segunda-feira, 24 de abril de 2023

Duelos & Falta de Higiene - Crítica – Filmes: Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan (2023)

 


Dinâmico, conciso e fiel!


por Alexandre César

Nova versão honra o clássico de Alexandre Dumas



 

1627. Sul da França. D´Artagnan (François Civil, de O Próximo Passo), um jovem de 20 anos, proveniente da Gasconha, estava a caminho de Paris quando é deixado para morrer depois de tentar salvar uma jovem de ser sequestrada. Ao chegar a seu destino, o rapaz tenta por todos os meios encontrar seus agressores. Ele não sabe que sua busca o levará ao centro de uma guerra real na qual o futuro da França está em jogo. No processo, D'Artagnan se cruza, confronta e acaba se aliando ao passional Athos (Vincent Cassel, de Ameaça Profunda), ao hedonista Porthos (Pio Marmaï, de Pétaouchnok) e ao calculista Aramis (Romain Duris, de Coupez!) - três dos mosqueteiros do Rei com uma temeridade perigosa e uma profunda amizade entre si - e enfrenta as maquinações sombrias do Cardeal de Richelieu (Eric Ruf, de O Oficial e o Espião). Mas é quando se apaixona perdidamente por Constance Bonacieux (Lyna Khoudri, de Dançando no Silêncio), a confidente da Rainha Ana da Áustria (Vicky Krieps, de Tempo), que D'Artagnan se coloca verdadeiramente em perigo. É essa paixão que o leva no rastro daquela que se torna sua inimiga mortal: Milady de Winter (Eva Green, de Baseado em Fatos Reais). 


O jovem gascão D´Artagnan (François Civil) passa por poucas e boas em sua ida à Paris


Dirigido de forma dinâmica e inspirada por Martin Bourboulon (Eiffel), Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan (2023) resgata de forma atual e instigante o espírito dos filmes de capa e espada das velhas matinês, apostando num realismo visual. O ritmo frenético de suas reviravoltas mostra o quão sólido, atemporal e ainda contemporâneo é o clássico de Alexandre Dumas (talvez um dos mais célebres casos de white washing da história *1), não devendo nada aos Jason Bournes e John Wicks da vida. 

 

Burlando a burocracia, D´Artagnan entrega ao Capitão de Tréville (Marc Barbé) seu pedido para ingressar no Corpo dos Mosqueteiros do Rei

Athos (Vincent Cassel ), Aramis (Romain Duris) e Porthos (Pio Marmaï) acabam cruzando o caminho de D´Artagnan, que os desafiam a duelar


O roteiro de Mathieu Delaporte e Alexandre de La Patellière (O Melhor Está por Vir) decupa de forma sintética, com poucas linhas de texto, o protagonista, o trio de espadachins e os demais personagens. Apresenta uma grande fidelidade à obra original, atualizando personagens de forma sutil, de maneira a não sentirmos qualquer tipo de “modernizada” ou “lacrada”. Continua soando como obra de época, mas, ainda sim, acessível à audiência acostumada aos blockbusters atuais. Esta é a primeira adaptação cinematográfica francesa do romance Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, desde 1961, quando foi lançada a saga em duas partes (A Vingança de Milady e Os Três Mosqueteiros), dirigidas por Bernard Borderie. Um filme de 1994 de Bertrand Tavernier, A Filha de D'Artagnan, foi focado na filha do  herói da saga original e foi de importância fundamental para este filme de agora*2

 

A Rainha Ana da Áustria (Vicky Krieps) e o Rei Luís XIII (Louis Garrel) tentam se acertar...


 A fluência da narrativa é auxiliada pela edição de Célia Lafitedupont (O Melhor Está por Vir) que, com cortes precisos, dá as sequências o tempo certo para o desenlace de seus arcos, embora seja mais intensa e brutal nas cenas de ação. A música de Guillaume Roussel (Novembro – Paris Atacado) sublinha a história de forma pontual e vibrante, mas sem chamar muita atenção para si, nos deixando focados no roteiro. 

 

... mas são alvo dos ardis de Milady de Winter (Eva Green) e do seu chefe, o Cardeal de Richelieu (Eric Ruf)


Os demais personagens têm o tempo necessário para servir ao texto e a sua narrativa, destacando-se o rei Luís XIII (Louis Garrel, de Le grand chariot); pivô de uma intriga, Duque de Buckingham (Jacob Fortune-Lloyd, de Star Wars: A Ascensão Skywalker); o chefe dos mosqueteiros, o Capitão de Tréville (Marc Barbé, de Paris Police 1905); e os líderes do movimento dos hungenotes, Gaston de France (Julien Frisonde O Acontecimento) e Benjamin de la Fère (Gabriel Almaer, de A Sentinela), que nos lembram das origens protestantes de Athos. 

Visualmente o filme tem um realismo intenso, com a bela fotografia de Nicolas Bolduc (Belle Epoque),  cuja luz dessaturada e palheta de cores de tons castanhos e terrosos - principalmente nas cenas noturnas, lembrando o trabalho de John Alcott em Barry Lyndon - remetme muito às pinturas de Peter Paul Rubens*3

 

A rainha tem como confidente Constance Bonacieux (Lyna Khoudr), a amada de D´Artagnan


Já no quesito de reconstituição de época, o desenho de produção de Stéphane Taillasson (Eiffel), a direção de arte de Patrick Schmitt (Caixa Preta) e a decoração de sets de Philippe Cord´homme (Mon crime), Emmanuel Delis (Dunkirk) e Jessy Kupperman (O Oficial e o Espião), causam até uma certa estranheza por sua grande fidelidade histórica, deixando bem claro a sujeira cotidiana de todos os personagens, independente de classe social. Isso se reflete nos figurinos de Thierry Delettre (Germinal - A Revolução), que resgata em detalhes o visual da primeira fase do estilo barroco, com seus chapéus de abas largas, penas de faisão do lado esquerdo e botas de cano alto. Até sentimos a falta de uma maior diferenciação visual dos heróis em relação aos vilões em termos de cor dos seus trajes, pois, nas cenas de luta (e são várias), por seu tom frenético, às vezes nos confundimos sobre quem-é-quem. 

 

A fotografia e a direção de arte são impecáveis


Os efeitos práticos por Jean-Christophe Magnaud (O Último Duelo) compõem bem as cenas de combate e os efeitos visuais de BUF, supervisionados por Olivier Cauwet (O Predador), complementam a imersão neste mundo rocambolesco, mas de aspecto táctil, real. 

 

O trabalho de reconstituição histórica é minucioso


Com seus numerosos combates, seu elenco coeso e carismático e suas reviravoltas romanescas, Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan é o exemplo preciso da transposição do romance de capa-e-espada para as telas. Esperemos que chegue logo a sua sequência - Os Três Mosqueteiros: Milady (2023) -, que foi filmada consecutivamente com este (perfazendo uma filmagem total de 150 dias). E quiçá filnalmente possamos ter desta vez um terceiro filme (pois originalmente são três livros) e, quem sabe, uma nova versão de O Conde de Monte Cristo, neste formato?


Mais de uma vez D´Artagnan por pouco não morre nas armadilhas de Milady

O filme termina num gancho para a continuação. Um por todos...

 

 

Notas:

 


*1: Alexandre Dumas (Villers-Cotterêts, 24 de julho de 1802 / Puys, 5 de dezembro de 1870) foi um romancista e dramaturgo francês. Posteriormente se tonou conhecido como Alexandre Dumas, Pai, pois seu filho era homônimo a ele e também foi escritor e teatrólogo de sucesso (é o autor de "A Dama das Camélias"). Dumas escreveu os livros "Os Três Mosqueteiros", "O Conde de Monte Cristo" e "O Homem da Márcara de Ferro", clássicos do romance de capa e espada de grande aceitação popular. Nasceu na região de Aisne, próximo a Paris. Era neto do marquês Alexandre Antoine Davy de la Pailleterie e de uma escrava (ou liberta, não se sabe ao certo) negra, Marie-Césette Dumas

Ainda que as caracterísicas de sua etnia nunca tenham sido claramente escondidas em registros históricos, sua representação em retratos e outras obras artísticas era como um homem branco, como ocorria com o nosso Machado de Assis. Isso só mudou depois de 30 de novembro de 2002, quando o presidente francês Jacques Chirac ordenou que seu corpo fosse exumado do local onde estava sepultado em Villers-Cotterêts, onde nasceu, e foi transportado para o Panteão de Paris, o mausoléu onde repousam os corpos de grandes filósofos e escritores da França, como Victor Hugo e Voltaire

Nesta cerimônia, transmitida pela TV, seu corpo foi carregado por homens que se trajavam como D'Artagnan e os Três Mosqueteiros. Em entrevista depois da cerimônia, o presidente reconheceu o racismo do qual Dumas sempre foi alvo e que sua mudança de repouso foi um reconhecimento a isso e a sua importância na História da Literatura. A França possui alguns dos mais importantes escritores de todos os tempos e Dumas foi o mais lido de todos eles. Suas histórias foram traduzidas para quase 100 idiomas e inspiraram mais de 200 filmes. 

 

 

Philippe Noiret (D´Artagnan) e Sophie Marceau (Eloïse) em "A Filha de D'Artagnan"

*3: O pai do diretor Martin Bourboulon, Frédéric Bourboulon, foi produtor de A Filha de D'Artagnan (1994), de Bertrand Tavernier. Martin tinha 14 anos quando seu pai o levou para visitar o set. As lembranças dessa época foram um dos motivos pelos quais ele aceitou o convite do produtor Dimitri Rassam para dirigir este filme.

 


*4: Peter Paul Rubens (Siegen, 28 de junho de 1577 / Antuérpia, 30 de maio de 1640) foi um pintor brabantino (nascido na região de Brabante, entre a Bélgica e os Países Baixos). Foi adepto do barroco, com um estilo extravagante que enfatizava movimento, cor e sensualidade. É conhecido por suas obras contra-reformistas, retratos e pinturas históricas de assuntos mitológicos e alegóricos.

 

 
"E aí, mademoiselle? Hoje rola???"


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