O destemido herói do espaço
por Alexandre César
Síntese de referências do Sci-Fi e das origens da Pixar

Em 1995 o clássico Toy Story, sacramentou definitivamente o nome Pixar no imaginário coletivo da cultura pop, e assegurou à Disney, com esta parceria, uma posição de destaque na vanguarda tecnológica do iniciante cinema digital. No filme de John Lasseter, fomos apresentados ao menino Andy e sua família e, o mais importante, fomos apresentados aos seus brinquedos: Sr. Cabeça de batata, Slinky Dog, o tiranossauro medroso Rex, a boneca de porcelana Betty, o cowboy Woody e, talvez um dos melhores (senão o melhor): O astronauta Buzz Lightyear, Ranger do Comando Espacial! Ao contrário de Woody, que em Toy Story 2 (1999) teve revelada a sua origem como a representação do personagem de um seriado de marionetes (similar ao dos primeiros trabalhos de Gerry Anderson), a origem do personagem permanecia um mistério, nos sendo revelado apenas que ele tinha um nêmesis: Zurg, tirano despótico meio Imperador Ming, meio Darth Vader, permanecendo todo o contexto restante nebuloso.
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Citação: Uma das cenas iniciais remete a "Alien - O Oitavo Passageiro" (1979)
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Dirigido por Angus Maclane (Procurando Dory) Lightyear (2022)
agora lança uma luz nas origens do destemido herói, numa divertida
aventura espacial noventista que remete às origens da própria Pixar, e dos filmes da Amblin de Steven Spielberg.
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Originalmente o boneco Buzz Lightyear tinha a voz de Tim Allen (esq.). Agora, o personagem Buzz Lightyear tem a voz de Chris Evans (dir.) e... cabelos!
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O roteiro de Jason Headley (Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica)
& Angus Maclane baseado no personagem criado por John Lasseter,
Pete Docter, Andrew Stanton e Joe Ranft logo na abertura faz um surtil retcom, nos informando que “Em 1995 o menino Andy ganhou de presente um boneco de Buzz Lightyear, o personagem de seu filme favorito. Este é o filme.” e assim, numa introdução que lembra o início de Alien – O 8°Passageiro (1979) de Ridley Scott, mostrando uma gigantesca nave geracional esférica (que remete aos núcleos centrais da naves da Federação de Comércio da trilogia prequel de Star Wars)
saindo do hiperespaço, e o computador de bordo analisa um planeta
próximo e desperta o piloto (e alguns técnicos) da animação suspensa. O
piloto é Buzz Lightyear*1, Ranger do Comando Espacial, uma espécie de Frota Estelar de Star Trek misturada com a USNC de Halo.
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Buzz e sua amiga Alisha Hawthorne: Rangers e grandes amigos
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O XL-01, o caça de provas do Comando Espacial, onde Buzz testa a amostra do Cristal de Fusão
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Buzz
mantém as características fisionômicas básicas de queixo grande e
quadrado (bem heróico) e olhos azuis, agora com uma pele com poros, e
cabelos, pois aqui ele é um ser humano, e não um boneco de plástico. Em
contraste, sua personalidade individualista, sempre assumindo as
responsabilidades da liderança, e sempre querendo ser infalível e
resolver tudo, refletem uma insegurança juvenil, sendo um prato feito
para a sua amiga Alisha Hawthorne, que zoa a mania dele de “narrar” seus
relatórios da missão como se fosse um “Diário de Bordo”, no melhor estilo do capitão James T. Kirk de Star Trek.
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O lado pioneiro de Buzz Lightyear é bem delineado nas sequências dos vôos testes...
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...remetendo a filmes clássicos do gênero como "Os Eleitos" (1983)
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Após
pousar a nave no planeta (que em uma atmosfera respirável), Buzz,
Alisha e um recruta saem numa missão de reconhecimento do terreno, e são
atacados por uma forma de vida vegetal tentacular, e ao tentar decolar a
nave, Buzz não consegue evitar uma colisão, que danifica o veículo,
deixando-os ilhados no planeta.
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Alisha Hawthorne e sua companheira. Pela primeira vez um casal LGBTQI+ é retratado numa animação da Pixar
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Tendo
de estabelecer morada no planeta hostil, os tripulantes fundam um
assentamento e vão criando a infraestrutura necessária para consertar a
nave e de lá sair. Buzz carrega consigo o sentimento e culpa por não ter
sido suficientemente habilidoso para desviar a nave, e dedica-se
obsessivamente a refazer o Cristal de Fusão, a fonte da propulsão, e testá-lo num caça de provas (no melhor estilo Chuck Yeagher*2).
Como a proporção exata dos elementos do cristal é de difícil execução,
Buzz vai testando no método do erro-e-acerto, realizando um vôo atrás do
outro, e nisso ele vai experimentando o efeito de dilatação no tempo*3,
e para cada dia de preparar o cristal e fazer o vôo de teste, ele
avança 4, 5 anos, e vai vendo o assentamento virar uma colônia
auto-sustentável, e seus amigos envelhecendo, constituindo famílias,
enquanto ele (na verdade um homem fora de sua época, como Buck Rogers) só compartilha da companhia de Sox , um gato-robô, e de I.V.A.N. (o piloto automático do caça de provas) e de sua idéia fixa de corrigir o seu erro.
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A influência do trabalho de designers como Robert McCall e Sid Mead ´se reflete nos detalhes utiliários como os veículos de manutenção...
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... nas instalações da base e nos interiores de habitação, plenos de funcionalidade embalado num design clean
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Ao
final de 40 anos (e após roubar o caça pois a colônia havia desistido
de sair do planeta) ele finalmente acertou a fusão dos elementos do
cristal, mas encontra a colônia sitiada por um exército de robôs de uma
força alienígena, o terrível Zurg...
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Os uniformes de Buzz mesclam detalhes do brinquedo com trajes de pilotos reais
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Contando
apenas com Izzy Hawthorne, a neta de Alisha, e dois “recrutas”: A rude
Darby Steel e o indeciso Mo Morrison, Buzz e Sox têm de encarar o
desafio que envolve mais do que o destino da colônia, a sua própria
essência, fruto de suas escolhas e visão de mundo...
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Concepção visual de Garret Taylor da central do Comando Espacial
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A gigantesca nave geracional dos colonos remete em seu design a clássicos do Sci-Fi como "2001: Uma Odisséia no Espaço" (1968) e da franquia "Star Wars"
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Calcado
em uma inteligente trama que mescla paradoxos e profundas reflexões
existenciais, mas sem descartar o humor numa sucessão de reviravoltas
que a edição de Anthony Greenberg (Os Incríveis 2) não deixa cair o pique narrativo, complementado pela ótima música de Michael Giacchino (O Batman) que com poucos acordes, cria um tema marcante para seu protagonista, num tom de aventura digno de Indiana Jones ou De Volta Para o Futuro.
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Concepção visual de Garret Taylor da nave de Zurg |
Visualmente rico, a fotografia de Jeremy Lasky (Procurando Nemo) e Ian Megibben (Soul) valoriza o desenho de produção de Tim Evatt (Gat-bull) e a direção de arte de Paul Conrad; Matt Nolte (Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica);
Greg Peltz; Garret Taylor e Bill Zahn criam ambientes plenos de
detalhes, calcados no imaginário da ficção-científica e de ilustradores
como Robert McCall ou Sid Mead além de e easter eggs que remetem ao próprio universo da Pixar, que por si só é pleno de elementos e personagens auto-referenciados.
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O terrível Zurg, que revela-se uma grande surpresa em sua origem
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"Exército Brancaleone": Izzy Hawthorne, a neta de Alisha, com Sox, o gato-robô e dois “recrutas”: O indeciso Mo Morrison e a rude Darby Steel são a equipe de Buzz Lightyear contra Zurg
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Visualmente rico, a fotografia de Jeremy Lasky (Procurando Nemo) e Ian Megibben (Soul) valoriza o desenho de produção de Tim Evatt (Gat-bull) e a direção de arte de Paul Conrad; Matt Nolte (Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica); Greg Peltz; Garret Taylor e Bill Zahn criam ambientes plenos de detalhes, calcados no imaginário da ficção-científica e de ilustradores como Robert McCall ou Sid Mead além de e easter eggs que remetem ao próprio universo da Pixar, que por si só é pleno de elementos e personagens auto-referenciados.
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A colônia tem capacidade de, aproveitando as matérias -primas do planeta, tornar-se plenamente autosuficiente
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Qualquer semelhança com Dagobah, é mera citação...
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Lightyear marca o retorno triunfal da Pixar Animation Sudios e da Walt Disney Pictures ao universo de Toy Story de uma forma tangencial, e ao mesmo tempo nos fazendo pensar que muitas vezes, ao não conseguirmos nos desapegar de idéias fixas, corremos o risco de não enxergarmos o muno à nossa volta, e acabarmos nos tornando o nosso próprio inimigo.
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A flora hostil dá muita dor de cabeças à equipe de colonos
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Obs.: O filme tem três cenas pós-créditos, sendo a última a mais ignificativa por abrir a possibilidade de Zurg virar o “Kang do Buzz Lightyear”...
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O "Cristal de Fusão", fonte do vôo interestelar, tem um simbolismo "queer", em sua configuração final
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Notas:
*1: Originalmente tendo a voz de Tim Allen, aqui Buzz Lightyear teve a sua voz mudada para enfatizar a diferença entre o ”ator do filme” (Chris Evans de Capitão América: O Primeiro Vingador) e o brinquedo. Aqui, o dublador oficial Guilherme Briggs cede lugar à Marcus Mion, que até faz um bom trabalho, deixando de lado os maneirismos vocais de apresentador a que estamos habituados.
*2: Chuck Yeagher (13/02/1923 – 07/12/2020) foi um aviador, herói de guerra condecorado (12 vitórias em combate na 2ᵃ Guerra Mundial) e piloto de provas pioneiro, tendo quebrado recordes de velocidade pilotando o X-1 entre outros jatos experimentais, sendo conhecido como o primeiro piloto a “quebrar a barreira do som” em 14 de outubro de 1947. Foi retratado no filme de Philip Kaufman Os Eleitos (The Right Stuff) de 1983.
*3: O Efeito de Dilatação do Tempo é que à medida que um objeto se move mais próximo da velocidade da luz, mais o tempo vai correndo devagar para ele, diferente da velocidade em que vai correndo normalmente. Ex.: Se eu tiver um irmão gêmeo e eu fizer uma viagem a um planeta (na velocidade da luz) distante 5 anos-luz, ao ir e voltar eu terei envelhecido alguns dias, mas chegando em casa, eu encontrarei o mundo e o meu irmão gêmeo 10 anos mais velhos do que eu, pois como ele ficou na Terra, o tempo correu normalmente
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A aventura está apenas começando...
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