domingo, 9 de outubro de 2022

Presente das Trevas - Crítica – Filmes: Lobisomem na Noite (2022)

 

 


Calada noite preta

por Alexandre César

Michael Giacchino e a Marvel surpreendem

 




“O universo conhecido tem seus heróis e maravilhas, mas e quanto à escuridão? No nosso mundo moderno e lá que os monstros habitam, ao lado daqueles que os caçam e os matam com orgulho. Dentre eles, ninguém teve mais sucesso do que a família Bloodstone, cujo patriarca há muito controla uma poderosa relíquia sobrenatural, a Pedra de Sangue, uma arma diferente de qualquer outra. Mas agora, esta arma precisa de um novo mestre, pois Ulysses Bloodstone morreu. Esta noite é o seu funeral. Caçadores de todo o mundo se reuniram, estranhos uns aos outros até esta noite, para uma caçada cerimonial que decidirá o próximo a empunhar a Pedra de Sangue. E ai do monstro que se encontrar entre eles...” 

 

O personagem no primeiro número de sua própria revista em 1972
Infiltrado, Jack Russel (Gael García Bernal) entre dois caçadores planeja seu movimento


Com esta introdução narrada pela voz de Rick Wasserman (Lanterna Verde: Tema Meu Poder) vemos numa região remota de aspecto montanhoso a residência-sede dos Bloodstones, onde Verussa (Harriet Sansom Harris de Licorice Pizza) viúva do patriarca e madrasta de Elsa Bloodstone (Laura Donnelly de The Nevers), a rebelde filha do falecido que se vê obrigada a participar da competição mortal entre os caçadores, que são: Jovan (Kirk R. Thatcher de Star Trek: Picard), o enorme caçador escocês; Liorn (Leonardo Nam de Maggie) o oriental; Barasso (Daniel J. Watts de Maravilhosa Sra. Maisel) o afro descendente; a trans Azarel (Eugenie Bondurant de Medo da Chuva) e o aparentemente normal Jack Russel (Gael García Bernal de Tempo) que guarda um segredo: Estar infiltrado na cerimônia para salvar seu amigo Ted Sallis, o Homem-Coisa (captura de movimentos de Carey Jones de O Livro de Boba Fett) aprisionado pelo grupo, além de guardar um outro segredo, que deveria só se manifestar nas noites de lua cheia, mas devido aos poderes da Pedra de Sangue, poderá se manifestar nesta noite, com consequências funestas... 


A anfitriã Verussa (Harriet Sansom Harris) cuida do legado dos Bllodstone


 

Sendo o primeiro média metragem da Marvel Studios, o especial de Halloween (veiculado no streaming pela Disney+) Lobisomem na Noite (2022) marca a estreia inspirada na direção, do compositor Michael Giacchino (Os Incríveis 2) que também assina a trilha musical, sendo uma joia de entretenimento escapista e referencial, que nos apresenta uma nova faceta do lado sobrenatural*1 do Universo Cinematográfico Marvel, expandindo, mas sem cansar, graças à edição de Jeffrey Ford (Falcão e o Soldado Invernal) em seus 55 minutos de forma leve e eficiente, deixando portas abertas para outras histórias e personagens de teor similar. 

 

A rebelde Elsa Bloodstone (Laura Donnelly) entra na competição para reclamar o que é seu
Ted Sallis, o Homem-Coisa (Carey Jones) é o amigo em perigo de Jack Russel


O roteiro de Heather Quinn (Gavião Arqueiro) e Peter Cameron (WandaVision) a partir do argumento de Quinn, baseado nos personagens criados por Gerry Conway, Mike Ploog, Roy e Jean Thomas, espertamente homenageia o clássico O Lobisomem (1941) de George Waggner que consagrou Lon Chaney Jr. como o licantropo, graças à maquiagem do mestre Jack P. Pierce que se tornou referência por gerações até Rick Baker e Rob Botin, mudarem o paradigma da caracterização dos lobisomens para algo mais monstruoso, fugindo da proporção anatômica humana. Aqui, retornamos às origens da Universal, que inspirou justamente a caracterização do personagem da Marvel


O escocês Jovan (Kirk R. Thatcher),é o caçador de maior destaque



O filme flerta na medida certa, com a nostalgia e a necessidade de inovar, na já desgastada “Fórmula Marvel”, com humor na proporção, e forçando os limites da classificação etária, tendo violência gráfica e sangue (sem cair no gore) com boa caracterização de seus personagens, cujos figurinos de Mayes C. Rubeo (Jojo Rabbit) definem seus arquétipos, mesclando a praticidade de trajes para cenas de luta com o rebuscamento do gênero em suas vestes cerimoniais e com certeza, seriam aprovados por Vera West que assinou praticamente todos os figurinos do ciclo do Horror da Universal

 

Liorn (Leonardo Nam) vem do oriente obviamente, mas tem pouco tempo de tela

 A caçadora trans Azarel (Eugenie Bondurant) traz diversidade ao grupo


Os personagens tiveram suas personalidades, bem como suas interações, sutilmente ajustadas de forma a caberem no tempo de um média-metragem, e podermos ter o entendimento de suas dinâmicas. Assim, Jack Russel (que não tem de fato sua origem abordada) e o Homem-Coisa têm uma broderagem similar à de Han Solo e Chewbacca de Star Wars; Elsa Bloodstone é menos arrogante do que nos quadrinhos (além de ter uma técnica de luta similar à da Viúva-Negra), tendo com Verussa a típica rivalidade de filha rebelde com madrasta megera; Billy Swan (Al Hamacher de Legacies), o mordomo é um alívio cômico, principalmente quando opera a máquina que emite as últimas vontades de Ulysses Bloodstone (voz de Richard Dixon de McDonald & Dodds), pai de Elsa, num momento qualquer-coisa, bem como quando ao final oferece seus serviços a herdeira como fiel capacho (e acata as obrigações dessa função). E os caçadores, têm pouca definição de quem são pois servem apenas para nos indicar que na realidade... os verdadeiros monstros são os homens e não as criaturas que eles caçam. 

 

Barasso (Daniel J. Watts) tal qual seus outros colegas, tem presença, e só

Visualmente rica, a fotografia em preto e branco de Zoë White (O Conto da Aia) resgata uma rica palheta de cinzas que contrastam com o vermelho da Pedra de Sangue, num ótimo efeito gráfico, tendo o requinte de mostrar a cada 15 minutos a troca de rolo*2 para dar um charme de época. A fotografia dialoga com o desenho de produção de Maya Shimoguchi (Gavião Arqueiro), que junto com a direção de arte de Lauren Rosenbloom (Greyhound: Na Mira do Inimigo); e a decoração de sets de Missy Parker (Gavião Arqueiro) cria ricos ambientes como a sala principal da Residência Bloodstone, com sua gigantesca claraboia e cuja coleção de troféus é plena de easter-eggs do lado sobrenatural da Marvel, sendo os ambientes corretamente ampliados pelos efeitos visuais de Jamm, Zoic Studios, Base FX, SDFX Studios, Digital Domain, Clear Angle Studios, Sarofsky e Exceptional Minds, supervisionados por Joe Farrel (Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis) permitindo ainda uma ótima simbiose das criaturas executadas por KNB Effects Group (The Walking Dead), com os efeitos de maquiagem supervisionados por Carey Jones (Fear the Walking Dead) que conseguem driblar as limitações orçamentárias de forma admirável. 

 

Após um confronto Elsa e Jack são capturados, quando sob a ação da Pedra de Sangue, ele começa a manifestar sua outra natureza

 

Além da partitura inspiradíssima de Giacchino, cujos acordes e corais evocam o clima dos filmes clássicos de horror da Universal Pictures dos anos 1930/40, a supervisão musical de Dave Jordan (Cavaleiro da Lua) que mescla a partitura trechos de clássicos como “I Never Had a Chance” de Irving Berlin por Teddy Joyce e Jimmy Messene; “Whishing (Will Make It So)” de B.G. DeSylva por VLynn, que sublinham as sutilezas da trama, e no tema de O Mágico de Oz “Over the Rainbow” de Harold Arlen e E.Y. Harburg por Judy Garland, que bate otimamente, quando ao seu final, ocorre a transição do preto e branco, pleno de tons de cinza, para um exuberante Technicolor, acenando novos horizontes para seus personagens.

A transformação honra a tradição de Jack P. Pierce

A violência do filme, embora moderada, é acima do padrão Disney


Ao final Lobisomem na Noite cumpre de forma mais do que satisfatória sua missão, consagrando a versatilidade de seu diretor, e mostrando que existem outras formas de contar uma história no Universo Marvel, que não sejam em filmes e séries, que muitas vezes acabam por se perder, ou por não ter o tempo necessário para contar a sua história, ou por ter justamente o seu oposto, caindo em barrigas narrativas desnecessárias justamente pelo excesso de tempo de tela sobrando; mostrando que o formato de média-metragem também é uma opção viável para se contar boas narrativas. 

 

A fotografia faz um bom uso do preto-e-branco com inserções de vermelho



Esperemos agora que a Marvel Studios aprenda com este bem-sucedido especial de Halloween, e se permita novas experimentações narrativas e poder assim, continuar a sua expansão de forma eficiente e criativa.


Ao final temos uma inesperada transição do p&b para o Technicolor marcando novos horizontes para os protagonistas



Notas:

 



*1: Na década de 1950, os quadrinhos de super-heróis entraram em decadência, dando lugar a histórias de romance, western, ficção-científica e terror, até o clamor moralista insuflado pelo psiquiatra Fredric Wertham, autor do livro Seduction of the Innocent de que os quadrinhos, com sua violência induziriam os jovens à delinquência, surgindo em resposta a CMAA - Comics Magazine Association of America ou Associação Americana de Revistas em Quadrinhos, organização a qual foi atribuída a autoridade pela observância da aplicação do "Código dos Quadrinhos" (Comic Code Authority) que foi criado pelas editoras como uma forma de autocensura no conteúdo dos quadrinhos americanos, em resposta a opinião pública. Essa autorregulamentação modificou o conteúdo das revistas, a escolha de cores, temas e palavras. Todas que ostentavam o selo na capa estavam nesse padrão. O Comics Code, surgido em 1954 era uma adaptação dos códigos existentes tanto na DC Comics, quanto na Archie Comics (editora que comandava a associação). A grande prejudicada com o Comics Code foi a editora EC Comics que publicava títulos de horror. Várias publicações da EC foram citadas por Wertham como de mau gosto. A Marvel vinha desde seu surgimento forçando os limites do código, e com o seu afrouxamento nos anos 1970, surgiu Morbius, o vampiro vivo, em Amazing Spider-Man #101, de 1971, e seguiram-se, a publicação dos títulos The Tomb of Dracula, Werewolf by Night (inicialmente em Marvel Spotlight #2 de 1972), Frankenstein, entre outras publicações com personagens de pegada mais sobrenatural, muitos deles participando, com regularidade, da continuidade do Universo Marvel como o Motoqueiro Fantasma; o Homem-Coisa; Daimon Hellstrom, o filho de Satan; o Irmão Vudu, etc... 

 


Fonte Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Comics_Code_Authority



*2: Na época do cinema analógico, a cada 15 minutos o operador tinha que trocar o rolo, a fim de que o filme não parasse, surgindo no canto superior direito a imagem uma mancha elíptica (na foto acima, indicada pela seta), que indicava chegar a hora de trocar o rolo por outros, para manter o filme rolando. Aqui, como estamos diante de um filme digital, esta necessidade inexiste, mas foi feita para dar um gosto de filme antigo, datado, e dar ambientação à obra. 

 

 link para a crítica em vídeo: 

https://www.facebook.com/3velhosnerds/videos/684854319827532



"- Jack, temos de parar de nos encontrarmos assim!!!"


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