Arquiteto de mundos símios e humanos
por Alexandre César
(Originalmente postado em 20/ 08/ 2018)
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William J. Crebber: Lenda de Hollywood |
O primeiro filme da franquia O Planeta dos Macacos, lançado no final dos anos 60, é lembrado pelo incrível história com sua crítica social e política; Roddy MacDowall e os diversos macacos que interpretou com seu olhar marcante ao longo das produções na década seguinte e a maquiagem revolucionária (que imortalizou para sempre o nome de John Chambers). Mas ele também possui elementos cenográficos impressionantes, como a nave Icarus e a Cidade dos Macacos, com seu aspecto meio expressionismo alemão, meio escultura de barro. Ambos frutos da troca de idéias entre os roteiristas, os produtores e o diretor, elas foram materializadas pelos setores de arte, adereços, carpintaria e pintura artística, chefiados pelo Diretor de Arte e Desenhista de Produção William J. Creber. Los Angeles Califórnia, 26 de julho de 1931 - ✝ 7 de março de 2019.
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"Planeta dos Macacos": a concepção visual da "Zona Proibida" |
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Concepção original da Cidade-Macaco. Inspirada no estilo do arquiteto catalão Antoni Gaudí e nas construções do Parque Nacional de Göreme, Turquia |
Este Diretor de Arte e Desenhista de Produção norte-americano começou a sua carreira como projetista aprendiz. Seu primeiro crédito como diretor de arte foi o western Rio Conchos (1964, de Gordon Douglas). Foi ao longo de sua carreira indicado três vezes ao Oscar de Melhor Direção de Arte, pelos filmes: A Maior História de Todos os Tempos (1965, de George Stevens), O Destino do Poseidon (1972, de Ronald Neame) e Inferno na Torre (1974, de John Guillermin). Recebeu em 2004 um prêmio por conjunto de vida e obra da Art Directors Guild.
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Os icônicos "Seaview" e o "sub-voaodor" de "Viagem Ao Fundo do Mar" |
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O Destino do Poseidon (1972): O cenário virava cerca de 45%, sendo maquiado depois para que o piso parecesse o teto pois era simétrico |
Dentre seus trabalhos em televisão destacam-se suas contribuições nos seriados de Irwin Allen, incluido uma nomeação para o Emmy por por Viagem ao Fundo do Mar (redesenhou o submarino Seaview na segunda temporada e criou o design do sub-voador), Perdidos no Espaço *2 e O Túnel do Tempo.
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"Inferno na Torre" (1974): A perfeita tradução da ideia na construção cenográfica |
Um de seus últimos trabalhos como designer de produção em televisão foi Construindo Um Sonho (2001, de Gregg Champion), estrelado por Sidney Poitier. Creber ganhou o prêmio do Grêmio dos Diretores de Arte por excelência na direção de arte em filmes ou mini-séries para a TV.
Paralelo a seu trabalho em televisão, projetou e supervisionou a construção das ruas cenográficas de Nova York e das ruas residenciais para a Disney-MGM Studios, em Lake Buena Vista, Florida. Creber era membro do Guia do setor de Diretores de Arte da Academy of Motion Picture Arts and Sciences of Hollywood.
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"Planeta dos Macacos" (1968). Com os modelos dos prédios cenográficos da "Cidade Macaco" |
Entre os primeiros esboços como diretor de arte durante a preparação para O Planeta dos Macacos, ele desenhou a cidade na qual os macacos inteligentes viviam. No estágio inicial da produção, seguindo o roteiro de Rod Serling, a cidade era visualizada como uma moderna metrópole, tal como a descrita no livro original. “Nós exploramos várias idéias, inclusive filmar em Brasília, e usar o seu moderno e estranho visual. Arthur Jacobs não aprovou de nenhuma delas, apesar de gostar dos esboços e desenhos de produção”.
Após essa concepção ter sido rejeitada por sua confecção ser muito cara, os cenários foram alterados para refletir uma sociedade primitiva - talvez medieval. O problema apresentado foi: “qual o grau de primitivismo que uma civilização de macacos refletiria nesta cidade?”. Michael Wilson, o sucessor de Serling como roteirista, sugeriu tomar como inspiração a obra do arquiteto catalão Antonio Gaudí: “Olhamos para o trabalho de Gaudí e uma cidade na Turquia escavada na rocha chamada Parque Nacional de Göreme, e essas concepções ajudaram, mas não nos dava uma ideia estrutural para a construção. O estúdio na época estava experimentando uma substância chamada espuma de poliuretano, e um dia, alguns amigos tentaram construir alguma coisa pulverizando essa espuma sobre uma estrutura de papelão e conseguimos o exato visual que procurávamos.”
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Os prédios mais afastados tinham um efeito da "perspectiva forçada" para criar a ilusão da cidade cenográfica ser maior do que era de fato |
A segunda consideração foi em torno do final impactante do roteiro de Serling - aquele planeta de fato era a Terra! Isso iria requerer que a audiência, de início, não reconhecesse aquele planeta como o seu próprio: "O nosso objetivo era achar algo realmente original e diferente, numa linha oposta à concepção do livro de Pierre Boulle, que se passava num ambiente com visual contemporâneo. Mas quando surgiu a ideia da cena da Estátua da Liberdade, ficou evidente de que necessitávamos providenciar uma concepção que não indicasse de forma alguma que eles estivessem na Terra, para reforçar o impacto dramático da cena final.”
Quando se estabeleceu o novo visual arquitetônico da cidade-macaco, a etapa seguinte era como concretizar aquele cenário.
“Esculpimos o os prédios, usando modelos de 1/4 de polegada como referência, construindo os prédios cenográficos com hastes (vergalhões) soldadas, cobertas com papelão e pulverizadas com poliuretano. Mas não tínhamos o equipamento suficiente e nós não conseguíamos fazer tudo dentro do tempo de reação do material. Então nós usamos fibra de vidro para plastificar e cimento de construção sobre o poliuretano. Isto se mostrou satisfatoriamente resistente”.
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O Museu da Ciência em "Planeta dos Macacos": influência do Expressionismo Alemão nas angulações dos interiores |
Um outro problema relatado na produção foi encontrar uma locação de aspecto ‘extraterrestre’: "Eu havia trabalhado em Utah quando filmava A Maior História de Todos os Tempos, e sempre achava que ali era uma locação perfeita para um filme de ficção-científica. Não tinha ideia do que poderia ser usada - e de fato nem foi minha sugestão! Foi dica de Jack Martin Smith, chefe do Departamento de Arte."
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"De Volta ao Planeta dos Macacos" (1970). Fazer maior, com orçamento menor... |
No segundo filme, De Volta ao Planeta dos Macacos, o departamento de arte foi desafiado a representar as ruínas da cidade de Nova York, já que foi mostrada a Estátua da Liberdade na cena final do primeiro filme: ”Para as ruínas De Volta usamos fotos atuais dos lugares, e as cortamos com lâminas de barbear, e o departamento de efeitos especiais fizeram máscaras delas para tomadas com matte paintings (cenários pintados em vidro, muito realísticos)”.
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As escadarias de "Hello Dolly!", recicladas... |
"A ‘Igreja’ dos mutantes foi propositalmente assimétrica e sem equilíbrio. Este foi um set pesado, e eu tive a ajuda de muita gente nele. Usamos como cenário de suporte os Jardins da Harmonia de Hello, Dolly! (1969, de Gene Kelly) e o reformamos, pulverizando sua superfície com espuma de poliuretano. O cenário da Grand Estação Central de Dolly!, foi usado também , para a cena do tribunal."
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O "Coral Mutante". Louvados sejam os depósitos de materiais cenográficos... |
O terceiro e último filme de Creber na saga dos macacos demandou bem menos trabalho em termos de cenários de ficção-científica. Afinal este foi o único que usou locações contemporâneas. E no fim acabou sendo o favorito do diretor de arte: “Por mais que eu tenha gostado do primeiro filme, o meu projeto favorito foi o terceiro. E eu acho que foi um filme muito melhor do que o segundo. No segundo, perdeu-se o verdadeiro relacionamento entre os macacos e os humanos, que Fuga do Planeta dos Macacos tinha.”
Um dos objetivos era reconstruir locais referenciais de Nova York, que fossem facilmente identificáveis pelo público
Posteriormente aqueles magníficos cenários tiveram alguns de seus elementos reaproveitados pelo seriado de TV baseados nos filmes (veja sobre ele também aqui). Na maior parte do tempo eles aparecem em cenas panorâmicas tiradas dos longa-metragens para situar a capital da cidade dos macacos. No final da década de 1970, os últimos resquícios dos prédios da cidade já haviam sido demolidos, liberando a região para ser usada como locação em outras produções da Fox. Mas a incrível cidade símia concebida por Creber e equipe, sempre permanecerá com suas curvas e realidade táctil num lugar especial em nossa memória, como um dos grandes mundos de sonhos e pesadelos criados pela imaginação humana.
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Algumas estruturas foram recicladas para o seriado, mas até o final da década de 1970, tudo já havia sido destruído, liberando o espaço para outras filmagens |