Os amigos do Capitão
Sam Wilson e a Jornada do Herói
"- É como se fosse de outra pessoa."
Foi nesta cena de Vingadores: Ultimato (2019) de Anthony e Joe Russo, quando um Steve Rogers (Chris Evans) já velho passa o escudo (e o manto) para Sam Wilson (Anthony Makie de Altered Carbon), pergunta a ele como é a sensação de segurar o escudo, o que Sam responde com esta declaração, refletindo a pressão sentida por este ao receber não só o escudo, como o manto de ser o novo Capitão América, encontrando a sua própria voz nesse processo.
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Legado: Sam Wilson (Anthony Makie) se sente intimidado de dar continuidade à uma lenda |
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Bucky Barnes (Sebastian Stan) é assombrado por seu passado como o Soldado Invernal |
E é assim que se estabelece a questão norteadora de Falcão e o Soldado Invernal, nova série da Disney/Marvel (veiculada no streaming pela Disney+): Legado, a noção do pertencimento de uma tradição, do qual um indivíduo precisa estar consciente do seu merecimento, para não poder leva-la adiante e não sentir que "é como se fosse de outra pessoa"... e assim, instigado por Bucky Barnes, o Soldado Invernal (Sebastian Stan de O Diabo de Cada Dia) que luta para exorcizar seus fantasmas de seu período como agente condicionado mentalmente pela H.Y.D.R.A. e enquanto busca pelo perdão oficial do governo norte-americano, se trata com uma terapeuta, e revela possuir uma lista de pessoas que lhe trouxeram problemas, seja por associação com a H.Y.D.R.A., ou por terem feito algum tipo de mal a ele no passado, ou as listadas também como seus "alvos", pes-soas que tiveram suas vidas afetadas pelas suas próprias atitudes.
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"Um povo, um mundo": Karli Morgenthau (Erin Kellyman) lidera os "Apátridas" |
Vislumbramos numa cena bem impactante, parte do passado do personagem, quando ele ainda era um assassino de elite, coisa que a fotografia de P.J. Dillon (Altered Carbon) trata de forma sutil a luz e o matiz de cor, mostrando a subjetividade do personagem.
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John Walker (Wyatt Russell) o novo "Capitão América" e Estrela Negra (Clé Bennet) |
O principal arco da série é jornada de Sam Wilson, da recusa inicial, face à pressão sentida ao receber o escudo do Capitão América (que permeou praticamente todos os episódios) até a aceitação da responsabilidade e sua consagração final. Fica nítida essa trajetória ao vermos o governo americano dar o escudo e a identidade de Capitão América à John Walker (Wyatt Russell de Operação Overlord) que ao usar o manto azul, vermelho e branco frente aos holofotes acaba perseguindo obsessivamente o ser reconhecido como Capitão América, caindo numa espiral decadente apesar de uma breve redenção final. As ações deste novo Capitão América ajudam a avançar a trama da relação entre Sam e Bucky que confronta Sam Wilson sobre a escolha de Steve Rogers e nesta escalada, se estabelece a divertida dinâmica criada em Capitão América: Guerra Civil (2016) chegando a um novo patamar, com a troca de animosidades típicas de um relacionamento de irmãos. Esse clima de comédia policial graças à boa dinâmica entre Mackie e Stan.
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"-Ser herói dá dinheiro???": Sam e sua irmã Sara (Adepero Oduye) tentam um empréstimo sem sucesso para salvar o negócio da família |
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A Dra. Christina Raynor (Amy Aquino) faz com Bucky e Sam uma "análise de casal" para soltar a raiva e o stress reprimido da dupla... |
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Batroc, o Saltador (Georges St. Pierre no centro) dá as caras logo no primeiro episódio |
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a ex-agente da S.H.I.E.L.D. Sharon Carter (Emily VanCamp) teve de "se virar" nestes 5 anos em que foi persona "non grata" e foragida do governo americano |
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Estrategista: O Barão Helmut Zemo (Daniel Brühl) rouba cada cena que aparece, além de evoluir na pista de dança... |
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Competência: Ayo (Florence Kasumba) e as Dora Milaje saem atrás de Zemo, dando uma surra na dupla e, em Walker, mostrando que não precisam usar o soro do supersoldado |
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Dívida histórica: Isaiah Bradley (Carl
Lumbly) foi o Capitão América do pós-guerra que o governo americano "varreu para debaixo do tapete" da história |
O rico desenho de produção de Ray Chan (Dungeons & Dragons) aliada à direção de arte de Jiri Matura (Homem-Aranha: Longe de Casa), Jennifer Bash (Cemitério Macabro), Jordan Crockett (Doutor Estranho), Andres Cubilan (Godzilla vs. Kong), Pavel Krejci (Miracle Workers) e Petr Kunes (Carnival Row) e a decoração de sets de Katerina Koutska (Das Boot) e Anne Kuljian (Mulan) recria espaços icônicos do universo Marvel como Madripoor, com vários easter-eggs, além de ambientes familiares mais intimistas como as casas da família de Sam e a de Isaiah Bradley, com seus tons terrosos, que contrastam com o elegante e austero apartamento de Zemo, ou as instalações High-Tech da CRG, bem cleans e impessoais. O trabalho do supervisor de efeitos visuais de Eric Leven (The Orville) coloca os efeitos visuais de Legacy Effects, Lidar Guys, Rodeo FX e Trixter ampliando os espaços e dando palpabilidade em cenas como o incrível plano sequência do primeiro episódio, digno de qualquer filme de James Bond ou do próprio UCM, embalado pela música de Henry Jackman (Pokémon – Detetive Pikachu) que acompanha a ação e sublinha os momentos mais indies e familiares da trama.
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A fictícia ilha de Madripoor é uma ótima mostra da elegante fusão da direção de arte, da fotografia e dos efeitos visuais para enriquecer a narrativa |
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Em Madripoor, Zemo guia Sam e Bucky no rastro do "Mrcador do Poder" |
Ao final Falcão e o Soldado Invernal dá o prometido, no seu básico, apesar de pouco desenvolver o mote do impacto global do “estalar de dedos” e seus desdobramentos, que acabou sendo inesperadamente o "equivalente Marvel" da pandemia do COVID-19 (um evento não esperado que virou o mundo de ponta-cabeça, obrigando todos à se adaptarem a este "novo normal") mas acerta ao mostrar que sem sombra de dúvidas que Sam Wilson é realmente o digno sucessor de Steve Rogers, não por saber lutar e impor soluções, mas por ser capaz de ouvir, e sentir empatia pelo outro, o que realmente define um herói.
Após vários percalços Sam assume o legado, treinando com o escudo incansavelmente (só faltou ouvirmos ao fundo "The Eye of the Tiger") até o domínio perfeito
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Anjo salvador: E eis que surge o novo Capitão América, capaz de lutar, mas principalmente de dialogar, assim como Steve Rogers acreditava. |