O herói crepuscular e o dragão da distopia
por Alexandre César
(Postado originalmente em 04/ 04/ 2020)
Série desigual, com potencial ainda não atingido
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Legado: Tendo surgido em 1987, "Star Trek: A Nova
Geração " somente firmou-se na terceira temporada,
atingindo seu pleno potencial...
|
Verdadeira face dos princípios éticos e morais da Frota Estelar,
Jean-Luc Picard (Sir Patrick Stewart, como sempre ótimo, seja em cenas
bem ou mal-escritas) desde o longínquo ano de 1987 quando fomos
apresentados ao capitão francês (homenageando Jaques-Ives Costeau) no
piloto Encontro em Farpoint da série Star Trek: A Nova Geração (quando a franquia Star Trek ainda era chamada aqui de Jornada na Estrelas).

"Star Trek: Nêmesis" (2002). O último filme da série
tem ligação com os eventos da temporada...
Rapidamente o intelectual firme de cultura erudita firmou-se como o
maior pilar do humanismo no universo ficcional criado por Gene
Rodenberry, pois se comparado com seus colegas, Jonathan Archer (Star Trek: Enterprise) era quase um corsário rumando por mares nunca dantes navegados; James Tiberius Kirk (a Star Trek original) ora era um capitão estilo “Mestre dos Mares”, ora era um xerife digno de qualquer farwest; Benjamin Sisko (Star Trek: Deep Space Nine)
era um líder político pragmático, capaz de tomar decisões indigestas e
conseguir dormir o sono dos justos e, Kathryn Janeaway (Star Trek: Voyager)
era uma comandante isolada num lugar distante e hostil, só podendo
contar com os recursos de sua nave e com a habilidade de sua equipe,
tendo que lidar com situações fora das regras do manual. Não havia
dúvidas. Comparado a ele, agora apenas vislumbramos uma sutil
equivalência na finada Phillipa Georgiu (não é a imperatriz!!!) e no
pioneiro Christopher Pike (Tanto ela quanto ele em Star Trek: Discovery) em seus respectivos perfis.

14 anos depois reencontramos o velho e amargurado líder, com seu cachorro
Criada por Kirsten Beyer, Michael Chabon, Akiva Goldsman e Alex Kurtzman e produzida pela CBS (aqui veiculada pela Amazon Prime Vídeo) Star Trek: Picard traz
o veterano e agora almirante reformado Jean-Luc Picard tendo que lidar
com os desafios da idade (mesmo que devamos supor que com os avanços da
medicina a longevidade humana deve ter sido bem prolongada no século
24...) e a sensação de que o mundo (aqui, o universo) não precisa mais
dele, relegando-o ao ostracismo e à contagem regressiva final e assim, a
série carrega o fardo de mixar a continuidade de A Nova Geração (Data havia perecido em Star Trek: Nêmesis de 2002, dirigido por Stuart Baird) à linha temporal de Star Trek (2009) de J.J.Abrams (Star Wars: A Ascensão Skywalker) onde a estrela-natal de Romulus torna-se uma supernova e destrói a sede do Império Romulano. A partir disso surgem os acertos ao honrar personagens queridos da série e erros ao muitas vezes se render ao Fanservice, embora mostrando um potencial não plenamente atingido nesta temporada.

Deu Ruin... O almirante Jean-Luc Picard (Patrick Stewart) e sua imediato Raffi Musiker (Michelle Hurd) tentam coordenar a evacuação Romulana, o que o leva à uma jogada arriscada
Picard carrega a culpa de não ter conseguido evacuar mais romulanos
quando o sol de seu sistema se tornou uma supernova pois ele organizou
uma frota de 10 mil naves para resgatar 900 milhões de refugiados.
(comparado à retirada de Dunquerque*) uma sabotagem ocorrida no complexo de docas espaciais Utopia Planitia**em Marte provocou um mega-desastre e levou a Frota Estelar a cancelar o resgate e proibir a fabricação de formas de vida sintéticas, o que fêz Picard ameaçar sair pois a Frota Estelar estava renegando os seu valores. A Frota aceitou a sua saída e ele, frustrado, foi cuidar do vinhedo da família em Chateau Picard, França.

"Canivete suíço": Laris (Orla Brady) e Zhaban (Jamie McShane), são os criados romulanos de Picard que são pau-para -toda-obra
Assim, quatorze anos depois o velho almirante rompe o silêncio numa
entrevista bombástica a uma repórter que gosta de cutucar a ferida
(Merrin Dungey de Big Litlle Lies) e irritado argumenta que “a Frota Estelar não era mais ela mesma”, lhe criando uma polêmica prejudicial, e dias depois, ao passear pelo vinhedo na companhia de Imediato, seu cão (um belo e amoroso pitbull, ou aparentado) ele é abordado por Dahj Asha (Isa Briones de American Crime Story) moça misteriosa, na verdade uma andróide feita a partir da matriz positrônica de Data (Brent Spiner de Star Trek: A Nova Geração) que diz lembrar-se dele e que está sendo caçada por agentes romulanos.

Picard conhece a androide Dahj Asha (Isa Briones), a "filha" de Data
Sua presença e posterior morte o leva a descobrir uma ação secreta de Tal Shiar, a polícia secreta romulana e, mais adiante graças ao seu casal de criados Laris (Orla Brady de Into the Badlands) e Zhaban (Jamie McShane de Argo),
refugiados que ele acolheu. Com vasta experiência na área de
inteligência militar (a ótima dupla de atores têm uma grande
equivalência com Allfred Penworth, o mordomo do Batman) os dois levantam os métodos de ações do Zhat Vash, o que seria o “núcleo duro” do Tal Shiar,
e que tem como agenda eliminar toda e qualquer forma de vida sintética,
como o fazem com Dahj, que em momentos de perigo revela suas
habilidades de combate pré-programadas, estando suas feições num desenho
que o finado Data havia lhe dado anos atrás, lhe aparecendo em sonhos
recorrentes. Analisando as mensagens de Dahj ele descobre existir uma
andróide gêmea, a quem precisa proteger.

Alm. Kirsten Clancy (Ann Magnuson) enquadra Picard, que saiu por "nobres ideais", enquanto ela teve de ficar e lidar com a dura realidade prática
Picard, consegue que seu amigo, o Dr. Moritz Benayoun (David Paymer de Entre Realidades)
considere-o apto para o serviço interestelar (a despeito de sua
condição) e após receber um esporro (o primeiro de vários ao longo da
temporada...) da Alm. Kirsten Clancy (Ann Magnuson de O Homem do Castelo Alto)
que lhe nega ajuda em sua busca, decide sair por conta própria,
recrutando uma equipe de desgarrados que incluem Raffi Musiker (Michelle
Hurd de Máquina Mortífera) ex-oficial da Frota Estelar e sua antiga imediato, com vários traumas em sua vida pessoal, similar ao Capitão Cristóbal Rios (Santiago Cabrera de Salvation) cuja nave La Sirena podemos dizer que é quase a Millennium Falcon da
equipe, e conta com um grupo de hologramas de manutenção em cada área
(médica, engenharia, comunicações...) cada um refletindo uma parcela de
sua personalidade.

Infiltradas: A Ten. Narissa (Peyton List) e a Comodoro Oh (Tamlin Tomita) na verdade são agentes da inteligência romulana

Prestar contas: Picard vai ao assentamento de refugiados romulanos explicar a Zani (Amirah Vann) a sacerdotisa do Qowat Milat o porquê da sua ausência de 14 anos
Ao grupo se unem a Dra. Agnes Jurati (Alison Pill de Scott Pilgrin Contra o Mundo) pesquisadora de Inteligência Artificial, que inicialmente parecia ser uma personagem “bobinha”, tipo alívio cômico como a Sylvia Tilly de Star Trek: Discovery mas
revela momentos bem dramáticos, e por fim Picard, reconhecendo a sua
vulnerabilidade, recruta num assentamento romulano, Elnor (Evan Evagoria
de A Ilha da Fantasia) guerreiro (com visual meio elfo / samurai) criado pelas Qowat Milat, “freiras” adeptas da “Franqueza Total” (forma de lidar com tudo sem “mentirinhas” e
hipocrisias) que aceita após defendê-lo de mais uma sessão de
humilhações de refugiados descontentes (parece que na virada do século
XXIV para XXV os idosos continuam sendo destratados do mesmo jeito...),
surgindo num momento de dificuldades Sete de Nove (Jeri Ryan de Star Trek: Voyager) agora patrulheira de um grupo rebelde do setor pois a Zona Neutra virou uma “Terra de Ninguém” com o colapso do Império Romulano, pululando grupos que controlam zonas de influência (como o tráfico e as milícias aqui no Brasil).

Restrições: Sai a imponente Enterprise, e entra a compacta La Sirena, menor, mas funcional
Reunida a trupe, eles saem em busca da Dra. Soji Asha (Isa Briones) que trabalha com Hugh (Jonathan Del Arco de Star Trek: A Nova Geração) o ex-borg (chamados XB) que agora dirige o projeto de estudos do “Artefato”, um Cubo Borg desativado, iniciativa independente de membros da Federação com o Governo Romulano e lá se envolve com Narek (Harry Treadway de Penny Dreadful) agente Tal Shiar, tal qual sua irmã Narissa (Peyton List de Gothan), agente infiltrada na Frota, subordinada à Comodoro Oh (Tamlin Tomita de O Homem do Castelo Alto) oficial Tal Shiar (e do Zhat Vash), sendo uma mestiça de romulana com vulcana, infiltrada na Frota (Agora temos de reconhecer que a Alm. Clancy é quem devia ir para a reserva pois ter uma agente romulana infiltrada no Alto Comando da Frota é dose, isto a Seção 31 jamais deixaria passar...).

Retorno bem-vindo: Sete de Nove (Jeri Ryan) retorna rmada e perigosa em grande estilo
Assim vão surgindo novos personagens e, ressurgindo rostos familiares como o Dr. Bruce Maddox (John Ales de Euphoria) que pesquisou a fundo a matriz positrônica de Data, sendo cativo no sistema Alpha Doradus pela traficante Bjayzl (Necar Zadegan de Masters of Sex) a líder do mercado negro de componentes borg, Zani (Amirah Vann de No Limite) a sacerdotiza da Qowat Milat,
que criou Elnor e, fechando com chave de ouro, William T. Riker
(Jonathan Fakes),e Deanna Troy (Marina Sirtis) agora morando no
paradisíaco planeta Nepenthe com sua filha Kestra (Lulu Wilson de Jogador Nº1)
filha do casal, tendo ele, que foi o maior associado do velho
comandante , a melhor participação (ainda que breve) no último episódio,
além de se revelar um bom cozinheiro fazendo pizzas de coelho-unicórnio no seu forno à lenha...

A Zona Neutra virou um grande "farwest", com facções usando espólios do antigo Império Romulano, como antigas "aves de rapina"

Em Stardust City, os figurinistas e os atores se permitiram um tom mais cartunesco, próximo a episódios da série clássica
Complementando a trama, Narissa e Narek são sobrinhos de Ramdha (Rebecca Wisocky de The Purge) ex-borg (XB) romulana, que num ritual vislumbra Soji como a “a Destruidora de Mundos”,
um mito que permeia a repulsa dos romulanos por qualquer forma de vida
sintética, ficando com sua sanidade abalada, e enquanto os romulanos
preparam o seu ataque Picard e Cia. Chegam ao planeta Coppelius,
onde travam contato com o Dr. Altan Inigo Soong filho do Dr. Soong
(Brent Spiner) e Sutra (Isa Briones) outra sintética que perdeu a sua
gêmea e mais desdobramentos seguem mas já falei muito do desenrolar da
história...

A Dra. Soji tem um relacionamento com Narek (Harry Treadway) agente do "Tal Shiar", que a usa

O "Artefato" é reativado por Sete de Nove, mostrando rapidamente o seu potencial bélico, mas fazendo pouca coisa
De forma desigual a série vai levantando questões pertinentes ao momento
atual como a xenofobia, o abandono, a mortalidade humana e a
indiferença do ocidente à questão dos refugiados e, diferente de A Nova Geração cuja visão utópica não funciona muito hoje em dia, Picard é do seu jeito torto, a série mais atual do Universo Trek, versando sobre o fim do otimismo, o fim da Utopia, mas não sobre o fim da esperança e, diferente de Discovery, não tenta ser Star Trek para os novos tempos, não criticando ou desconsiderando o passado, embora não viva nele, apesar da música de Jeff Russo (Altered Carbon) sublinhar os momentos mais emotivos, principalmente aqueles protagonizados por Picard com personagens de Star Trek: A Nova Geração ora
repaginando os temas de Alexander Courage e Jerry Goldsmith ou criando
temas mais lúdicos como na relação dele na infância de Elnor, como um
avô amoroso, alternando com acordes mais convencionais nas cenas de
ação, acompanhando a edição de Andrew Coutts (Star Trek: Discovery), Steve Haugen (Krypton) e Sarah C. Reeves (Gothan).

Hugh (Jonathan Del Arco) o ex-borg dirige o "Projeto Artefato"

O design da comunidade de sintéticos do planeta Coppelius é bem clean, solar
A fotografia de Philip Lanyon (Frontier) e Darran Tiernan (Westworld) alterna tons mais quentes e coloridos como os do Cahteau Picard ou
da residência de Riker,Deana e Kestra com outros mais escuros e
expressionista como os do Cubo Borg ou frios como o do laboratório onde o
ex-borg Icheb (Casey King de NCIS: Los Angeles) é trucidado, em cenas de violência gráfica digna de Jogos Mortais e os tons neon de Stardust City, no melhor estilo dos cassinos de Las Vegas, onde os figurinos de Christine Bieselin Clark (Into the Badlands)
se permite ser cartunesco, dentro do espírito do episódio, contrastando
com os demais, que é funcional além de revisitar bem os uniformes da Frota Estelar do Séc. XXIV.

As "Orquídeas" que envolvem naves e as levam para a superfície são soluções visuais interessantes que poderiam ter sido melhor aproveitadas
Refletindo o alto nível técnico da temporada, o desenho de produção de Todd Cherniawsky (Cemitério Maldito) aliado à direção de arte de Iain McFadyen (O Chamado da Floresta), Louis Joseph Comeau IV (Scorpion) Dylan Bocanegra (Adé) e a decoração de sets de Lisa Alkofer (The Walking Dead) cria espaços diversos e ricos como o Chateau Picard que
mescla o mobiliário e a decoração tradicional com os equipamentos
modernos como sintetizadores de comida, comunicadores e drones e
irrigação, além de sutis easter-eggs do universo treker, como veículos vistos em Star Trek: Discovery em funções mais cotidianas como táxis ou transporte escolar, além de cenários high-tech como o Cubo Borg, de inclinação expressionista, apesar de outras soluções serem bem questionáveis, como a “antena” da base dos sintéticos cujo design deixa a desejar, e da mesma forma que os efeitos visuais da Craft Apes, Double Negative (DNEG), Filmworks / FX, Pixomondo são de
ótima qualidade, apesar de na cena da “batalha” final (que foi mais uma
confrontação) a frota da federação ser basicamente o mesmo modelo de
nave replicado várias vezes, perdendo variedade e sua credibilidade.

Reunião de família: Will Ricker (Jonathan Frakes) e Deanna Troy (Marina Sirtis) reencontram o velho amigo

Equipe: A Dra. Agnes Jurati (Alison Pill) e o Dr. Altan Inigo Soong (Brent Spiner) dão prosseguimento ao trabalho do Dr. Soong original e de Bruce Maddox
Ao final Star Trek: Picard é
desigual mas como o bom elenco segura as pontas mesmo com roteiros nem
sempre bem escritos, ficamos com a vontade de dar mais uma chance ao
velhinho turrão, que aqui acaba estruturando um grupo não ligado à Frota Estelar, e que de certa forma lembra a dinâmica do clássico Doctor Who e seus companions e, procurem uma melhor consultoria a nível de ciência (porquê um sistema solar com OITO SÓIS é
de doer, imaginem o caos de calor, radiação e forças gravitacionais
capazes de fragmentar qualquer planeta, além de outras coisas...).

Clichê: Sutra e Soji são a "Gêmea do Mal" e a "Gêmea do Bem"...
Se Kurtzman, Goldsman e Cia. Aprenderão com esta temporada, cruzemos os dedos, afinal é consenso do fandon de que a 1ª temporada de Star Trek: A Nova Geração foi a mais fraca de todas...
Notas: *1: A Retirada de Dunquerque foi
um esforço conjunto do governo e do povo britânico em 1940, quando mais
de 300 mil soldados ingleses ficaram encurralados na França, face ao
vanço nazista. Respondendo ao chamado de Winston Churchil uma frota
organizada às pressas conseguiu 800 barcos, a maioria da população
civil, que enfrentando o fogo inimigo atravessaram o Canal da Mancha
para trazer de volta os soldados.Esse episódio histórico é retratado no
filme Dunkirk.
*2: Utopia Planitia era a principal rede de docas espaciais da Frota Estelar, sendo mostrado na série a ação de F8 (Alex Diehl de Strange Angel) um sintético (entre outros) hackeado pelo Tal Shiar que destruiu matando os operários humanos e iniciando a destruição do complexo no feriado do Dia do Primeiro Contato (quando os humanos fizeram contato e estabeleceram relações diplomáticas com os vulcanos, que foi o primeiro passo para a Federação do Planetas Unidos.)
Verdadeira face dos princípios éticos e morais da Frota Estelar, Jean-Luc Picard (Sir Patrick Stewart, como sempre ótimo, seja em cenas bem ou mal-escritas) desde o longínquo ano de 1987 quando fomos apresentados ao capitão francês (homenageando Jaques-Ives Costeau) no piloto Encontro em Farpoint da série Star Trek: A Nova Geração (quando a franquia Star Trek ainda era chamada aqui de Jornada na Estrelas).

"Star Trek: Nêmesis" (2002). O último filme da série
tem ligação com os eventos da temporada...
Rapidamente o intelectual firme de cultura erudita firmou-se como o maior pilar do humanismo no universo ficcional criado por Gene Rodenberry, pois se comparado com seus colegas, Jonathan Archer (Star Trek: Enterprise) era quase um corsário rumando por mares nunca dantes navegados; James Tiberius Kirk (a Star Trek original) ora era um capitão estilo “Mestre dos Mares”, ora era um xerife digno de qualquer farwest; Benjamin Sisko (Star Trek: Deep Space Nine) era um líder político pragmático, capaz de tomar decisões indigestas e conseguir dormir o sono dos justos e, Kathryn Janeaway (Star Trek: Voyager) era uma comandante isolada num lugar distante e hostil, só podendo contar com os recursos de sua nave e com a habilidade de sua equipe, tendo que lidar com situações fora das regras do manual. Não havia dúvidas. Comparado a ele, agora apenas vislumbramos uma sutil equivalência na finada Phillipa Georgiu (não é a imperatriz!!!) e no pioneiro Christopher Pike (Tanto ela quanto ele em Star Trek: Discovery) em seus respectivos perfis.
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14 anos depois reencontramos o velho e amargurado líder, com seu cachorro
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Criada por Kirsten Beyer, Michael Chabon, Akiva Goldsman e Alex Kurtzman e produzida pela CBS (aqui veiculada pela Amazon Prime Vídeo) Star Trek: Picard traz
o veterano e agora almirante reformado Jean-Luc Picard tendo que lidar
com os desafios da idade (mesmo que devamos supor que com os avanços da
medicina a longevidade humana deve ter sido bem prolongada no século
24...) e a sensação de que o mundo (aqui, o universo) não precisa mais
dele, relegando-o ao ostracismo e à contagem regressiva final e assim, a
série carrega o fardo de mixar a continuidade de A Nova Geração (Data havia perecido em Star Trek: Nêmesis de 2002, dirigido por Stuart Baird) à linha temporal de Star Trek (2009) de J.J.Abrams (Star Wars: A Ascensão Skywalker) onde a estrela-natal de Romulus torna-se uma supernova e destrói a sede do Império Romulano. A partir disso surgem os acertos ao honrar personagens queridos da série e erros ao muitas vezes se render ao Fanservice, embora mostrando um potencial não plenamente atingido nesta temporada.
Picard carrega a culpa de não ter conseguido evacuar mais romulanos quando o sol de seu sistema se tornou uma supernova pois ele organizou uma frota de 10 mil naves para resgatar 900 milhões de refugiados. (comparado à retirada de Dunquerque*) uma sabotagem ocorrida no complexo de docas espaciais Utopia Planitia**em Marte provocou um mega-desastre e levou a Frota Estelar a cancelar o resgate e proibir a fabricação de formas de vida sintéticas, o que fêz Picard ameaçar sair pois a Frota Estelar estava renegando os seu valores. A Frota aceitou a sua saída e ele, frustrado, foi cuidar do vinhedo da família em Chateau Picard, França.
Assim, quatorze anos depois o velho almirante rompe o silêncio numa entrevista bombástica a uma repórter que gosta de cutucar a ferida (Merrin Dungey de Big Litlle Lies) e irritado argumenta que “a Frota Estelar não era mais ela mesma”, lhe criando uma polêmica prejudicial, e dias depois, ao passear pelo vinhedo na companhia de Imediato, seu cão (um belo e amoroso pitbull, ou aparentado) ele é abordado por Dahj Asha (Isa Briones de American Crime Story) moça misteriosa, na verdade uma andróide feita a partir da matriz positrônica de Data (Brent Spiner de Star Trek: A Nova Geração) que diz lembrar-se dele e que está sendo caçada por agentes romulanos.
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Deu Ruin... O almirante Jean-Luc Picard (Patrick Stewart) e sua imediato Raffi Musiker (Michelle Hurd) tentam coordenar a evacuação Romulana, o que o leva à uma jogada arriscada
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Picard carrega a culpa de não ter conseguido evacuar mais romulanos quando o sol de seu sistema se tornou uma supernova pois ele organizou uma frota de 10 mil naves para resgatar 900 milhões de refugiados. (comparado à retirada de Dunquerque*) uma sabotagem ocorrida no complexo de docas espaciais Utopia Planitia**em Marte provocou um mega-desastre e levou a Frota Estelar a cancelar o resgate e proibir a fabricação de formas de vida sintéticas, o que fêz Picard ameaçar sair pois a Frota Estelar estava renegando os seu valores. A Frota aceitou a sua saída e ele, frustrado, foi cuidar do vinhedo da família em Chateau Picard, França.
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"Canivete suíço": Laris (Orla Brady) e Zhaban (Jamie McShane), são os criados romulanos de Picard que são pau-para -toda-obra
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Assim, quatorze anos depois o velho almirante rompe o silêncio numa entrevista bombástica a uma repórter que gosta de cutucar a ferida (Merrin Dungey de Big Litlle Lies) e irritado argumenta que “a Frota Estelar não era mais ela mesma”, lhe criando uma polêmica prejudicial, e dias depois, ao passear pelo vinhedo na companhia de Imediato, seu cão (um belo e amoroso pitbull, ou aparentado) ele é abordado por Dahj Asha (Isa Briones de American Crime Story) moça misteriosa, na verdade uma andróide feita a partir da matriz positrônica de Data (Brent Spiner de Star Trek: A Nova Geração) que diz lembrar-se dele e que está sendo caçada por agentes romulanos.
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Picard conhece a androide Dahj Asha (Isa Briones), a "filha" de Data
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Sua presença e posterior morte o leva a descobrir uma ação secreta de Tal Shiar, a polícia secreta romulana e, mais adiante graças ao seu casal de criados Laris (Orla Brady de Into the Badlands) e Zhaban (Jamie McShane de Argo),
refugiados que ele acolheu. Com vasta experiência na área de
inteligência militar (a ótima dupla de atores têm uma grande
equivalência com Allfred Penworth, o mordomo do Batman) os dois levantam os métodos de ações do Zhat Vash, o que seria o “núcleo duro” do Tal Shiar,
e que tem como agenda eliminar toda e qualquer forma de vida sintética,
como o fazem com Dahj, que em momentos de perigo revela suas
habilidades de combate pré-programadas, estando suas feições num desenho
que o finado Data havia lhe dado anos atrás, lhe aparecendo em sonhos
recorrentes. Analisando as mensagens de Dahj ele descobre existir uma
andróide gêmea, a quem precisa proteger.
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Alm. Kirsten Clancy (Ann Magnuson) enquadra Picard, que saiu por "nobres ideais", enquanto ela teve de ficar e lidar com a dura realidade prática
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Picard, consegue que seu amigo, o Dr. Moritz Benayoun (David Paymer de Entre Realidades)
considere-o apto para o serviço interestelar (a despeito de sua
condição) e após receber um esporro (o primeiro de vários ao longo da
temporada...) da Alm. Kirsten Clancy (Ann Magnuson de O Homem do Castelo Alto)
que lhe nega ajuda em sua busca, decide sair por conta própria,
recrutando uma equipe de desgarrados que incluem Raffi Musiker (Michelle
Hurd de Máquina Mortífera) ex-oficial da Frota Estelar e sua antiga imediato, com vários traumas em sua vida pessoal, similar ao Capitão Cristóbal Rios (Santiago Cabrera de Salvation) cuja nave La Sirena podemos dizer que é quase a Millennium Falcon da
equipe, e conta com um grupo de hologramas de manutenção em cada área
(médica, engenharia, comunicações...) cada um refletindo uma parcela de
sua personalidade.
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Infiltradas: A Ten. Narissa (Peyton List) e a Comodoro Oh (Tamlin Tomita) na verdade são agentes da inteligência romulana
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Prestar contas: Picard vai ao assentamento de refugiados romulanos explicar a Zani (Amirah Vann) a sacerdotisa do Qowat Milat o porquê da sua ausência de 14 anos
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Ao grupo se unem a Dra. Agnes Jurati (Alison Pill de Scott Pilgrin Contra o Mundo) pesquisadora de Inteligência Artificial, que inicialmente parecia ser uma personagem “bobinha”, tipo alívio cômico como a Sylvia Tilly de Star Trek: Discovery mas
revela momentos bem dramáticos, e por fim Picard, reconhecendo a sua
vulnerabilidade, recruta num assentamento romulano, Elnor (Evan Evagoria
de A Ilha da Fantasia) guerreiro (com visual meio elfo / samurai) criado pelas Qowat Milat, “freiras” adeptas da “Franqueza Total” (forma de lidar com tudo sem “mentirinhas” e
hipocrisias) que aceita após defendê-lo de mais uma sessão de
humilhações de refugiados descontentes (parece que na virada do século
XXIV para XXV os idosos continuam sendo destratados do mesmo jeito...),
surgindo num momento de dificuldades Sete de Nove (Jeri Ryan de Star Trek: Voyager) agora patrulheira de um grupo rebelde do setor pois a Zona Neutra virou uma “Terra de Ninguém” com o colapso do Império Romulano, pululando grupos que controlam zonas de influência (como o tráfico e as milícias aqui no Brasil).
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Restrições: Sai a imponente Enterprise, e entra a compacta La Sirena, menor, mas funcional
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Reunida a trupe, eles saem em busca da Dra. Soji Asha (Isa Briones) que trabalha com Hugh (Jonathan Del Arco de Star Trek: A Nova Geração) o ex-borg (chamados XB) que agora dirige o projeto de estudos do “Artefato”, um Cubo Borg desativado, iniciativa independente de membros da Federação com o Governo Romulano e lá se envolve com Narek (Harry Treadway de Penny Dreadful) agente Tal Shiar, tal qual sua irmã Narissa (Peyton List de Gothan), agente infiltrada na Frota, subordinada à Comodoro Oh (Tamlin Tomita de O Homem do Castelo Alto) oficial Tal Shiar (e do Zhat Vash), sendo uma mestiça de romulana com vulcana, infiltrada na Frota (Agora temos de reconhecer que a Alm. Clancy é quem devia ir para a reserva pois ter uma agente romulana infiltrada no Alto Comando da Frota é dose, isto a Seção 31 jamais deixaria passar...).
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Retorno bem-vindo: Sete de Nove (Jeri Ryan) retorna rmada e perigosa em grande estilo
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Assim vão surgindo novos personagens e, ressurgindo rostos familiares como o Dr. Bruce Maddox (John Ales de Euphoria) que pesquisou a fundo a matriz positrônica de Data, sendo cativo no sistema Alpha Doradus pela traficante Bjayzl (Necar Zadegan de Masters of Sex) a líder do mercado negro de componentes borg, Zani (Amirah Vann de No Limite) a sacerdotiza da Qowat Milat,
que criou Elnor e, fechando com chave de ouro, William T. Riker
(Jonathan Fakes),e Deanna Troy (Marina Sirtis) agora morando no
paradisíaco planeta Nepenthe com sua filha Kestra (Lulu Wilson de Jogador Nº1)
filha do casal, tendo ele, que foi o maior associado do velho
comandante , a melhor participação (ainda que breve) no último episódio,
além de se revelar um bom cozinheiro fazendo pizzas de coelho-unicórnio no seu forno à lenha...
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A Zona Neutra virou um grande "farwest", com facções usando espólios do antigo Império Romulano, como antigas "aves de rapina"
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Em Stardust City, os figurinistas e os atores se permitiram um tom mais cartunesco, próximo a episódios da série clássica
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Complementando a trama, Narissa e Narek são sobrinhos de Ramdha (Rebecca Wisocky de The Purge) ex-borg (XB) romulana, que num ritual vislumbra Soji como a “a Destruidora de Mundos”,
um mito que permeia a repulsa dos romulanos por qualquer forma de vida
sintética, ficando com sua sanidade abalada, e enquanto os romulanos
preparam o seu ataque Picard e Cia. Chegam ao planeta Coppelius,
onde travam contato com o Dr. Altan Inigo Soong filho do Dr. Soong
(Brent Spiner) e Sutra (Isa Briones) outra sintética que perdeu a sua
gêmea e mais desdobramentos seguem mas já falei muito do desenrolar da
história...
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A Dra. Soji tem um relacionamento com Narek (Harry Treadway) agente do "Tal Shiar", que a usa
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O "Artefato" é reativado por Sete de Nove, mostrando rapidamente o seu potencial bélico, mas fazendo pouca coisa
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De forma desigual a série vai levantando questões pertinentes ao momento
atual como a xenofobia, o abandono, a mortalidade humana e a
indiferença do ocidente à questão dos refugiados e, diferente de A Nova Geração cuja visão utópica não funciona muito hoje em dia, Picard é do seu jeito torto, a série mais atual do Universo Trek, versando sobre o fim do otimismo, o fim da Utopia, mas não sobre o fim da esperança e, diferente de Discovery, não tenta ser Star Trek para os novos tempos, não criticando ou desconsiderando o passado, embora não viva nele, apesar da música de Jeff Russo (Altered Carbon) sublinhar os momentos mais emotivos, principalmente aqueles protagonizados por Picard com personagens de Star Trek: A Nova Geração ora
repaginando os temas de Alexander Courage e Jerry Goldsmith ou criando
temas mais lúdicos como na relação dele na infância de Elnor, como um
avô amoroso, alternando com acordes mais convencionais nas cenas de
ação, acompanhando a edição de Andrew Coutts (Star Trek: Discovery), Steve Haugen (Krypton) e Sarah C. Reeves (Gothan).
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Hugh (Jonathan Del Arco) o ex-borg dirige o "Projeto Artefato" |
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O design da comunidade de sintéticos do planeta Coppelius é bem clean, solar
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A fotografia de Philip Lanyon (Frontier) e Darran Tiernan (Westworld) alterna tons mais quentes e coloridos como os do Cahteau Picard ou
da residência de Riker,Deana e Kestra com outros mais escuros e
expressionista como os do Cubo Borg ou frios como o do laboratório onde o
ex-borg Icheb (Casey King de NCIS: Los Angeles) é trucidado, em cenas de violência gráfica digna de Jogos Mortais e os tons neon de Stardust City, no melhor estilo dos cassinos de Las Vegas, onde os figurinos de Christine Bieselin Clark (Into the Badlands)
se permite ser cartunesco, dentro do espírito do episódio, contrastando
com os demais, que é funcional além de revisitar bem os uniformes da Frota Estelar do Séc. XXIV.
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As "Orquídeas" que envolvem naves e as levam para a superfície são soluções visuais interessantes que poderiam ter sido melhor aproveitadas
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Refletindo o alto nível técnico da temporada, o desenho de produção de Todd Cherniawsky (Cemitério Maldito) aliado à direção de arte de Iain McFadyen (O Chamado da Floresta), Louis Joseph Comeau IV (Scorpion) Dylan Bocanegra (Adé) e a decoração de sets de Lisa Alkofer (The Walking Dead) cria espaços diversos e ricos como o Chateau Picard que
mescla o mobiliário e a decoração tradicional com os equipamentos
modernos como sintetizadores de comida, comunicadores e drones e
irrigação, além de sutis easter-eggs do universo treker, como veículos vistos em Star Trek: Discovery em funções mais cotidianas como táxis ou transporte escolar, além de cenários high-tech como o Cubo Borg, de inclinação expressionista, apesar de outras soluções serem bem questionáveis, como a “antena” da base dos sintéticos cujo design deixa a desejar, e da mesma forma que os efeitos visuais da Craft Apes, Double Negative (DNEG), Filmworks / FX, Pixomondo são de
ótima qualidade, apesar de na cena da “batalha” final (que foi mais uma
confrontação) a frota da federação ser basicamente o mesmo modelo de
nave replicado várias vezes, perdendo variedade e sua credibilidade.
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Reunião de família: Will Ricker (Jonathan Frakes) e Deanna Troy (Marina Sirtis) reencontram o velho amigo
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Equipe: A Dra. Agnes Jurati (Alison Pill) e o Dr. Altan Inigo Soong (Brent Spiner) dão prosseguimento ao trabalho do Dr. Soong original e de Bruce Maddox
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Ao final Star Trek: Picard é
desigual mas como o bom elenco segura as pontas mesmo com roteiros nem
sempre bem escritos, ficamos com a vontade de dar mais uma chance ao
velhinho turrão, que aqui acaba estruturando um grupo não ligado à Frota Estelar, e que de certa forma lembra a dinâmica do clássico Doctor Who e seus companions e, procurem uma melhor consultoria a nível de ciência (porquê um sistema solar com OITO SÓIS é
de doer, imaginem o caos de calor, radiação e forças gravitacionais
capazes de fragmentar qualquer planeta, além de outras coisas...).
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Clichê: Sutra e Soji são a "Gêmea do Mal" e a "Gêmea do Bem"...
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Se Kurtzman, Goldsman e Cia. Aprenderão com esta temporada, cruzemos os dedos, afinal é consenso do fandon de que a 1ª temporada de Star Trek: A Nova Geração foi a mais fraca de todas...
Notas:
*1: A Retirada de Dunquerque foi
um esforço conjunto do governo e do povo britânico em 1940, quando mais
de 300 mil soldados ingleses ficaram encurralados na França, face ao
vanço nazista. Respondendo ao chamado de Winston Churchil uma frota
organizada às pressas conseguiu 800 barcos, a maioria da população
civil, que enfrentando o fogo inimigo atravessaram o Canal da Mancha
para trazer de volta os soldados.Esse episódio histórico é retratado no
filme Dunkirk.
*2: Utopia Planitia era a principal rede de docas espaciais da Frota Estelar, sendo mostrado na série a ação de F8 (Alex Diehl de Strange Angel) um sintético (entre outros) hackeado pelo Tal Shiar que destruiu matando os operários humanos e iniciando a destruição do complexo no feriado do Dia do Primeiro Contato (quando os humanos fizeram contato e estabeleceram relações diplomáticas com os vulcanos, que foi o primeiro passo para a Federação do Planetas Unidos.)