mais um papel em sua já sólida carreira de 20 anos como ator. Mas sua atuação foi brilhante e a imagem que criou tornou-se um ícone.  
"O Código Penal" (1931, de Howard Hawks). drama prisional intenso

 Foi graças àquela criatura atormentada e confusa, que uma estrela se estabeleceu no cinema. A carreira de Karloff durou quase 50 anos em mais de 150 filmes, que vão desde a era do cinema mudo até os dias de efervescência cultural da cidade de Londres durante a segunda metade dos anos 1960, assegurando a ele a reputação de “O Rei do Horror”. 
O maquiador Jack Pierce "montando" a cabeça da lendária criatura
 
 Nascido William Henry Pratt (⭐ Dulwich, Londres, 23 de novembro de 1887 - ✝ Sussex, 2 de fevereiro de 1969) na Inglaterra, Boris Karloff tinha no meio familiar um apelido muito carinhoso: Billy. Era o caçula de nove filhos e, após a morte de sua mãe, foi criado por seus irmãos mais velhos. Uma curiosidade: as histórias de sua tia-avó, a educadora Anna Leonowens, passadas na corte real do Sião (atual Tailândia) foram a base para o famoso musical O Rei e Eu, da dupla Richard Rogers & Oscar Hammerstein II. A história foi adaptada para o cinema duas vezes: uma diretamente do musical (1956), premiada com cinco Oscars, e outra vagamente baseado nas memórias de Anna (1999).  
O monstro de Frankenstein foi uma das fontes inspiradoras do "Incrível Hulk", da Marvel Comics

 
Não há um consenso sobre o que motivou a decisão de Willian de mudar seu nome para “Boris Karloff”, existindo várias teorias. A mais aceita era o constrangimento de sua família com sua escolha profissional. Seu irmão, Sir John Thomas Pratt, tornou-se um diplomata britânico distinto. Na verdade seus irmãos (todos membros dignos do serviço externo britânico) consideravam o jovem William a "ovelha negra da família" por decidir tornar-se ator. Anos depois seu sucesso superaria esse constrangimento. Até o final da vida ele assinou em todos os papéis de contrato ou documentos oficiais seu nome real, William H. Pratt.  
"The Ghoul" (1933): filme perdido por mais de 30 anos
 
 Alguns biógrafos, porém, teorizam que ele havia assumido este nome artístico inspirado em um cientista louco, personagem do romance The Drums de Jeopardy, escrito por Harold McGrath, chamado Boris Karlov. O romance teve duas adaptações cinematográficas, lançadas em 1923 e 1931. Mas este livro só foi publicado por volta de 1920, ou seja, oito anos após Karloff começar a usar seu nome artístico no palco e no cinema mudo, indicando que a influência para a esse nome artístico deve ter sido outra, vindo talvez de um passado mais distante. O próprio Karloff sempre alegava que escolheu o nome "Boris" porque soava estranho e exótico, e que "Karloff" era um nome de família (de Карлов, um nome encontrado em vários países eslavos, incluindo a Rússia, Ucrânia e Bulgária).  
"A Torre de Londres" (1939). Filme histórico com viés de horror

O jovem William emigrou para o Canadá em 1909 e trabalhou como lavrador em vários ofícios enquanto atuava em peças. Quando chegou em Hollywood, conseguiu se encaixar na indústria cinematográfica e trabalhou em dezenas de filmes mudos. Era, porém, um serviço esporádico e precisava completar a renda com serviços braçais, ajudando a construir casas, entregando gesso em obras ou escavando valas. Eram tempos difíceis. Alguns desses serviços eram bastante pesados e acabaram por abalar sua saúde por toda a vida. Por conta disso ele não foi aprovado para Primeira Guerra Mundial. Foi nesta época que ele mudou seu nome profissional para "Boris Karloff". 
"A Máscara de Fu Manchu" (1932). O "Perigo Amarelo" tão temido nos anos 30/40

 

Após anos atuando em pequenos papéis no teatro e no cinema, Karloff começou a se destacar partir de sua atuação em O Código Penal (1931, de Howard Hawks), drama policial que serviu para que ele fosse notado pelos produtores. Mas foi em Frankenstein (1931, de James Whale) que, aos 44 anos, o inglês magro de 1,80 m e com marcantes olhos castanhos encontrou o personagem que definiria a sua carreira. O papel da atormentada criatura desmorta chegou a ser oferecido ao já consagrado Bela Lugosi, o primeiro intérprete de Drácula no cinema, mas este recusou por não poder criar sua própria maquiagem para o personagem, além de não ter falas durante todo o filme (Bela era extremamente vaidoso com a sua poderosa voz...). O filme não se baseou exatamente no livro original de Mary Shelley, mas numa adaptação teatral dos anos de 1920 atribuída à Peggy Webling, que tem algumas mudanças em relação a obra original. 
"O Corvo" (1935): Karloff não tinha medo da maquiagem...
  O traje volumoso com botas de plataforma de quatro polegadas (pesavam 5 kg cada) tornaram o papel do monstro um árduo trabalho. Juntamente com a maquiagem bem elaborada de Jack P. Pierce e a vibrante atuação de Karloff, temos a imagem clássica e até hoje conhecida de como deve ser o “Monstro de Frankenstein", pois não há uma discrição detalhada do personagem no livor de Shelley. A maquiagem levava horas para ser feita, fazendo muitas vezes Karloff dormir sem tirá-la, com livros escorando a sua cabeça para ficar imóvel e só retocar no dia seguinte antes das filmagens.  
"A Múmia" (1932), interpretada por Karloff: o mais romântico dos monstros
 
  Com o sucesso, a Universal Studios garantiu os direitos para o formato da maquiagem que Jack Pierce projetou. Outra famosa criatura fruto da parceria Karloff / Pierce foi A Múmia (1932, de Karl Freund). Com isso, o ator se tornou um dos principais nomes do terror da Universal, fazendo parcerias com outros nomes do gênero, como Bela Lugosi e Lon Channey Jr.
Posteriormente, sua atuação em A Casa Sinistra (1932, de James Whale) e em A Máscara de Fu Manchu (1932, de Charles Brabin e Charles Vidor), confirmaram o estrelato de Karloff.  
Karloff (o segundo na foto) e os irmãos: ovelha negra se torna ídolo na família

 
Karloff se reuniu com sua família ao voltar para a Grã-Bretanha para trabalhar em The Ghoul (1933, de T. Hayes Hunter), uma produção de terror inglesa. Ele estava extremamente preocupado em reencontrar os parentes, acreditando que ainda desaprovassem seu trabalho. Em vez disso, seus irmãos disputaram uma posição em torno dele, enquanto posavam sorridentes para fotos publicitárias. Sucesso no Reino Unido, este filme ficou perdido por 31 anos até que, em 1969, em Nova Iorque, foi achada uma cópia, o que permitiu seu relançamento nos EUA - sua exibição por lá fora um fracasso na época do lançamento.   
Com Elsa Lanchester em"A Noiva de Frankenstein" (1935): James Whale faz uma continuação melhor, mais criativa e ousada do que o original
 O ator retomou o papel do monstro que o consagrou em A Noiva de Frankenstein (1935, de James Whale), que carregou mais na ousadia e, de forma criativa, conseguiu superar o filme original. O longa metragem apresenta a icônica personagem da noiva (Elsa Lanchester, ótima) que faz papel duplo aparecendo também no início do filme como Mary Shelley, numa recriação da noite em que ela, seu futuro marido Percy Shelley e o amigo Lord Byron desafiaram-se a contar uma história assustadora. Desafio que só ela levou adiante. A literatura e a cultura pop agradecem.

 
Com Bela Lugosi em O "Gato Preto" (1934)
 Ao contrário da lenda, Boris Karloff e Bela Lugosi, embora não fossem os melhores amigos, sempre foram cordiais um com o outro. Fizeram oito filmes juntos, entre eles O Gato Preto (1934, de Edgar G.Ulmer), O Corvo (1935, de Lew Landers), O Poder Invisível (1936, de Lambert Hillyer), O Filho de Frankenstein (1939, de Rowland V. Lee) e Sexta-Feira 13 (1940, de Arthur Lubin).
Vida após a Universal

 
"O Túmulo Vazio" (1945): adaptação de conto de Robert Louis Stevenson, criador de Dr. Jekyll & Mr. Hyde

 
Após deixar a Universal Pictures - Karloff acreditava que Frankenstein a as franquias de monstros do estúdio era um filão que havia se esgotado - o ator trabalhou na RKO Pictures com o produtor Val Lewton com quem fez O Túmulo Vazio (1945, de Robert Wise), com Bela Lugosi, e A Ilha dos Mortos (1945) e Asilo Sinistro (1946), ambos dirigidos por Mark Robson.
Karloff ainda chegou a participar de um novo ciclo do horror nos anos 60, com o produtor/diretor de baixo orçamento Roger Corman, pela American International Pictures, dividindo a tela com astros consagrados do gênero como Vincent PriceBasil RathbonePeter Lorre, entre outros. Em O Corvo (1963, de Roger Corman), baseado no consagrado poema de Edgar Allan Poe, contracenou com Price e Lorre. Num intervalo das filmagens aproveitou-se do ator e dos mesmos cenários para rodar Sombras do Terror, com Jack Nicholson e também dirigido por Corman, e Farsa Trágica de Jacques Torneur.  
Com Basil Rathbone, Vincent Price e Peter Lorre em "Farsa Trágica" (1963): o segundo Ciclo do Terror Americano
  Em 1968, Karloff fez os seus últimos filmes anglo-americanos: Na Mira da Morte (de Peter Bogdanovich), onde fazia um velho ator de terror (quase uma auto-paródia) que cruza no caminho de um assassino num drive-in, e interpretou um professor em uma produção britânica intitulada A Maldição do Altar Escarlate (de Vernon Sewell) que também contou com Christopher Lee.
Karloff encerrou sua carreira aparecendo em quatro filmes mexicanos de terror com baixo orçamento: Isle of the Snake PeopleThe Incredible Invasion , Fear Chamber (lançado aqui como A Câmara do Terror) e House of Evil ( lançado aqui como Serenata Macabra). Este foi um pacote com o produtor mexicano Luis Enrique Vergara, tendo as cenas de Karloff sido dirigidas por Jack Colina, e o levou de volta para Los Angeles na primavera de 1968, sendo os filmes em seguida completados no México por Jack Hill e Juan Ibáñez. Todos os quatro filmes foram liberados após a morte de Boris Karloff, que na época, tinha apenas metade de um pulmão e necessitou ser levado para o balão de oxigênio entre as tomadas.  
"A Câmara do Terror" (1968): um de seus últimos filmes

Casou-se 5 vezes tendo uma única filha, Sara Karloff, que nascera em 1938, fruto de seu casamento com Dorothy Stine, sua quarta mulher. Na época do seu nascimento, Karloff estava filmando O Filho de Frankenstein e teria saído apressado do set de filmagem e ido para o hospital ainda sem tirar a maquiagem.  
Em 1962, na última vez que encarnou o monstro de Frankenstein, na série de TV "Route 66", com Peter Lorre e Lon Chaney Jr. como o lobisomem
 Ao se aposentar das telas, mudou-se para a Inglaterra, em Roundabout, uma fazenda na vila de Hampshire Bramshott. Apesar de viver e trabalhar nos Estados Unidos por muitos anos, Karloff nunca se tornou um cidadão naturalizado americano.
Depois de uma longa batalha com artrite e enfisema, ele contraiu pneumonia, o que provocou sua morte no King Edward VII Hospital, Midhurst, Sussex em 02 de fevereiro de 1969 aos 81 anos. O corpo de Boris Karloff foi cremado e suas cinzas foram entregues a sua família. 
O "bom velhinho Karloff
  Embora seja mais lembrado por interpretar vários personagens sinistros na tela, era conhecido na vida real como um cavalheiro e uma pessoa muito gentil, inclusive fazendo muitas doações para instituições de caridade voltadas à crianças necessitadas. A partir de 1940 se vestia como Papai Noel no Natal, distribuindo presentes para crianças com deficiência física em um Hospital da cidade de Baltimore. Em animações, temos o seu trabalho de voz narrando e interpretando o ranzinza protagonista do desenho de longa metragem Como o Grinch Roubou o Natal (1966, de Chuck Jones), numa adaptação do clássico livro infantil do Dr. Seuss , e sua participação em A Festa do Monstro Maluco (1967, de Jules Bass), personificando o Prof. Victor Frankenstein. No cômputo final, ele foi um doce monstro.  
Dr. Victor Frankenstein (Karloff) em "A Festa do Monstro Maluco" (1967), ao lado de seu sobrinho Felix Flankim

 

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